Opinião

STJ ignora jurisprudência sobre exportação de serviços para fins de imunidade do ISS

Autor

  • Marcelo Jose Luz de Macedo

    é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf. Vice-presidente da 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara. Especialista em Direito Tributário pelo Ibet-SP mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e doutorando em Direito Tributário na USP.

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30 de agosto de 2023, 6h33

No último dia 24 de agosto esta ConJur publicou notícia sobre o julgamento pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) do Recurso Especial (REsp) nº 2.075.903/SP [1], cuja conclusão foi pela não configuração da exportação de serviços, para fins de imunidade do ISS (Imposto Sobre Serviços), a prestação de um serviço executado integralmente no Brasil, ainda que contratado por pessoa jurídica estrangeira.

Tal assertiva, contudo, não leva em consideração um fator de suma relevância quando se está diante de uma discussão envolvendo exportação de serviços, qual seja, a compreensão do vocábulo resultado. Ao que nos parece, isso não passou despercebido pelo STJ, o qual, todavia, para se chegar a sua conclusão, partiu de uma premissa há tempos superada, como se demonstrará a seguir.

No caso, uma pessoa jurídica brasileira foi contratada por uma pessoa jurídica estrangeira para realizar um serviço de exame, pesquisa, coleta, compilação e fornecimento de dados e informações de produtos farmacêuticos, com a importantíssima ressalva de que todo o resultado da pesquisa (dados e informações coletadas) foi remetido ao exterior para ser utilizado pelo contratante no processo de desenvolvimento de novos medicamentos.

Segundo consta da notícia desta ConJur, o ministro Francisco Falcão deu provimento ao recurso do município para autorizar a cobrança do ISS. Para ele, não há exportação porque os resultados são totalmente verificados no Brasil. Isso é exatamente o que configura a conclusão do serviço de produção dos dados encomendados.

E nas palavras do próprio ministro relator, ora, o tomador de serviços foi contratado para a realização de serviços específicos conforme acima enumerado, e o resultado dos serviços que foram integralmente desenvolvidos no Brasil se relaciona ao próprio serviço, não havendo se falar em complementação no exterior dos serviços contratado.

Pois bem, como muito bem pontuado pela notícia publicada, a dúvida é se o envio desses dados configura a exportação do serviço, o que pressupõe impreterivelmente a compreensão adequada do vocábulo resultado e o alcance de seu conteúdo.

Isto porque a nossa legislação não estabeleceu um conceito de exportação de serviço.

Perceba, a Constituição Federal estipula em seu artigo 156, §3º, II, que cabe à lei complementar excluir da incidência do ISS as exportações de serviços para o exterior, o que atualmente encontra-se regulamentado por meio da Lei Complementar nº 116/2003, cujo artigo 2º, I, determina que o imposto não incide sobre as exportações de serviços para o exterior do País. Já o parágrafo único desse mesmo dispositivo adverte que não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.

A grande questão, portanto, nos remete à compreensão do vocábulo resultado, pois, caso o resultado se verifique no país, não haverá exportação de serviços e o ISS será devido. Por outro lado, verificando-se apenas no exterior, não haverá que se falar na exigência do imposto. E isto, ressalte-se, independente de o pagamento ser realizado no país ou no exterior.

Acerca do tema, duas correntes ou teorias foram concebidas pelo STJ no decorrer do tempo. A primeira foi a teoria do resultado-conclusão, consagrada no REsp nº 831.124/RJ [2], da lavra do ministro José Delgado, julgado em sessão de 15/08/2006. Já a segunda foi a teoria do resultado-fruição ou resultado-utilidade, consubstanciada no julgamento do AREsp nº 587.403/RS [3], sob relatoria do ministro Gurgel de Faria, em 18/10/2016.

Segundo a teoria do resultado-conclusão, o resultado do serviço encontra-se vinculado a sua própria conclusão. Veja-se nesse sentido o seguinte trecho do voto do relator ministro José Delgado, nos autos do Resp nº 831.124/RJ:

"No caso examinado, verifica-se que a recorrente é contratada por empresas do exterior e recebe motores e turbinas para reparos, retífica e revisão. Inicia, desenvolve e conclui a prestação de todo o serviço para o qual é contratada dentro do território nacional, exatamente em Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, e somente depois de testados, envia-os de volta aos clientes, que procedem à instalação nas aeronaves."

Importante observar que a empresa não é contratada para instalar os motores e turbinas após o conserto, hipótese em que o serviço se verificaria no exterior, mas, tão-somente, conforme já posto, é contratada para prestar o serviço de reparos, retífica ou revisão.

Portanto, o trabalho desenvolvido não configura exportação de serviço, pois o objetivo da contratação, ou seja, o seu resultado, que é o efetivo conserto do equipamento, é totalmente concluído no território brasileiro.

Observe-se que, pela teoria do resultado-conclusão, pouco importa que o resultado do serviço somente será fruído no exterior, onde — no caso concreto — se encontravam as aeronaves para as quais as turbinas foram revisadas e reparadas, tendo em vista que todo o serviço de revisão e manutenção foi iniciado e concluído em território nacional. Como se nota, pela teoria do resultado-conclusão, importa ao caso apenas o local no qual o serviço é realizado e concluído.

Já pela teoria do resultado-fruição ou resultado-utilidade, como o próprio nome sugere, deve-se levar em conta o local no qual o serviço é fruído ou utilizado, quer dizer, onde serão obtidos os benefícios da sua prestação, de modo que também se mostra relevante ao caso a intenção do contratante estrangeiro.

Conforme consignado pelo ministro relator Gurgel de Faria, no julgamento do AResp nº 587.403/RS, ainda que o serviço contratado seja integralmente prestado em território brasileiro, estará configurada a sua exportação sempre que a sua utilização somente possa ocorrer no exterior pelo contratante estrangeiro, de modo que a real intenção do prestador se encontraria necessariamente voltada para a sua exportação. Vejamos então o seguinte trecho da ementa do julgado:

"3. À luz do parágrafo único do artigo 2º da LC nº 116/2003, a remessa de projetos de engenharia ao exterior poderá configurar exportação quando se puder extrair do seu teor, bem como dos termos do ato negocial, puder-se extrair a intenção de sua execução no território estrangeiro.
4. Hipótese em que se deve manter o acórdão a quo, porquanto o Tribunal consignou que as provas dos autos revelaram a finalidade de execução do projeto em obras que só poderiam ser executadas na França ('elaboração das Plantas de execução do muro cilíndrico de proteção do reservatório de gás liquefeito de petróleo naval TK1, a ser construído na cidade de Gonfreville – LOrcert, França e ao dimensionamento dos blocos de estacas do edifício principal do centro cultural, Centre Pompidou a ser construído na cidade de Metz, França e a modelagem em elementos finitos da fachada principal de dito centro')."

Como se vê, para a aludida teoria, pouco importa onde o serviço é desenvolvido e concluído, devendo-se considerar onde ele será utilizado ou usufruído, ou seja, onde efetivamente se verifica o seu resultado.

Assim como no julgamento do AREsp nº 587.403/RS, em 18/10/2016, o STJ também aplicou a teoria do resultado-fruição nos julgamentos do 1) AREsp nº 1.446.639/SP, relator ministro Mauro Campbell Marques, em 19/09/2019; do 2) REsp nº 1.805.226/SP, relator ministro Sergio Kukina, em 09/11/2021; e do 3) AgInt no AREsp nº 2.174.450/RS, relator ministro Humberto Martins, em 16/03/2023.

Segundo se observa da ementa do AREsp nº 1.446.639/SP, para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter consequências ou produzir efeitos.

Já o REsp nº 1.805.226/SP e o AgInt no AREsp nº 2.174.450/RS dizem respeito a serviços prestados em embarcações de bandeira estrangeira [4], paro os quais o STJ entendeu, com base na teoria do resultado-fruição, que o ISS seria devido, pois os serviços somente teriam utilidade no território nacional, já que as embarcações realizariam aqui as suas atividades. Conforme consta voto do ministro Sergio Kukina, a determinação do local do resultado do serviço demanda investigar-se onde o serviço foi consumido. E naquele caso concreto, nas palavras do relator, a feitura de reparos e a manutenção dos navios se mostram úteis desde logo para os tomadores/contratantes do serviço, que deles passam a usufruir ainda em águas nacionais.

Perceba-se, portanto, que pelo menos desde 2016, o STJ vem entendendo pela aplicação da teoria do resultado-fruição ou resultado-utilidade, a partir da qual o conceito do vocábulo resultado deve ser compreendido sob o prisma do benefício obtido com o serviço prestado, pois todo serviço é contratado tendo em vista o interesse no seu resultado, quer dizer, no aproveitamento de um benefício.

Já no recente julgamento do REsp nº 2.075.903/SP, o STJ deixou de aplicar a imunidade do ISS com base na ideia superada de que o resultado do serviço se confunde com o local de sua conclusão, a qual já não era aplicada pelo menos desde 2016.

É interessante mencionar ainda que o voto recém preferido utiliza como fundamento as ementas do AgInt no AREsp nº 2.174.450/RS, julgado em 13/03/2023, e que adota a teoria do resultado-fruição, e do REsp n. 831.124/R, julgado em 15/08/2006, e que adota a teoria do resultado-conclusão. Destaque-se, todavia, que tais precedentes são antagônicos e, portanto, inaplicáveis conjuntamente. Enquanto que no primeiro importa onde o serviço é fruído, o segundo leva em consideração o local em que o serviço é concluído.

Consoante também se verifica do voto do relator no REsp nº 2.075.903/SP, embora se concorde que o resultado desses serviços [exame, pesquisa, coleta, compilação e fornecimento de dados e informações de produtos farmacêuticos, medicamentos e relacionados à saúde  explicamos] é enviado para o exterior para que as empresa estrangeira, utilizando tais dados, deem prosseguimento ao desenvolvimento clínico dos medicamentos, a conclusão é no sentido de que o resultado dos serviços que foram integralmente desenvolvidos no Brasil se relaciona ao próprio serviço, não havendo se falar em complementação no exterior dos serviços contratados.

O relator ainda consigna expressamente que a fruição dos serviços é uma etapa que não diz respeito aos serviços realizados no país, mas à empresa estrangeira que, utilizando os serviços contratados, vai desenvolver o estudo clínico dos medicamentos.

Todavia, analisando-se a jurisprudência pacífica do STJ, pela aplicação da teoria do resultado-fruição, consubstancia no AREsp nº 587.403/RS, ministro relator Gurgel de Faria, e replicada no AREsp nº 1.446.639, relator ministro Mauro Campbell Marques, no REsp nº 1.805.226/SP, relator ministro Sergio Kukina, e no AgInt no AREsp nº 2.174.450/RS, relator ministro Humberto Martins, tem-se que, ainda que o serviço contratado seja integralmente prestado em território brasileiro, estará configurada a sua exportação sempre que a sua utilização somente possa ocorrer no exterior pelo contratante estrangeiro.

Em vista de tais razões, considerando-se o caso concreto objeto do REsp nº 2.075.903/SP, pela análise dos fatos constantes do relatório e voto, acatado à unanimidade pela 2ª Turma da 1ª Seção, o que nos parece é que os resultados obtidos com as pesquisas clínicas desenvolvidas no país somente seriam utilizados no exterior pelo contratante estrangeiro.

A pessoa jurídica nacional prestadora do serviço sequer possuía direitos de propriedade sobre as informações coletadas, as quais somente poderiam ser utilizadas pelo contratante estrangeiro no processo de desenvolvimento de novos medicamentos, o que também se daria no exterior. Ou seja, os dados coletados em território nacional não possuíam qualquer utilidade para o prestador do serviço e nada representariam para o Brasil.

Entender em sentido contrário é dificultar e desprivilegiar a contratação, tanto de pessoas físicas, como de pessoas jurídicas, para a prestação de serviços para o exterior, os quais não surtirão qualquer efeito ou terão qualquer utilidade dentro do território brasileiro.  Além de ser um desincentivo à ciência, tal interpretação prejudica a geração de empregos, a entrada de divisas no país e o desenvolvimento do próprio mercado nacional.

 


[1] TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISSQN. SERVIÇOS DE EXAME, PESQUISA, COLETA, COMPILAÇÃO E FORNECIMENTO DE DADOS E INFORMAÇÕES DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS, MEDICAMENTOS E RELACIONADOS À SAÚDE E CORRELATOS. CONTRATAÇÃO POR EMPRESA DO EXTERIOR. EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. SERVIÇO EXECUTADO DENTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL. APLICAÇÃO DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LC N. 116/03. […] (REsp nº 2.075.903/SP, relator ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 15/8/2023).

[2] TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISSQN. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. SERVIÇO DE RETÍFICA, REPARO E REVISÃO DE MOTORES E DE TURBINAS DE AERONAVES CONTRATADO POR EMPRESA DO EXTERIOR. EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. SERVIÇO EXECUTADO DENTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL. APLICAÇÃO DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº LC 116/03. OFENSA AO ART. 535 DO CPC REPELIDA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS LEGAIS. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. […] (REsp nº 831.124/RJ, relator ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 15/8/2006, DJ de 25/9/2006, p. 239).

[3] TRIBUTÁRIO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN. EXPORTAÇÃO DE PROJETOS DE ENGENHARIA. NÃO INCIDÊNCIA. […] (AREsp nº 587.403/RS, relator ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 18/10/2016, DJe de 24/11/2016).

[4] No primeiro de revisão e reparação e no segundo de fornecimento de combustível.

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