'É a economia, estúpido!'

'Redução do spread é demanda social', diz diretor do FGC sobre reforma tributária

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30 de agosto de 2023, 8h47

Há poucas instituições no país que gozam de tanta capilaridade em seu setor quanto o Fundo Garantidor de Crédito — entidade privada, sem fins lucrativos, que atua como uma espécie de grande protetor dos depositantes e investidores no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.

Hoje, são 242 instituições financeiras associadas que registram mais de 490 milhões de contas (se uma pessoa tem mais de uma conta corrente ou investimentos, ela é contada mais de uma vez) — sendo que 99,69% delas têm cobertura total do Fundo. 

Spacca
Daniel Lima, diretor-executivo do Fundo Garantidor de Crédito 

O robusto patrimônio de mais de R$ 107 bilhões não preserva a instituição de agruras e percalços, especialmente quando se trata de garantias contratuais e execuções, pautas caras ao Judiciário brasileiro. Até por isso o diretor-executivo do Fundo, o economista Daniel Lima, cita o chamado Marco das Garantias, em discussão no Senado, como uma das normas monitoradas de perto pela equipe do FGC. 

O novo ordenamento pode "melhorar a recuperabilidade em processos de liquidação, em processos de falência, porque se recupera mais, conseguimos cobrar uma contribuição menor pro fundo, e isso tem impacto no spread de crédito", diz Lima em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.

Em relação à reforma tributária, aprovada na Câmara dos Deputados e tramitando no Senado, o economista diz que enxerga saldo positivo, mas nota incertezas sobre sua implementação, em especial sobre como ficará o spread de crédito nos bancos.  

"É uma demanda social, a redução do spread de crédito, o spread do Brasil é alto. Então isso vai bater em recuperação de garantias, vai bater em tributação, vai bater em taxa básica de juros, vai bater em lucro das instituições financeiras", diz. 

Outro ponto debatido dentro do FGC é o plano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de suprimir os juros rotativos do cartão de crédito, que hoje ultrapassam os 400% ao ano e engrossam o caldo de inadimplência das famílias brasileiras. 

"Monitoramos [a questão dos juros rotativos] sob a ótica do risco das associadas. Será que isso pode causar o comprometimento do modelo de negócio? A impressão é que a discussão está sendo tão aberta que ninguém vai poder dizer que foi pego de surpresa", sentencia.

Não são poucos os trâmites judiciais que envolvem o Fundo, especialmente no contexto das execuções de dívida. Em julho, por exemplo, o FGC conseguiu reformar um acórdão do TJ-SP para, no STJ, garantir que um credor tem opção de requerer a execução integral do valor, desde que o título que dá lastro tenha liquidez (REsp 1.978.188).

Hoje, o patrimônio da entidade é constituído a partir de depósitos mensais das instituições financeiras que correspondem a 0,01%  dos valores transacionados nos produtos que possuem sua cobertura, ou seja, contas de pessoa física ou jurídica (uma por CPF ou CNPJ) com até R$ 250 mil. 

"O nosso patrimônio era perto de R$ 60, R$ 65 bilhões, cresceu, e já supera os R$ 100 bilhões de reais. Então, na mesma toada dessa dinâmica do setor, o FGC também percebeu que tinha que acelerar o desenvolvimento para atender de forma adequada a sociedade, para fazer frente aos novos desafios."

Leia a entrevista:

ConJurNa atual conjuntura política e econômica, quais pautas estão na prioridade do FGC?
Daniel Lima — O sistema ganhou muito impulso a partir de 2013, com o Banco Central fazendo uma agenda mais pró-competição. Isso permitiu o surgimento e o crescimento das plataformas de distribuição de produtos cobertos pelo FGC, o que ajudou bancos pequenos e médios a captarem recursos mais facilmente do que no passado, e com isso eles começaram a crescer. No período da pandemia, isso ganha uma tração incrível. Teve muito dinheiro que saiu de produtos de risco, fundos de ação, fundos multimercados, fundos imobiliários, porque ali no começo da pandemia esses fundos sofreram muito, com rentabilidade negativa, e as pessoas correram para aquilo que elas conhecem e confiam, que são os produtos de bancos. As pessoas buscaram bancos menores para conseguir níveis de rentabilidade um pouco melhores. Esse mercado fora dos grandes bancos triplicou de tamanho. O nosso patrimônio era perto de R$ 60, R$ 65 bilhões, cresceu, e já supera R$ 100 bilhões de reais. Então, na mesma toada dessa dinâmica do setor, o FGC também percebeu que tinha que acelerar o desenvolvimento para atender de forma adequada a sociedade, para fazer frente aos novos desafios.

ConJur — Qual a principal atuação do Fundo hoje?
Daniel Lima — O FGC é mais conhecido por pagar garantia. E como isso funciona? O Banco Central decreta a liquidação de uma instituição financeira associada ao FGC, um banco ou uma financeira, e a partir dali o BC nomeia o liquidante para essa instituição financeira. Esse liquidante é responsável por compilar uma lista de credores e ele passa essa lista de credores pro FGC. Em geral, demora mais ou menos um mês para o liquidante compilar uma lista de credores e demoramos mais ou menos dois dias pra começar a pagar.

Além deste papel, existe um outro que é de tentar evitar que o banco quebre, por exemplo quando a tesouraria do banco faz alguma barbeiragem ou acontece alguma coisa fora do controle e há um problema de liquidez. Se deixamos o banco quebrar e vai tentar reaver os recursos na falência, em geral isso destrói muito valor. Se destrói valor para o FGC, acaba destruindo valor pra sociedade. Significa que vai ter de se cobrar mais contribuição, ou que o spread de crédito, por exemplo, vai acabar sendo maior.

ConJurE qual a avaliação da atuação do Banco Central nesses primeiros seis meses de governo? Tendo em vista a recente aprovação da autonomia do BC e sua composição que, agora, atravessa mandatos distintos de presidentes da República.
Daniel Lima — Eu não conectaria a questão de governo ou a questão de composição da diretoria. A nossa conversa com o Banco Central foi construída há muitos anos e continua sendo alimentada, é uma conversa muito técnica. Então ela não entra muito nesses meandros políticos. Temos um interesse em comum com o Banco Central, que é a estabilidade do sistema financeiro. Nós não sofremos do tipo de controvérsia como o que ocorre com a política monetária. A nossa agenda é muito focada em monitoramento de risco, crescimento do setor, desenvolvimento, agentes mais frágeis, compartilhamento de informação… Então isso é uma agenda que, ainda bem, não sofre nenhum desses desses impactos.

ConJurA despeito de vocês trabalharem mais com bancos menores, houve algum impacto do 'caso Americanas' no FGC?
Daniel Lima — Chegou, acho que pra todo mundo, como uma grande surpresa, mas em termos de estabilidade financeira não tem tanto impacto assim. O fenômeno das Americanas está mais restrito aos bancos maiores, que são super sólidos, muito bem capitalizados e com bom histórico de lucratividade. Os bancos que são identificados nas nossas metodologiascomo mais frágeis estavam longe de uma questão de Lojas Americanas. Não é o tipo de negócio que esses bancos fazem. É com bastante alívio que constatamos que a nossa cobertura aqui não foi impactada por Lojas Americanas, mas, de novo, eventos de risco são importantes para as pessoas entenderem e apreciarem a atividade de gestão e monitoramento de riscos. Em tempos de muita bonança, os agentes de mercado costumam se esquecer da atividade de pesquisa, de crítica, e esses eventos de risco nos lembram que a não se pode ignorar as coisas que não conhecemos e que podem trazer essas circunstâncias mais caudais.

ConJurPensando em Brasília, no Legislativo, há alguma alguma pauta específica que vocês estão monitorando? O que está no radar do FGC?
Daniel Lima — Uma pauta mais recente que muito nos interessa é o avanço no Marco de Garantias, melhorar a recuperabilidade em processos de liquidação, em processos de falência, porque se recuperamos mais, podemos conseguir cobrar uma contribuição menor pro fundo, e isso tem impacto no spread de crédito. Outra pauta que está em discussão agora é o impacto da reforma tributária sobre o próprio spread de crédito. Isso me parece que não está muito claro, as pessoas ainda não sabem qual é o efeito líquido tributário sobre o spread de crédito. Acho que essa é uma discussão que precisa amadurecer. Tem também uma pauta muito técnica e muito específica ao nosso negócio que é o PL 281, que fala sobre o novo regime de resolução bancária. Esse é um projeto de lei que foi enviado para o Congresso em 2019 e acabou não tramitando. Ele se ancora nas melhores práticas internacionais lançadas pelo FSD, que é o Financial Stability Board, que nasceu em 2014 de um acordo do G20 e foi uma resposta à crise de 2008. Ele tem partes superimportantes, mas de difícil discussão, que é o papel dos recursos do Tesouro em processos de salvamento de bancos, aquela história do Too Big to Fail. Então [ele visa] aumentar a segurança jurídica desses agentes e também dos fundos garantidores.

ConJurUma das instituições associadas ao FGC é a Caixa Econômica Federal e ela teve, no ano passado, uma política econômica de intensificação de gastos com fins eleitorais, com auxílio emergencial e um empréstimo consignado associado a esse auxílio. Essa política da Caixa em algum momento respingou no FGC?
Daniel Lima — Os bancos que chamamos de "S1" do segmento do Banco Central são muito sólidos. Esses bancos grandes estão muito bem capitalizados e você acaba vendo no final do dia que o cara fez um pouco menos de lucro. Então não teve prejuízo. E prezamos muito pelos nossos associados e torcemos por todo mundo, não queremos ver ninguém quebrando. No final do dia, o dinheiro vai sair daqui, né?

ConJurO FGC tem monitorado a discussão em torno dos juros rotativos?
Daniel Lima — Monitoramos sob a ótica do risco das associadas. Será que isso pode causar o comprometimento do modelo de negócio? E a impressão é que a discussão está sendo tão aberta, que ninguém vai poder dizer que foi pego de surpresa. Então você tem essas associadas se preparando para os diversos cenários, argumentando e tentando, pela via das associações, colocar os seus pontos, mas não há nada muito sensível em relação a isso provocar a quebra de banco, que é o que, no final do dia, é o que mais nos preocupa. Mas, obviamente, vai ter uma reacomodação do setor. É importante não pegar na indústria de surpresa. São discussões extremamente complexas e você precisa ouvir os outros lados da mesa. Eu acho que isso está sendo feito.

ConJurEm relação à reforma tributária, o balanço que é feito sobre o texto aprovado na Câmara é positivo ou negativo?
Daniel Lima — A impressão é que o saldo é positivo, mas ainda tem uma boa dose de incertezas sobre como isso vai ser implementado. O que é ruim. Porque não sabemos como essas certezas serão resolvidas. Como eu coloquei aqui anteriormente, eu não sei o saldo no spread de crédito. É uma demanda social, a redução do spread de crédito, o spread do Brasil é alto. Então isso vai bater em recuperação de garantias, vai bater em tributação, vai bater em taxa básica de juros, vai bater em lucro das instituições financeiras. É um tema super complexo de vários fatores e que ainda não está muito claro como que esse fator específico da tributação vai refletir no spread.

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