Opinião

Aumento de custas não restringe acesso à Justiça e torna equação mais equilibrada

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21 de agosto de 2023, 15h13

Muitos anos atrás, ao conversar com um colega a respeito do aviltamento dos honorários advocatícios que estava sendo imposto pelo mercado, ele comentou que os escritórios de advocacia, no futuro, seriam como revendedores do Grupo Volks; o cliente poderia comprar um Porsche ou um VW1600, de acordo com seu desejo; o mais importante é que o cliente ao comprar um VW1600 não achasse que teria direito a um Porsche.

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A esse respeito, fundamental o papel da OAB na defesa de honorários mínimos, da sucumbência a favor do advogado e do pagamento de valores justos para a assistência judiciária, por meio, por exemplo, do convênio com a Defensoria Pública.

Atualmente, estamos diante de um debate que, guardadas as proporções, trouxe a memória essa lição de quase uma década.

Afinal, qual o serviço Judiciário que queremos? E não vale responder um Porsche pelo preço de um VW1600. Para questões relevantes exige-se dos interlocutores seriedade na resposta.

Já restou demonstrado que não basta a melhoria da legislação, em especial a processual, para que a qualidade da prestação jurisdicional seja de qualidade desejável. Temas como redução do número de recursos, ampliação das hipóteses de precedentes vinculantes e severa penalização para envolvidos em demandas temerárias, por exemplo, são pontos que reduziriam substancialmente o número de processos, mas que sofrem forte resistência de parte da sociedade. Além disso, é notório que as reformas legislativas não caminham na velocidade que a sociedade gostaria.

Por outro lado, é incontroverso que a atividade jurisdicional exige cada vez mais recursos e investimentos em tecnologia e equipamentos, além da contratação e capacitação de pessoal.

Durante a pandemia, o Tribunal de Justiça de São Paulo foi aquele que mais rapidamente se adaptou ao sistema remoto, permitindo a continuidade da atividade jurisdicional e, consequentemente, que a advocacia de contencioso continuasse a atuar e receber seus honorários; concomitantemente, o Judiciário Bandeirante ouviu as súplicas da advocacia e buscou acelerar a expedição de guias de levantamento de honorários, demonstrando que não estamos em lados opostos e que devemos buscar soluções reais para os problemas comuns.

Além disso, o processo eletrônico é uma realidade e cada vez mais o sistema judicial deve ser modernizado para suportar o número crescente de demandas em andamento (somente no estado de São Paulo, mais de 19 milhões de processos tramitam, número que não tem nenhum paradigma em tribunais do Brasil ou de qualquer outro país).

O número crescente de processos exige a criação de novas unidades judiciais e, consequentemente, a necessidade de mais servidores e equipamentos. Somente no biênio de 2022-2023 serão instaladas 30 novas varas judiciais, admitidos uma centena de novos magistrados e 4.000 servidores.

É incontroverso que a advocacia empresarial precisa ser atendida e devem ser criadas as Varas Especializadas. Aliás, as Câmaras e Varas Especializadas de São Paulo em litígios empresariais, falências e recuperações judiciais servem de modelo para o país e atualmente recebem processos de empresas de outros estados em que as empresas elegem o Foro de São Paulo para a solução de seus litígios (em razão da celeridade, custo, mas, acima de tudo, previsibilidade e segurança jurídica).

Aliás, muitas deixaram de inserir em seus contratos cláusulas de arbitragem e num movimento de 180º têm retornado à jurisdição estatal. Nos últimos meses foram instaladas as Varas Empresariais de Campinas (4ª e 10ª RAJs) e de São José do Rio Preto (2ª, 5ª e 8ª RAJs), com a perspectiva de Ribeirão Preto (3ª e 6ª RAJs) em setembro deste ano.

Todas essas melhorias, repita-se, são uma aspiração da advocacia e da sociedade mas, evidentemente, geram a necessidade de mais investimentos, restando saber se os valores hoje arrecadados são adequados.

Como os valores hoje arrecadados não são suficientes a esse fim, fato notório, bastando ver a constante necessidade de suplementação orçamentária, a Presidência e a Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça, com o apoio dos demais órgãos diretivos, encaminhou o Projeto de Lei nº 752/2021 a Alesp e, após amplo e democrático debate, encontra-se maduro para aprovação.

Apesar da inequívoca necessidade da majoração, alguns pontos foram levantados em sentido contrário pelos setores da sociedade contrários ao projeto.

O primeiro envolve o acesso à Justiça. O aumento, segundo alguns, configuraria um óbice a proteção dos direitos.

O argumento, como todo o respeito, é uma falácia. O projeto de lei altera de algum modo a assistência judiciária e o regime de isenção de custas? Evidente que não. A gratuidade é regulada pela legislação federal e beneficia não somente as pessoas físicas, mas também as jurídicas que não tenham condições de arcar. É claro que compete ao Judiciário a análise diante do caso concreto se a parte tem ou não condições.

A grande maioria das demandas em andamento em áreas socialmente relevantes, como família, acidente do trabalho, infância e juventude e previdenciário tramitam e assim continuarão com o benefício da Justiça Gratuita.

Outro ponto que muitas vezes pode gerar alguma espécie de restrição ao projeto é a destinação dos valores em especial se poderia ser utilizado em prol dos magistrados, o que não vejo problema. Apesar disso, o artigo 2º, da Lei Estadual 8.876/94, e que não será alterado pelo projeto, é expresso no sentido de que o fundo a que se destinam as custas tem como finalidade "assegurar recursos para expansão e aperfeiçoamento da atividade jurisdicional, visando ampliar o acesso à justiça". Aliás, os valores não poderão expressamente ser destinados a aumentar os subsídios dos magistrados (basta a leitura do parágrafo 2º do mesmo artigo).

Finalmente, o terceiro ponto é se o projeto é equilibrado nos aumentos propostos, principalmente a partir da mensagem aditiva em que o Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu em alguns pontos os reclamos da sociedade. A resposta é afirmativa.

Parte das mudanças refere-se simplesmente à cobrança por serviços que não existiam ou não eram relevantes anteriormente e que outrora não foram computados na fixação das custas processuais. Basta cotejar, nesse ponto, a atual redação do artigo 2º da Lei nº 11.608/03 com a constante do projeto de lei, para concluir-se que as mudanças introduzidas são de pequena monta, não interferindo de forma significativa no custo do processo.

Pelo projeto o agravo de instrumento terá suas custas majoradas, vez que a sua interposição por óbvio aumenta a prestação de serviços judiciários. Além disso, serve de oportunidade para refletirmos novamente acerca do novo Código de Processo Civil e sua inequívoca intenção de reduzir o número de agravos de instrumento, diferindo eventual discussão para o momento do apelo ou de suas contrarrazões.

No mesmo sentido, as ordens judiciais de arrombamento e desocupação que geram custos relevantes e que, por não serem cobradas diretamente das partes, geravam um custo para toda a sociedade.

No tocante ao cumprimento de sentença, a regra atual, com o máximo respeito, é ilógica e vai em sentido contrário à economia processual. A norma dispõe que metade das custas são pagas no início e a outra no final. É absolutamente compreensível que o exequente já adiante o valor e se ressarça integralmente na execução. Aliás, as custas devem refletir o serviço prestado e não eventual resultado, vez que a não satisfação do crédito não ocorre por culpa do Judiciário.

Finalmente, as majorações mais questionadas: as custas iniciais do processo de conhecimento e de execução. Conforme exposto acima, os números falam por si sob dois aspectos.

O primeiro, da necessidade: depende-se desse aumento para mais investir e melhorar a qualidade da prestação jurisdicional.

O segundo, comparativo: as custas iniciais no estado de São Paulo são inferiores aos demais estados da Federação, passando de 27º para 25º nas causas de valor inferior a R$ 20 mil, e de 17º para o 13º lugar para as causas com valor de R$ 1 milhão, o que demonstra que o maior tribunal do país tem taxas judiciárias que variam de módicas a intermediárias se comparadas com os demais estados e sempre inferiores à média nacional.

Ou seja, e sempre com todo o respeito, não conseguimos enxergar onde está o equívoco na majoração das custas. Se existem defeitos, e entendo que não, devem ser corrigidos. No entanto, a mera oposição intransigente aos reajustes não nos parece a solução mais adequada.

No nosso entender, o aumento de custas não restringe o acesso à justiça e torna mais equilibrada a equação custo do serviço vs contraprestação. Além disso, faz com que as partes, pessoas físicas, mas acima de tudo as jurídicas, que tenham condições de arcar com as custas paguem um pouco mais.

Ou seja, aqueles que têm condições arcarão com valores maiores que beneficiarão toda a sociedade, possibilitando investimentos essenciais. E este último ponto nos parece fundamental. Acredito que todos prefiram o Porsche a ao VW1600.

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