EMBARGOS CULTURAIS

A "Introdução ao Estudo do Direito", de Tércio Sampaio Ferraz Jr.

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP advogado consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

6 de agosto de 2023, 8h00

No fim dos anos de 1990, fui aluno de Tércio Sampaio Ferraz Jr. no PPGD da PUC-SP. Lembro-me das aulas e de como nós alunos ficávamos mesmerizados com os problemas e dilemas então colocados, o que sugeria uma filosofia do Direito centrada no binômio da linguagem e da decisão. Era diferente. No início daquela mesma década, Tércio fora Procurador-Geral da Fazenda Nacional, instituição na qual trabalhei por quase trinta anos. O que extraio dessas primeiras linhas é a ponte que Tércio construiu entre teoria e prática, entre reflexão problematizadora e ação prática. É o modelo de jurista que penso como ideal. Uma espécie infelizmente em extinção.

Spacca

Na vasta obra do professor Tércio retomo um pequeno grande livro, modesto no título, opulento no conteúdo: "Introdução ao Estudo do Direito (Técnica, Decisão, Dominação)". Trata-se de livro que enfatiza a universalidade do fenômeno jurídico, na linha do argentino Carlos Santiago Nino (precocemente falecido), para quem o Direito era como o ar, está em toda parte. Na obra de Tércio tem-se (pela primeira vez no Brasil, acredito) a distinção entre abordagens zetéticas e dogmáticas do direito.

A zetética aproxima o direito de outros campos, a exemplo da sociologia, da antropologia, da etnologia. Pode ser empírica (quando se centra na experiência) ou analítica (quando se aproxima de estruturas normativas mais instrumentais, a exemplo da lógica formal das normas e da metodologia jurídica). A dogmática ocupa-se de disciplinas jurídicas que tratam de questões chamadas finitas (ao contrário da zetética que se ocupa de questões infinitas), e Tércio exemplifica essa abordagem com a ciência do Direito Civil, do Direito Constitucional, ao que eu acrescentaria toda a chamada enciclopédia jurídica prática.

O capítulo referente à teoria do ordenamento ou dogmática das fontes do Direito é de extrema aplicabilidade prática, à vista das definições de validade, vigência, eficácia e força das normas, leitura que pode ser complementada com o clássico "Teoria do Ordenamento Jurídico", de Norberto Bobbio.

Tércio explica os limites e a extensão das antinomias e lacunas, prescrevendo fórmulas para enfrentamento desses acidentes. Há um excerto sobre a teoria das fontes, com ênfase na jurisprudência. Recorde-se que o livro seria originalmente de 1988, quando a técnica do precedente não existia entre nós outros, como hoje conhecemos. Valíamos, naqueles tempos, do mantra macunaímico do "mutatis mutantis", isto é, só era precedente quando o precedente nos interessava. Tem muito juiz e advogado que ainda não virou a página. Uma turma para quem o art. 927 do CPC de 2015 seria simples referencial explicativo.

Em "Introdução ao Estudo do Direito" o autor apresenta-nos também um esboço histórica da experiência normativa. Chamo a atenção para a percepção de racionalidade que se acopla ao direito, marca singular da teoria jurídica da época moderna. Há um percurso marcado por atropelos, avanços e retrocessos, mas que alcança, inegavelmente, um direito com finalidade decisória, o que é ponto central da ciência jurídica dogmática na atualidade. Parece-me o ponto alto do livro.

Inovadora era também a parte relativa à dogmática hermenêutica, fixando a ciência do direito como uma teoria da interpretação. A função simbólica da linguagem — dado que "falar é atribuir símbolos a algo" — suscita ambiguidades e indefinições que animam as discussões que marcam a experiência jurídica cotidiana. Talvez uma forte influência de Theodor Viehweg, cujo livro central, "Tópica e Jurisprudência", Tércio traduzira em 1979. O Ministério da Justiça publicou a tradução, com apresentação de Petrônio Portella.

Passados quase trinta anos da primeira vez que li essa pequena grande obra, ainda me socorro recorrentemente do excerto relativo à teoria da argumentação, com a indicação e precisa explicação das várias fórmulas argumentativas, assunto hoje relegado pelos programas de boa parte das faculdades de Direito que conheço.

Mais do que uma recomendação para quem começa a estudar direito hoje, a importância de "Introdução ao Estudo do Direito" de Tércio Sampaio Ferraz Jr., é ainda maior para quem leciona e advoga ao longo desses últimos anos. Contemplamos e comprovamos que tínhamos esperanças, expectativas e projetos existenciais. Que havia bons livros. Que havia autores magistrais. "Introdução ao Estudo do Direito".de Tércio Sampaio Ferraz Jr., mais do que um livro geracional, é um texto clássico da reflexão jurídica brasileira.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!