Opinião

Trade dress e caso Britânia vs. Mondial: existe proteção para cópia de embalagem?

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  • Miriam Olivia Knopik Ferraz

    é advogada doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) com dupla titulação em Dottorato di Ricerca na Universidade de Roma Sapienza - La Sapienza membro da Delegação Brasileira da Sociedade Internacional de Direito do Trabalho e Seguridade Social e sócia fundadora do Knopik & Bertoncini Sociedade de Advogados.

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25 de agosto de 2023, 19h13

O termo "trade dress", que se refere à aparência global e ao conjunto de elementos visuais de um produto ou serviço, conferindo-lhe identidade e reconhecimento no mercado, é relevante também no contexto jurídico brasileiro. Ainda que não haja uma legislação específica dedicada ao "trade dress" no Brasil, ele é amparado por princípios do Direito da Propriedade Industrial, regras de concorrência desleal e leis voltadas ao consumidor.

No Brasil, a proteção ao "trade dress" tem sua base principal no artigo 195 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96), que trata da repressão à concorrência desleal. Conforme esse artigo, a concorrência desleal envolve a imitação ou reprodução de elementos distintivos de um concorrente, capazes de gerar confusão entre os produtos ou serviços. Assim, é possível salvaguardar o "trade dress", desde que se demonstre a possibilidade de confusão por parte dos consumidores.

No âmbito do Direito da Propriedade Industrial, a proteção ao "trade dress" pode ser buscada por meio do registro de marcas tridimensionais ou mistas, que englobam características visuais específicas da embalagem ou do produto. Contudo, a obtenção do registro para o "trade dress" pode ser mais complexa do que para uma marca convencional, já que é necessário comprovar a distintividade e a capacidade de identificação pelo público consumidor.

Disputas podem surgir no cenário judicial ao se avaliar a proteção ao "trade dress". A análise da possibilidade de confusão entre os elementos visuais de produtos ou serviços pode ser subjetiva e variar de caso para caso. Adicionalmente, a definição do que constitui um "trade dress" distintivo pode gerar controvérsias.

Nos tribunais brasileiros, é possível observar situações em que a proteção foi concedida, reconhecendo sua importância para a identificação e diferenciação de produtos e serviços. No entanto, também ocorrem casos em que a proteção não é admitida, frequentemente devido à ausência de elementos distintivos suficientes ou à conclusão de que a imitação não implica um risco relevante de confusão.

Em resumo, a proteção no Brasil repousa principalmente em princípios de concorrência desleal e propriedade industrial, com a Lei de Propriedade Industrial sendo um alicerce central. Embora existam precedentes judiciais favoráveis à proteção do "trade dress", divergências sobre a amplitude e os critérios de proteção persistem, tornando esse um tema complexo e em constante evolução no ambiente jurídico brasileiro.

Britânia vs. Mondial
A empresa Britânia moveu uma ação denominada "Ação de Abstenção de Uso com Pedido de Indenização por Violação de Direito Autoral" contra a Mondial. A alegação central era que a Britânia detinha os direitos autorais de suas embalagens, caracterizadas por um fundo azulado. Isso foi respaldado pelo Registro Autoral na Escola de Belas Artes da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a entidade responsável pelo registro de obras autorais visuais no Brasil.

Apesar dos desenvolvimentos específicos dessa ação, o foco recai sobre o uso da embalagem azul e a possibilidade de exclusividade. A argumentação central da Britânia é que ela possuía os direitos autorais da configuração da embalagem, incluindo cores, disposição de textos e imagens, o que conferiria direitos patrimoniais. A questão central é se o consumidor poderia se confundir ao adquirir o produto devido à semelhança das embalagens.

A Britânia solicitou a cessação do uso dessa embalagem pela Mondial e uma indenização correspondente. Por sua vez, a Mondial apresentou diversos argumentos ao longo do processo destacando que não houve reprodução direta das embalagens e que os consumidores não seriam levados à confusão e que o "suposto" plágio ocorre apenas quando há uma reprodução idêntica e fiel, o que não seria o caso.

No decorrer do processo, uma perícia técnica foi conduzida para analisar esse ponto, concluindo que houve uma reprodução parcial da obra registrada, caracterizando concorrência desleal.

Essa questão chegou, por meio de recursos, ao Tribunal de Justiça do Paraná e foi decidido no voto do relator Luiz Henrique Miranda, dentre outros pontos:

 Imitação parcial da obra, englobando não apenas a cor azul, mas também o fundo e outros elementos;

 Identidade nos setores de atividade e, por consequência, nos produtos envolvidos;

 Possibilidade de erro ou confusão por parte dos consumidores, devido a ambos os fatores.

O relator enfatizou a importância de avaliar o contexto como um todo, indo além da análise apenas da cor azul. Ele ilustrou isso ao mencionar que, seguindo a mesma lógica: "Não fosse assim, até a Mãe Natureza poderia ser acusada de plágio da obra: 'imagem azul' nos dias de céu azul anil manchado por rastros difusos de nuvens brancas".

O relator reconheceu, assim, a prática ilícita por meio da violação dos direitos autorais e a realização de atos de concorrência desleal. Enquanto a decisão de primeira instância determinou uma indenização por danos morais de R$ 80 mil, o valor foi reduzido para R$ 20 mil no Tribunal de Justiça.

Esse caso é notavelmente intrigante no campo da propriedade intelectual, uma vez que explora o instituto do "trade dress", que, apesar de não ser regulamentado de forma direta, obteve uma maior proteção por meio de estratégias jurídicas, como o registro da obra e a interpretação das leis vigentes.

Processo nº 0029170-71.2015.8.16.0001

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  • é advogada, doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) com dupla titulação em Dottorato di Ricerca na Universidade de Roma Sapienza - La Sapienza, membro da Delegação Brasileira da Sociedade Internacional de Direito do Trabalho e Seguridade Social e sócia fundadora do Knopik & Bertoncini Sociedade de Advogados.

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