Opinião

Insegurança jurídica no novo posicionamento do STF sobre contribuição assistencial

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16 de dezembro de 2023, 17h11

O sistema sindical brasileiro é financiado por diversas contribuições dos trabalhadores e empregados, algumas delas aplicáveis a toda categoria e outras aos filiados. Nem todas essas contribuições são obrigatórias, sendo algumas facultativas e outras que dependem de autorização expressa ou ausência de oposição. Em linhas gerais, temos as seguintes contribuições: sindical prevista em lei (artigos 578 a 610 da CLT); confederativa (artigo 8º, inciso IV, da Constituição de 1988); assistencial (artigo 513, e, da CLT); e mensalidade sindical (artigo 548, b, da CLT). A contribuição sindical, aplicável a toda categoria, teve uma importante mudança no regime, instituída pela Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), condicionando o seu desconto à autorização expressa dos empregados, verbis:

O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação.

Assim, pelo texto da lei, a contribuição sindical só pode ser exigida mediante autorização prévia, voluntária, individual e expressa pelo empregado. Não é admitida a autorização tácita ou determinação do sindicato por meio de convenção exigindo manifestação do direito de oposição pelo empregado. Já a contribuição confederativa é aplicável apenas aos empregados filiados (Súmula nº 666 do STF), podendo ser fixada em assembleia geral, conforme prevê o artigo 8º inciso IV da Constituição e alínea “e” do artigo 513 da CLT. Pode haver desconto em folha de pagamento.

Igualmente, a mensalidade sindical só é devida pelos funcionários filiados ao sindicato a partir do momento que optam pela filiação. Esta contribuição pode ser através do desconto mensal em folha de pagamento ou boletos pagos pelo próprio funcionário, no valor estipulado em convenção coletiva de trabalho.

Além de todas as contribuições mencionadas, existe ainda a contribuição assistencial, que tem natureza retributiva à assistência do sindicato nas negociações, podendo ser estabelecida por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho e ter desconto em folha de pagamento.

Historicamente, referida contribuição só poderia ser cobrada dos filiados conforme entendimento consolidado pelo Enunciado 119 do C. TST, em atenção artigo 8º, V, c/c artigo 5º, XVII e XX da Constituição. Já o antigo Precedente Normativo 74 do TST (cancelado pela Resolução 81/1998 da SDC) previa: “desconto assistencial. Subordina-se o desconto assistencial sindical à não oposição do trabalhador, manifestada perante a empresa até dez dias antes do primeiro pagamento reajustado“.

Tal entendimento foi confirmado pelo STF em março/2017, no julgamento do tema 935, que reafirmou sua jurisprudência no sentido de que a contribuição assistencial somente seria exigível aos trabalhadores sindicalizados. Tal entendimento foi confirmado em sede de embargos de declaração, julgados pelo relator.

Desde então, a maioria das empresas deixou de efetuar o desconto da contribuição assistencial dos funcionários não sindicalizados sob pena de repetição de indébito. Tampouco cuidaram as empresas de obter a carta de oposição dos funcionários não filiados aos sindicatos, vez que desobrigados do pagamento. Passados cinco anos da referida decisão, em 2023 o plenário do STF retomou o julgamento do assunto, havendo o próprio relator, ministro Gilmar Mendes, revisto seu entendimento anterior para fixar a seguinte tese:

“é constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.

Embora referida decisão tenha efeito erga omnes, ainda não transitou em julgado, pendendo do julgamento de embargos para modular seus efeitos no tempo, ou seja, se a decisão terá aplicação retroativamente ou não. Não obstante, grande parte dos sindicatos tem invocado referida decisão para cobrança automática das contribuições, inclusive pretéritas. Além de todas as ressalvas possíveis ao novo entendimento do STF, em especial diante da previsão expressa do artigo 611-B, XXVI da CLT, que veda a supressão ou redução do direito de associação, a questão prática que coloca é:

  • a) Se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (artigo 5º, II da Constituição);
  • b) Se até mudança do entendimento do STF não era obrigatória a contribuição aos não filiados, independentemente do direito de oposição;
  • c) Como garantir o direito de oposição previsto no próprio tema 935 retroativamente?

Vale lembrar que referidas contribuições são previstas nos acordos e convenções coletivas que também fixam o prazo de oposição, e que obviamente já transcorreu. Se a decisão tiver efeitos retroativos, de rigor que se abram novos prazos para manifestação do direito de oposição, sob pena de descumprimento do próprio entendimento fixado no tema 935 do STF.

Não é demais lembrar que os quadros das empresas oscilam, com novas admissões e demissões, tendo havido inúmeros desligamentos durante a pandemia. De outro lado, os sindicatos pretendem a cobrança retroativa das contribuições considerando a relação anual de trabalhadores, muitos dos quais já foram desligados.

Nessa hipótese, o empregador não terá, na prática, como efetuar o desconto dos trabalhadores, tampouco deve ser obrigado a arcar com contribuições da categoria dos empregados. Evidentemente, a conta não fecha.

Não sem razão, a procuradoria-geral da República opôs embargos declaratórios à decisão do STF, para que a tese fixada tenha modulação de efeitos e seja aplicada apenas a partir da sua publicação, sob pena de se violar o princípio da segurança jurídica.

Caso o STF decida pela aplicação dos efeitos retroativamente, a questão de direito acima colocada certamente poderá ser oposta como matéria de defesa em eventuais ações de cobrança ajuizadas pelos sindicatos.

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