Opinião

Não estamos fazendo a coisa certa. Por que não mudar?

Autor

22 de agosto de 2023, 18h28

“Justiça, para mim, é para solucionar problemas, não para criá-los”
Lenio Streck

Correm pelos juizados especiais (federais e estaduais) dezenas de milhares de ações pedindo indenização por vícios construtivos em moradias populares financiadas pela Caixa Econômica Federal para famílias de baixa renda. Quantidade menor desta mesma espécie de ação corre na jurisdição comum, em razão do valor mais elevado. Ao final do processo, em boa parte dos casos, resulta condenação de pagar valor fixado pela perícia, que tem variado entre R$ 2.000 e R$ 20.000, quantia exata e suficiente para reparar o vício construtivo reconhecido.

Entretanto, quando do cumprimento do julgado, feito por depósito em dinheiro pela CEF ou construtora, ocorre a separação dos honorários contratuais devidos ao advogado da parte autora, costumeiramente entre 20% a 30% da condenação, restando ao mutuário autor da ação entre 70% e 80% do valor fixado na perícia para reparação do vício. O Judiciário reconhece um valor certo para reparar o dano, mas o vencedor do processo recebe bem menos. Pergunta: como o mutuário vai reparar o vício construtivo se não recebeu o valor integral para isso?

As ações sobre vícios construtivos de imóveis, bem como muitas outras que correm pelos juizados especiais, são complexas, envolvem vários fatos, direito, jurisprudência e perícia, necessitando do patrocínio técnico de advogado. A lei dos juizados especiais faculta a propositura da ação sem advogado, mas isso não é motivo justo e suficiente para o vencido (sucumbente) deixar de ressarcir o vencedor das despesas que teve com seu advogado, devidamente comprovada por contrato, quando houve opção pela assessoria técnica.

O Código de Processo Civil (artigo 82) não inclui os honorários contratuais como despesa processual a ser paga pelo vencido no processo. Entretanto, não há como negar que a contratação de advogado para propor ação judicial é uma despesa necessária ao processo, devendo ser ressarcida, sob pena do vencedor receber menos que o necessário para satisfazer plenamente seu direito. O próprio Código Civil (artigos 389, 395 e 404) determina expressamente que o credor deve ser ressarcido dos honorários que pagou para receber seu direito.

O não ressarcimento dos honorários pagos pelo vencedor ao seu advogado para iniciar e movimentar o processo fere mortalmente o princípio fundamental da reparação integral, reduzindo à completa insignificância e inutilidade a expressão honorários advocatícios posta nos artigos 389, 395 e 404 do Código Civil. Essa verba ressarcitória em favor do vencedor da ação, por óbvio, não mais se confunde com os honorários de sucumbência, agora verba de natureza remuneratória, ante a transferência para o advogado, feita pelo EOAB, em 1994 (subvertendo o sentido lógico e histórico do artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973).

Uma desconformidade como essa não pode ser mantida como normalidade. O Direito é luta, precisando continuamente ser lançado, aprimorado e defendido. O que fazer, então? Parece que o caminho certo começa na petição inicial, que deve ser aparelhada com causa de pedir específica para o ressarcimento dos honorários, em tópico destacado e respectivo pedido, obrigando julgamento na sentença e possibilitando recursos até o último grau, permitindo o renascimento de uma jurisprudência efetivamente reparadora.

A Justiça não pode agasalhar essa falha lógica, desabonadora e risível. Os operadores do direito têm obrigação de encaminhar esforços para sanar esse desajuste, resgatando a dignidade do jurisdicionado obrigado a ir ao Judiciário para realizar seu direito e fazendo valer verdadeiramente o fundamental princípio do devido processo legal substancial e justo. Oportuno neste caso emblemático relembrar Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim“.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!