Opinião

​​​​​​​Planejamento sucessório pela doação

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5 de agosto de 2023, 15h47

Na temática do planejamento sucessório, que é o arranjo jurídico pelo qual o particular ainda em vida formata a sucessão aos seus herdeiros de sorte a organizar a transmissão de seus bens, um dos formatos jurídicos que pode ser adotado é a celebração do contrato de doação.

Em geral, as principais vantagens do planejamento sucessório são: evitar conflitos familiares com a sucessão; a redução de tributos na transmissão dos bens; evitar a burocracia do custoso e longo processo judicial de inventário; e permitir a imediata acessibilidade dos bens.

Dentre as estratégias jurídicas existentes (holding familiar, testamento, seguro de vida, previdência privada), tem papel de destaque a doação que é o contrato pelo qual o particular, mediante ato de liberalidade, transfere bens ou vantagens do seu patrimônio para o de outra.

Para a celebração do contrato de doação, há a necessidade de serem observadas pelos seus sujeitos algumas regras imperativas previstas no Código Civil: 1) a doação de ascendente a descendente, ou de um cônjuge a outro, sem qualquer ressalva, importa adiantamento do que lhes cabe por herança (artigo 544); 2) é nula a dotação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador (doação universal  artigo 548); 3) nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento (doação inoficiosa  artigo 549).

Nada obstante a proibição legal da doação universal, tem-se que se afigura possível a doação de totalidade do patrimônio pelo doador, desde que remanesça uma fonte de renda ou reserva de usufruto, preservando um patrimônio mínimo à sua subsistência (REsp 1.183.133, relator ministro Luis Felipe Salomão).

Sendo assim, mostra-se possível a inclusão no contrato de doação da cláusula de usufruto, pelo qual o doador, nada obstante a transmissão da propriedade ao donatário, tem direito à posse, à administração e à percepção dos frutos/rendimentos sobre o bem doado, afastando-se a configuração da doação universal ilícita.

Por força de regra legal imperativa  artigo 1.846 do Código Civil , metade da herança pertence necessariamente aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e o cônjuge), constituindo a legítima, e a outra metade da herança é, pois, passível de livre disposição pelo particular, mediante testamento ou doação.

Da combinação dos artigos 549 e 1.846 do Código Civil, afigura-se correto afirmar que o particular dispõe de liberdade negocial para dispor livremente de metade da sua herança existente no momento da celebração do contrato de doação e não no momento do falecimento do doador (abertura da sucessão).

Afastando qualquer dúvida, a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça firma o entendimento de que o excesso caracterizador da doação inoficiosa (acima da metade da herança) deve ser considerado no momento da liberalidade e não no momento do falecimento do doador (REsp 2.026.288, relatora ministra Nancy Andrighi).

Há, ainda, a possibilidade de doador prever, dentro da sua conveniência e oportunidade, as seguintes cláusulas restritivas no contrato de doação: 1) usufruto, pela qual se reserva ao doador a posse e a fruição dos rendimentos e frutos do bem doado; 2) reversão, pela qual os bens doados voltam ao patrimônio do doador, se este sobrevier ao donatário; 3) inalienabilidade, pela qual há a proibição de o donatário transferir a propriedade do bem doado; 4) impenhorabilidade, pela qual o bem doado não poderá ser penhorado por dívidas do seu titular; e 5) incomunicabilidade, pela qual exclui o bem da comunhão em razão do matrimônio contraído pelo donatário.

Portanto, a doação consubstancia instrumento contratual tradicional, sendo um meio idôneo e altamente eficaz à implementação do planejamento sucessório por propiciar a transmissão do patrimônio em vida, resolvendo, desde logo, a sucessão, e exteriorizar a autonomia privada do patrimônio.

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