Opinião

Custas judiciais do TJ-SP e rol de diferimento: perda de uma chance

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29 de dezembro de 2023, 13h17

Por ocasião da Lei nº 17.785/23-SP, que alterou a Lei de Custas Judiciais de São Paulo (Lei nº 11.608/03-SP) [1], que majorará em geral as custas dos litígios a partir de 3 de janeiro de 2024 [2], e da importância natural e cotidiana do tema, anima-se a apresentar singela contribuição quanto a ponto importante e, aparentemente, pouco explorado: da justa conveniência de se ampliar o rol de hipóteses legais de diferimento (postergação) dos custos judiciais.

As custas judiciais, os emolumentos e a taxa judiciária têm natureza tributária de taxas [3]. Taxas, como se sabe, são tributos vinculados [4] que “têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição” (artigo 77, CTN).

Quanto à conformação do aspecto quantitativo, o STF é firme sobre “a validade da utilização do valor da causa como base de cálculo das taxas judiciárias e custas judiciais estaduais, desde que haja fixação de alíquotas mínimas e máximas e mantida razoável correlação com o custo da atividade prestada” (ADI nº 1.926).

O foco de muitos comentários tem sido sobre o custo — questão importante e que deve ser tratada sob o rigoroso prisma do direito financeiro.

Aqui se quer atenção a algo que parece mais basilar, qual seja, a atividade prestada.

Bem, o Poder Judiciário é uno, tendo como órgãos os tribunais e juízes (artigo 92, CF), e tem como nobre função típica dizer o direito (i.é., exercer jurisdição “juris + dicio”, com poder de criar coisa julgada).

Pelo caráter dialético do Direito, é impossível seu manejo sem a análise valorativa do conjunto fático (ser) e do conjunto lógico (incidência). Assim, faltando ou a análise dos fatos ou das normas incidentes, tem-se algo que não se pode sequer chamar de Direito [5].

Nas decisões judiciais é, ainda, qualificado esse dever: há que se ter fundamentada apreciação de fatos e normas. É o que se encontra na literalidade do artigo 93, IX, da CF:

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade […];”

Sobre esse ponto, comentou o saudoso professor Arruda Alvim:

“[…]. Quer dizer, a necessidade de que os provimentos judiciais sejam fundamentados é decorrência direta da garantia do devido processo legal, afinal não há como verificar eventual “acerto” ou “desacerto” de uma decisão senão pela análise de seus fundamentos. Disso se extrai que a fundamentação tem relação intrínseca com a legitimidade do funcionamento do Judiciário[6].

No plano infraconstitucional, o artigo 489, do CPC/2015, elenca os elementos essenciais da sentença e indica casos em que esta não será considerada fundamentada, ou seja, que será nula [7].

Pois bem. Isso tudo implica dizer que certos atos judiciais podem estar tão maculados que não podem sequer ser considerados como validamente pertencentes ao Direito. Logo, não são considerados como pertencentes à legitima atividade judiciária.

Não, não se quer aqui dizer que a falta de prestação jurisdicional perfeita (em sentido jurídico) deva afastar a incidência das custas e taxas judiciárias; até porque a tributação se dá também por serviço potencial.

O que se quer propor aqui é apenas reflexão — de lege ferenda; para quiçá vindouras alterações para que haja maior justiça na aplicação da norma tributária em determinados casos recursais.

Sinteticamente, os recursos (pensemos notadamente na apelação) servem para questionar possíveis erros de julgamento (error in judicando) e erros de procedimento (error in procedendo), com o fim de que haja a anulação do decisum e sua substituição ou a anulação do decisum e a determinação de novo julgamento pelo juízo a quo.

Quando há necessidade de apresentar apelação em face de sentença que restou maculada por grave error in procedendo há grave dúvida: requerer ou não a anulação da sentença.

Em casos vultosos, a anulação da sentença pode significar dois pagamentos de custos máximos — da primeira apelação para anulação da sentença e a segunda para substituição/reforma.

Sim, há demandas complexas e que, por qualquer motivo que seja, podem fugir da boa apreciação do juízo de piso reiteradas vezes.

Isso tem certa naturalidade e é, muitas vezes, compreensível. O que não parece adequado é onerar o jurisdicionado com custos estratégicos que não existiriam acaso fosse seguido o procedimento correto pelo juízo.

Eis a proposta: a inclusão expressa de possibilidade de diferimento dos custos judiciais — até a execução — nos casos de recurso em que se pede apenas a anulação do julgado de primeiro grau.

Frise-se que inexiste prejuízo econômico. Se improcedente o recurso (i.é., confirmada a sentença recorrida), o recorrente arcará com os custos. Se procedente, ao final do processo, com ou sem a resolução do mérito, haverá um sucumbente (autor ou réu), que, então, arcará com o ônus tributário corrigido.

Tampouco terá qualquer prejuízo ser aplicada ao julgamento do recurso em concreto a teoria da causa madura e o julgamento imediato do mérito pelo juízo ad quem com base no artigo 1.013, § 3º, do CPC/15 [8], vez que, ao final, de qualquer forma, haverá o sucumbente.

Quiçá em alteração um pouco mais ampla e profunda convenha até colocar o crivo final do diferimento sob a apreciação do relator, pela via monocrática, quando do recebimento do recurso.

Trata-se, assim, realmente de mero mecanismo que equaliza o adequado interesse arrecadatório com a justa pretensão à prestação jurisdicional válida.

No caso da lei paulista, isso poderia implementado com o acréscimo de singelo parágrafo ao artigo 5º, que cuida dos diferimentos e isenções. Isso de lege ferenda.


[1] Texto atual disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2003/alteracao-lei-11608-29.12.2003.html (acesso em 22.8.2023).
Texto da proposta (PL n. 752/21), disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/proposta-taxa-judiciaria.pdf

[2] Conforme Comunicado Conjunto n. 951/2023-TJSP, disponível em: https://dje.tjsp.jus.br/cdje/consultaSimples.do?cdVolume=18&nuDiario=3881&cdCaderno=10&nuSeqpagina=1

[3]As custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécie tributária, são taxas, segundo a jurisprudência iterativa do STF. […].” (ADI n. 1.145).

[4] Cfr. lição de Geraldo Ataliba (Hipótese de incidência tributária. 4ª ed., Revista dos Tribunais, 1991, pp. 128 e ss..).

[5] Miguel Reale destaca: “Nunca será demais acentuar que a sentença só na aparência é um silogismo, não sendo redutível a simples dedução formal, assim como a interpretação do Direito não é mero trabalho de Lógica formal, mas possui antes natureza dialética, implicando conexões fático-normativas segundo valores.” (Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 19ª ed., 2002,  p. 252).

[6] ALVIM, Arruda. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 75.

[7]Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. […].”

[8]Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. […].

§3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

I – reformar sentença fundada no art. 485 ;

II – decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;

III – constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;

IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.”

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