Opinião

Data-base na soma de penas: quando um acusado responde em liberdade

Autor

  • Diego de Azevedo Simão

    é autor do livro "Lei de Execução Penal comentada e anotada" publicado pela editora D'Plácido. Defensor público em Rondônia. Mestre em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça pela Unir. Especialista em direito processual penal. Especialista em Direitos Humanos. Especialista em Direito de Execução Penal. Membro do Ibep (Instituto Brasileiro de Execução Penal). Membro do IDPR (Instituto de Direito Processual de Rondônia). Membro do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

30 de agosto de 2023, 12h20

O tema da data-base na execução penal em caso de soma e unificação de pena no curso do processo executório foi pacificado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), que ao decidir o Tema Repetitivo 1.006 fixou a seguinte tese: "A unificação de penas não enseja a alteração da data-base para a concessão de novos benefícios executórios".

Tal entendimento levou em consideração a compreensão de que o artigo 111 da Lei nº 7.210/1984 (LEP), ao disciplinar a soma e unificação de penas, não traz previsão legal autorizando a interrupção da data-base.

Questão interessante diz respeito à situação em que a pessoa está presa cumprindo pena e responde a processo criminal em liberdade pela prática de outro crime. Sobrevindo a condenação pelo novo crime, a prisão pela nova condenação e a soma de penas poderia resultar na alteração da data-base?

A resposta a esse questionamento deve ser negativa, ou seja, não há razão para que nos casos de soma de pena oriunda de processo crime em que a pessoa respondeu em liberdade a tese fixada pelo STJ no Tema Repetitivo 1.006 seja afastada.

Para elucidar o tema, trago exemplos que podem ocorrer no dia a dia da execução penal, todos de casos em que a pena somada resulta de condenação transitada em julgado em processo criminal em que a pessoa respondeu em liberdade (réu solto) enquanto cumpria pena privativa de liberdade por outro crime (ou seja, já possuindo processo de execução penal).

O primeiro exemplo é o caso de crime praticado antes no início da execução penal, mas julgado após a instauração de execução penal por crime diverso. Aqui a pessoa está presa, com execução penal em curso, e é procedida a soma de nova pena por crime praticado antes do início da execução penal que já está em curso. Nesse caso, a nova pena (imposta por fato anterior e em que a pessoa respondeu o processo em liberdade) deve ser somada à pena em execução sem a alteração da data-base. Não existe, nesse caso, nenhuma causa legal para interrupção da data-base. Existe, porém, a possibilidade de regressão de regime, nos termos do parágrafo único do artigo 111 e artigo 118, II, da LEP.

O segundo exemplo diz respeito à prática de crime no curso da execução penal. Nesse caso, duas questões são de extrema relevância:

  • 1] a primeira questão é que, a soma de penas, por si só, não pode alterar a data-base. Esse é o raciocínio firmado pelo STJ no Tema Repetitivo 1006 e decorrência lógica do artigo 111 da LEP, que não prevê a possibilidade legal de interrupção da data-base.
  • 2] A segunda questão se relaciona a eventual reconhecimento de falta disciplinar de natureza grave, em razão da prática de crime no curso da execução penal, conforme previsão do art. 52, da LEP. Nesse caso, embora a soma das penas não autorize, por si só, a interrupção da data-base, o reconhecimento judicial da falta grave irá resultar na interrupção da data-base nos termos do artigo 112, § 6º, da LEP (Súmula n. 534 do STJ[1]) e poderá também acarretar a regressão de regime conforme disciplina o artigo 118, I, da LEP. Portanto, é o ato de indisciplina judicialmente reconhecido (falta grave) que irá autorizar a interrupção da data-base.

Dessa maneira, é preciso ter em conta que a soma de penas disciplinada no artigo 111 da LEP, por si só, não acarreta em interrupção da data-base.

Entretanto, nos casos de soma de pena por crime cometido no curso da execução penal haverá a interrupção da data-base apenas quando também reconhecida pelo juízo da execução penal a prática de falta disciplinar de natureza grave (artigo 52 c/c artigo 112, § 6º, da LEP). Isso tanto é verdade que mesmo em caso de soma de pena pela prática de crime no curso da execução penal não poderá ocorrer, como efeito automático da nova condenação, a interrupção da data-base caso o fato (crime durante a execução penal) não tenha sido reconhecido com falta grave no processo de execução da pena.

A propósito, a 6ª Turma do STJ decidiu no HC 629.810/SP, de relatoria do ministro Rogério Schietti Cruz, que mesmo diante da prática de novo crime no curso da execução penal, em não havendo formal reconhecimento de falta grave "não se pode sujeitar o paciente à penalidade de interrupção da data-base para progressão de regime". [2]

De acordo com o julgado, “[…], deve ser afastada a interrupção dos cálculos penais, porquanto: a) não existiu decisão reconhecendo a falta grave e b) consoante tese jurídica fixada pela Terceira Seção, em recurso especial repetitivo (Tema nº 1006): "a unificação de penas não enseja a alteração da data-base para concessão de novos benefícios executórios" (ProAfR no REsp 1753512/PR, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 11/3/2019), devendo, em consequência, ser respeitado o marco anterior".

Dessa maneira, é necessário compreender que a regressão de regime em decorrência da soma de penas não pode ser confundida com a regressão de regime motivada pela prática de falta grave, muito embora na hipótese de soma de penas por crime praticado no curso da execução penal ambas as situações estejam presentes.

Portanto, o fato de responder o processo-crime preso ou em liberdade, ou da soma de penas acarretar ou não a regressão de regime prisional, o artigo 111 da LEP não autoriza, por si só, a interrupção da data-base para cálculo de direitos de execução penal. A data-base será interrompida apenas quando se tratar de crime praticado no curso da execução penal e desde que o fato seja formalmente reconhecido judicialmente como falta disciplinar de natureza grave, incidindo, assim, a regra sancionatória do artigo 112, parágrafo 6º da LEP.

 


[1] "A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime de cumprimento de pena, o qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração"

 

[2] HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. INTERRUPÇÃO DO CÁLCULO DE PROGRESSÃO DE REGIME. PRÁTICA DE NOVO CRIME. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE RECONHECIMENTO DA FALTA GRAVE PELO JUIZ DA VEC. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, EM MENOR EXTENSÃO.1. A "unificação de penas não enseja a alteração da data-base para concessão de novos benefícios executórios" (ProAfR no REsp n. 1.753.512/PR, Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 11/3/2019). 2. Todavia, se comprovado que o reeducando cometeu falta grave, a contagem do prazo para a progressão de regime se reinicia a partir da data da infração (Súmula n. 534 do STJ). 3. A prática de fato definido como crime doloso constitui a falta disciplinar prevista no art. 52 da LEP, independente do trânsito em julgado de sentença condenatória (Súmula n. 526 do STJ), desde que sua apuração ocorra com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, em procedimento administrativo disciplinar específico (PAD) ou em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público (Tema n. 941 de repercussão geral). 4. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao fixar o Tema n. 758, com repercussão geral, definiu a tese jurídica de que a instrução para o reconhecimento do ato de indisciplina em apreço pode ser suprida por sentença que verse sobre a materialidade, a autoria e as circunstâncias do delito correspondente à falta. No julgamento do RE n. 776.823/RS consignou-se que o aproveitamento da condenação criminal não torna dispensável a prévia oitiva da defesa técnica do apenado para a declaração de consequências no âmbito da execução penal. 5. No caso sob exame, não houve formal reconhecimento de falta disciplinar pelo Juízo das Execuções e, por isso, não se pode sujeitar o paciente à penalidade de interrupção da data-base para progressão de regime. 6. Habeas corpus concedido, em menor extensão, nos termos do voto. (HC n. 629.810/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 29/3/2022, DJe de 7/4/2022.)

Autores

  • é defensor público no estado de Rondônia, mestrando em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça pela Unir, especialista em Direito Processual Penal, especialista em Direitos Humanos, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (Ibep), membro do Instituto de Direito Processual de Rondônia (IDPR) e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

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