Opinião

Servidor tem todo o direito de não assinar TAC proposto

Autor

  • Guilherme França

    é advogado em Curitiba (PR) MBA em gestão pública em andamento pela USP pós-graduado em Direito Processual Civil (UCAM) em Direito Constitucional (Academia Brasileira de Direito Constitucional) e em Filosofia e Teoria do Direito (PUC-MG).

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18 de dezembro de 2023, 7h01

O termo de ajustamento de conduta (TAC) está previsto em diferentes campos normativos no âmbito do Direito brasileiro, sendo que o seu amplo conhecimento pelos juristas talvez se dê, principalmente, pela previsão contida no §6º do artigo 5º da Lei Federal nº 7.347/1985, mais conhecida como a Lei da Ação Civil Pública (LACP).

No que diz respeito ao Direito Administrativo Sancionador (DAS), o inciso III do artigo 5º da Portaria Normativa CGU nº 27/2022 (“Portaria”) prevê que são atividades típicas das unidades setoriais de correição propor a celebração e celebrar o TAC. Porém, a dúvida que remanesce ao servidor, muitas vezes, é saber quando assinar ou não assinar essa espécie de acordo proposto pela autoridade competente.

Na prática, o termo de ajustamento normalmente é proposto ao servidor antes da instauração de processo administrativo disciplinar (PAD), haja visto que o artigo 61 da portaria dispõe que o TAC consiste em procedimento administrativo voltado à resolução consensual de conflitos em casos de infração disciplinar de menor potencial ofensivo.

Embora o inciso III do artigo 66 da portaria preveja que o agente público interessado poderá propor o termo de ajustamento, o mais comum é que este receba a proposta por parte de uma autoridade, uma vez que, muitas vezes, o servidor nem sequer tem ciência de que uma suposta irregularidade atribuída a si está sendo objeto de investigação.

Seja como for, aqueles que trabalham diariamente em contato com a administração pública sabem que, infelizmente, certos instrumentos jurídicos podem ser desvirtuados por razões pessoais ou políticas, transformando-se em uma ferramenta de perseguição — e com o TAC não poderia ser diferente.

Dessa forma, ainda que os artigos 63 e 67 da portaria estabeleçam os requisitos e elementos obrigatórios deste documento, isso não faz com que o termo proposto pela autoridade seja necessariamente razoável ou proporcional, conforme princípios estabelecidos pelo artigo 2º, caput, da Lei 9.784/99. E aqui surge a importância de que o agente público submeta o termo de ajustamento de conduta recebido a uma análise técnica por um profissional especialista na matéria.

Em primeiro lugar, porque o TAC pode ter sido oferecido como mera chantagem ou ameaça por parte da autoridade proponente, que geralmente estabelece obrigações desproporcionais ao servidor e garante: “se você não assinar este Termo, vou determinar a instauração de um PAD. Assustado, o servidor acaba por assinar um documento que lhe impõe severas obrigações e que poderá lhe trazer muitos prejuízos no futuro.

Isso porque, nos termos do §2º do artigo 70 da respectiva portaria normativa, o descumprimento do TAC poderá acarretar num duplo julgamento: pelos fatos que deixaram de ser investigados em razão da assinatura do TAC e que agora podem voltar a ser objeto de PAD; pelo próprio descumprimento do acordo assinado com a administração pública.

Exemplificando esse cenário, na advocacia, cheguei a presenciar caso no qual o servidor fora absolvido da acusação original, contudo, foi punido pelo descumprimento do TAC, uma vez que a autoridade julgadora e a Procuradoria Jurídica entenderam que o termo de ajustamento seria uma espécie de “contrato” entre as partes (administração pública e servidor) e que, portanto, independente da conduta originária, o seu descumprimento configuraria uma ilegalidade própria.

Além de o TAC poder ser utilizado com objetivos pessoais e ilícitos, mesmo nos casos em que a autoridade proponente esteja agindo de boa-fé, remanesce a possibilidade de que o termo não esteja condizente com a realidade, seja porque as condutas praticadas pelo servidor sequer configuram ilícito administrativo ou porque as obrigações impostas gerariam restrições ou esforços excessivos por parte do servidor, causando o possível descumprimento do TAC.

Sobre esse aspecto, o manual de processo administrativo disciplinar da Controladoria-Geral da União (CGU) prevê a necessidade de que as obrigações estabelecidas ao servidor, pela autoridade proponente, estejam minimamente adequadas à gravidade do ato cometido pelo agente público:

As obrigações estabelecidas pela administração devem ser proporcionais e adequadas à conduta praticada, visando mitigar a ocorrência de nova infração e compensar eventual dano, e compreender, conforme o caso: reparação do dano causado, retratação do interessado, participação em cursos visando à correta compreensão dos seus deveres e proibições ou à melhoria da qualidade do serviço desempenhado, acordo relativo ao cumprimento de horário de trabalho e compensação de horas não trabalhadas, cumprimento de metas de desempenho e sujeição a controles específicos relativos à conduta irregular praticada. (p. 78)

Sendo assim, este pequeno artigo serve apenas para alertar que o servidor público deve estar sempre atento ao receber um termo de ajustamento de conduta, sobretudo nos casos em que o oferecimento dessa solução jurídica venha seguido de grosserias, ameaças ou chantagens da autoridade que a propõe.

Importante destacar que o servidor público tem todo o direito de não assinar o TAC proposto caso este não esteja condizente com os fatos ocorridos, ainda que seja por sua chefia, o que não acarreta qualquer ilegalidade ou descumprimento da hierarquia funcional. A depender do cenário, a melhor opção é se preparar para a defesa no processo administrativo disciplinar que será instaurado, no qual o servidor poderá produzir todas as provas que possui e rebater as acusações que lhe são atribuídas.

Essas breves recomendações sobre o TAC no âmbito da administração pública servem apenas como uma singela orientação aos servidores públicos, vinda de um profissional que lida diariamente com o direito sancionador e que, dessa forma, infelizmente, depara-se com toda a ordem de ilegalidades e arbitrariedades cometidas por algumas autoridades, que ainda enxergam em sua posição não o dever de seguir a lei em prol do interesse público, mas apenas uma oportunidade de perseguir seus opositores.

Autores

  • é advogado em Curitiba (PR), MBA em gestão pública em andamento pela USP, pós-graduado em Direito Processual Civil (UCAM), em Direito Constitucional (Academia Brasileira de Direito Constitucional) e em Filosofia e Teoria do Direito (PUC-MG).

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