Controle de preços em São Paulo: Procon precisa repensar o tema
2 de fevereiro de 2023, 15h24
O ProconSP é uma instituição pública e merece nosso respeito e admiração, e a gestão que se vai recuperou muito de seu prestígio com os paulistas. Mas, durante a pandemia, sua área de fiscalização cometeu um único equívoco que pode ser revisto: autuações relacionadas ao controle de preços em produtos alimentares e de uma série de outros produtos, sem um cuidado maior no contexto econômico da pandemia e de seus efeitos e mesmo às orientações exaradas pela Secretaria Nacional do Consumidor.
Como já tivemos oportunidade de explicar, o preço é o principal mecanismo de informação de tomada de decisão de consumidores e firmas e, portanto, de ajustes no mercado – que não significa outra coisa senão o espaço público de interação de consumidores e empresas. Um preço alto sinaliza às empresas que pode haver oportunidades de lucros em determinado mercado e aos consumidores uma limitação de escolhas a partir de suas restrições orçamentárias. Ele resulta de mecanismos de oferta e demanda. Situações de guerra (e agora de pandemia) podem alterar radicalmente as estruturas de oferta e demanda, provocando abruptas oscilações de preço (para cima em alguns casos, como aconteceu com álcool em gel, máscaras, leite e mais recentemente o arroz; e, para baixo, como preços de hotéis, pacotes turísticos).
A tentativa de juristas, juízes e políticos de controlar essa lei natural tão bem descrita pela ciência econômica nunca deu certo. Não se revoga a lei da oferta e da procura, como também não se extingue a gravidade.
É verdade que o Código de Defesa do Consumidor dispõe: "Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços".
Todavia, dada a vagueza semântica de tal dispositivo, a Secretária Nacional do Consumidor (vinculada ao Ministério da Justiça), em conjunto com a Secretaria de Acompanhamento Econômico (vinculada ao Ministério da Economia), divulgaram a Nota Técnica nº 8/2020, estabelecendo parâmetros interpretativos sobre tal dispositivo legal para todo o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
Em primeiro lugar, a referida nota técnica deixa claro que o Brasil opta, em sua Constituição Federal, por um sistema econômico de mercado, conforme previsto em seus artigos 1º, IV, e Artigo 170, caput, o que significa que as decisões sobre produção e consumo são deixadas à escolha de firmas e consumidores, dentro dos marcos regulatórios previstos na mesma Constituição e na legislação infraconstitucional. Em um sistema de livre mercado, há liberdade das firmas estabelecerem seu preço e não há limite ou controle sobre o lucro, que é o fruto do trabalho e do risco do empreendedor.
A nota técnica deixa claro também que a intervenção do Estado no domínio econômico deve ocorrer apenas em situações legalmente autorizadas e que não há possibilidade de tabelamento de preços no Brasil, lembrando que: "vale também destacar que, historicamente, todo esforço para controle de preços no Brasil se mostrou ineficiente e ineficaz, causando distorções no lado da oferta, com produtores deixando de negociar mercadorias, aumento de preço em mercados paralelos, cartelização ou mesmo desabastecimento".
Por essa razão, a nota técnica explicita que "uma análise da abusividade dos preços ou aumento arbitrário de lucros, segundo o CDC, deve ocorrer caso a caso, mercado a mercado, sem que seja possível determinar apriori (ou ex ante), quais são os limites de elevação estabelecidos em lei. Há de se fazer esta distinção, pois cada setor possui um modelo de negócios que pode ser considerado coerente naquele setor e não em outros, observando, também, as regras impostas pelos órgãos reguladores dos setores regulados".
Desse modo, fica claro que a Senacon entende que situações de emergência ou de calamidade pública podem gerar choques de oferta e demanda, eventos que proporcionam, de maneira inesperada, um aumento ou redução significava da oferta ou da demanda poder alterar os preços sem configurar qualquer abusividade. De modo que choques de oferta ou demanda podem ser justa causa para aumento de preços. O que significa dizer que deve se verificar se há racionalidade econômica para o aumento, sendo a abusividade um comportamento oportunista ou de má fé da empresa que não consegue justificar o aumento substancial do preço por uma mudança na estrutura de preços de oferta e demanda dentro da cadeia em que está inserido. Não se discute margem de lucro.
Deveriam os fiscais do Procon ter se atentado a essa orientação. É preciso que a diretoria da entidade e o próprio governador tomem ciência dessa situação já que, se não corrigida administrativamente em grau recursal, essa situação gerará muito mais custos do que benefícios aos consumidores e, também, gerará muita desnecessária judicialização. O TJ-SP vem reconhecendo abusividade nessas autuações, como se vê do seguinte precedente:
Apelação Cível Ação anulatória Multa aplicada pelo PROCON Violação ao art. 39, X da Lei nº 8.078/90 Ação julgada procedente Recurso voluntário do PROCON Desprovimento de rigor. Empresa que justificou de maneira suficiente a elevação de preços observada, considerando outros fatores que não apenas o preço de aquisição. Aumento que não pode ser reputado abusivo ou arbitrário, considerando as peculiaridades do período da pandemia. Cooperativa que não auferiu qualquer vantagem pela elevação dos preços, conforme certificado pelo apelante. Aumento de preços que não ocorreu de modo desarrazoado e sem justa causa. Precedentes. R. sentença mantida. Recurso desprovido. (g.n.) (TJ-SP, AC nº 1039306-28.2022.8.26.0053, relator desembargador Sidney Romano dos Reis, 6ª Câmara de Direito Público, j. em 10/1/2023).
Seria mais adequado, e consentâneo com o princípio da eficiência administrativa, que a diretoria do Procon reveja tal posicionamento de sua área de fiscalização.
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