Opinião

O protocolo do Conselho Nacional de Justiça e a dispensa de perícia ambiental

Autor

  • Roberto Farias da Silva

    é professor de geografia na SME-PCRJ e SEEDUC-RJ com pós-graduação em Gestão e Licenciamento Ambiental — Perícia Ambiental Judicial — Assistência Técnica Ambiental — Geoprocessamento — Cadastro Ambiental Rural (CAR) — e mestrando no PROFGEO UERJ.

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15 de dezembro de 2023, 17h19

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) publicou o protocolo para julgamento de ações ambientais em outubro. Este documento defende a tese do uso cada vez maior do sensoriamento remoto nestas ações e a diminuição do uso da perícia. Podemos destacar um trecho da parte II (Diretrizes Jurídicas sobre o artigo 11 da Resolução CNJ nº 433/2021), intitulado “possibilidade de dispensa de perícia para identificação da materialidade a partir do uso de imagens”.

Pretendemos aqui fazer uma crítica a esta decisão, discorrendo primeiro sobre alguns conceitos do sensoriamento remoto, tecnologia que não podemos abrir mão nestes trabalhos, e depois algumas lacunas presentes na tecnologia, e/ou do profissional que pode fazer uso.

De acordo com Meneses (2012), “sensoriamento remoto é uma técnica de obtenção de imagens dos objetos da superfície terrestre sem que haja um contato físico de qualquer espécie entre o sensor e o objeto“. O mesmo autor dá outra definição levando em conta desta vez o rigor científico, “sensoriamento Remoto é uma ciência que visa o desenvolvimento da obtenção de imagens da superfície terrestre por meio da detecção e medição quantitativa das respostas das interações da radiação eletromagnética com os materiais terrestres”. Lembrando que a ênfase neste texto é sobre o uso das imagens de satélite, mas esta não é a única tecnologia de sensoriamento remoto. Um exemplo disso bem mais antigo é o uso das fotografias aéreas.

Um dos “problemas” que podemos adiantar é a resolução espacial. Bias, Brites e Santa Rosa (2012) destacam a necessidade das altas resoluções, principalmente nas pesquisas em áreas urbanas.  Um exemplo de satélite é o Ikonos, com resolução de 1 m. Na tabela do protocolo, nas páginas 44 e 45, são citados (aqueles de melhor resolução), o Programa Mais Brasil, sob responsabilidade do Ministério da Justiça, com resolução de 3,7 m, e o SipamSAR, que é o Sistema de Proteção da Amazônia por Radar, que tem resolução entre 3 e 15 m. O problema neste então é que não deve cobrir todo o país. Como geógrafo, o autor defende o uso de mapas, imagens de satélites, sistemas de informações geográficas, entre outras geotecnologias. Mas considera muito difícil a dispensa de uma perícia direta, com vistoria em campo, principalmente em ações que a área não seja de grande extensão espacial

Existem ainda outras lacunas, como por exemplo, a resolução temporal, que pode variar vários dias, de acordo com o satélite utilizado; o problema da cobertura de nuvens, que dificulta a interpretação do profissional e tem ainda o fato da imagem ter sido feita à noite, que vai gerar a mesma dificuldade. Ainda sobre a interpretação do profissional, aqui cabe uma observação relevante. Se você entregar uma imagem de satélite (somente) para várias pessoas, cada um pode interpretar de maneira diferente. O que defendemos então é que esta tarefa seja feita por um especialista, pois mesmo na perícia ambiental nem todos os profissionais têm esta qualificação. E até mesmo em instituições respeitadas nesta área, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vários pesquisadores trabalham com temas diferentes, específicos, como meteorologia, desmatamento, agricultura, bacias hidrográficas, etc. O próprio protocolo esclarece que o CNJ solicitará treinamentos para os servidores do Judiciário nesta área, na página 66.

Meneses (op. cit.) salienta que “atualmente, o sensoriamento é constituído por uma razoável constelação de satélites que oferecem imagens para atender as necessidades de uma ampla demanda de usuários. Para aqueles usuários que necessitam de uma observação detalhada do tamanho e das formas dos objetos, há os sensores que detectam áreas unitárias inferiores a 1 metro, e com meios para visualização estereoscópica 3D, muito úteis para levantamentos cadastrais multifinalitários, urbanos e cartografia digital. Os interessados em monitoração para o acompanhamento da evolução e de mudanças da paisagem podem recorrer aos sensores com alta taxa de revisita à área. Já os que se interessam em determinar a composição ou constituição dos minerais ou rochas, a procura é pelos sensores com um grande número de bandas espectrais. Por isso, uma forma de se abordar as potencialidades de um sensor é pelo dimensionamento de suas resoluções“.

Ou seja, o que importa neste caso é o objetivo do estudo de acordo com a imagem. Esta pode ser boa para um geólogo, mas não para um meteorologista, e assim por diante. Outro ponto importante é a escala a ser adotada. Neste caso, Bias et al. (op cit.) chamam a atenção sobre o erro máximo admissível considerado numa imagem (ou mapa), que é de 0,2 mm, e que não é possível distinguir em uma imagem digital objetos com tamanhos menores do que o pixel. Neste sentido, já vimos erros cometidos até por interpretação de imagem feita por drone, que tem uma resolução maior do que as de satélites. Os autores ainda elaboraram a seguinte tabela:

Escala Precisão (m) Menor Objeto (m²)
1:500 0,1 0,01
1:1.000 0,2 0,04
1:2.500 0,5 0,25
1:5.000 1 1
1:10.000 2 4
1:25.000 5 25
1:50.000 10 100

Fonte: Bias et al. (2012)

Para finalizar, chamamos a atenção para a imagem da Baía de Sepetiba na página 65. Como conhecedor desta área, não se pode duvidar da interpretação e capacidade do Perito. Mas será que só a imagem basta? Não seria o caso, por exemplo, de pesquisar sobre os elementos químicos despejados na Baía? Será que são metais pesados, como cádmio, zinco, etc.? Que danos podem causar ao ecossistema, às pessoas que vivem na localidade? Pode ser preciso então uma análise de um químico, por exemplo.

O autor entende também, apesar de não ficar claro (?) no protocolo, a carência de peritos ambientais na Amazônia. Pode ser uma boa oportunidade, apesar dos perigos sabidos.

Deixamos em aberto então estas discussões, sujeitas às críticas, sugestões e prosseguimentos neste tema de suma importância.

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Bibliografia básica
Conselho Nacional de Justiça. Protocolo para julgamento de ações ambientais: primeiro escopo: parâmetros para uso das provas produzidas exclusivamente por sensoriamento remoto ou obtidas por satélite no acervo probatório das ações judiciais ambientais (artigo 11 da Resolução CNJ nº 433/2021) / Conselho Nacional de Justiça — Brasília: CNJ, 2023.

MENESES, P. R. Princípios de Sensoriamento Remoto. In: Almeida, T.; Meneses, P. R. (orgs.): Introdução ao Processamento de Imagens de Sensoriamento Remoto. UnB–CNPq. Brasília, 2012. p. 1-33.

BIAS, E. S.; BRITES, R. S.; SANTA ROSA, A. N. C. Imagens de Alta Resolução Espacial. In: Almeida, T.; Meneses, P. R. (orgs.): Introdução ao Processamento de Imagens de Sensoriamento Remoto. UnB–CNPq. Brasília, 2012. p. 239-257.

Autores

  • é professor de geografia na SME-PCRJ e SEEDUC-RJ com pós-graduação em Gestão e Licenciamento Ambiental — Perícia Ambiental Judicial — Assistência Técnica Ambiental — Geoprocessamento — Cadastro Ambiental Rural (CAR) — e mestrando no PROFGEO UERJ.

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