Opinião

Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos — Habemus egem!

Autores

2 de agosto de 2023, 6h10

O título do texto causa estranheza. Àqueles que não se dispuserem a lê-lo, certamente parecerá que os autores erraram a grafia do latim. A supressão da letra l do termo latino legem, contudo, tem sua razão de ser. A Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, foi promulgada, mas com parcial eficácia, e não apenas em decorrência da ultratividade das Leis 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2011, esta última apenas dos artigos 1º a 47-A.

O sistema geral de contratações públicas, ao nosso ver, passou a ser um verdadeiro Frankenstein, pois é formado por pedaços de leis revogadas e pedaços da nova lei. Complexa a tarefa do operador do direito, e neste conceito inserimos o gestor público.

De um lado, a nova Lei de Licitações Públicas (14.133/2021) dispõe em seus artigos 189 e 194, que ela entra em vigor no dia da sua publicação e que deveria ser aplicada quando a legislação fizesse referência expressa às Leis revogadas 8.666/1993 e 10.520/2002, bem como aos artigos 1 ao 47-A da Lei 12.462/2011, tudo a confirmar sua vigência a partir de sua publicação.

De outro lado, entretanto, a mesma legislação estabeleceu que as Leis  8.666/1993, 10.520/2002 e os artigos 1 ao 47-A da Lei 12.462/2011 seriam revogados apenas após o decurso de dois anos de sua publicação e que, durante esse período, os entes da administração pública poderiam, a seu critério e desde que não combinadas, utilizar tanto as Leis 8.666/1993, 10.520/2002 e os artigos 1 ao 47-A da Lei 12.462/2011 como a lei 14.133/2021 para suas contratações.

Diante disso, temos as Leis 14.133/2021, 8.666/1993, 10.520/2002 e os artigos 1 ao 47-A da Lei 12.462/2011 vigendo parcialmente cada uma delas no sistema de contratações. Eis, aí, o nosso Frankenstein!

O problema é que, diferentemente do monstro criado por Victor Frankenstein, o sistema geral de contratações públicas tem diversas "incompatibilidades" e mesmo "problemas genéticos", entre as partes que foram juntadas, o que traz sérias dificuldades para sua aplicação prática.

Veja, por exemplo, os diversos dispositivos que não tratam da governança ou mesmo fase interna da licitação, como a pesquisa de preços. Nesse sentido, já se pronunciou o professor Marçal Justen Filho, com distintiva vanguarda, lá nos idos de 2021, quando publicou seu artigo intitulado "A Aplicabilidade Imediata da Lei 14.133".

Outro ponto de divergência "genética" entre as leis é a realidade para a qual foram criadas. A nova lei pressupõe uma administração muito, se não totalmente, virtualizada, isto é, que lança mão das vantagens — e arca com os ônus — do mundo virtual, o que não é uma realidade das legislações anteriores.

Não obstante toda a complexidade acima superficialmente tratada, como dito acima, não nos referimos a essa miscelânea entre leis revogadas e a lei "atual" quando dissemos que a Lei 14.133/2021 entrou em vigor com parcial eficácia. Nos referíamos a outro problema para a aplicabilidade da nova lei: suas diversas regulamentações.

Seria possível, conforme permitido na Lei 14.133, aplicá-la imediatamente? Sinceramente, pensamos que não, exatamente em razão da extrema necessidade de regulamentá-la.

Há dispositivos na nova lei que, inclusive, só poderão ser aplicados após a devida regulamentação.

Por óbvio que os demais entes podem anuir à regulamentação federal e seguirem suas vidas sem maiores dificuldades. Entretanto, num país de dimensões continentais como o Brasil, com tamanhas divergências culturais, estruturais, econômicas e tantas outras, entre suas regiões que entendemos não ser aconselhável essa opção.

Cada município, estado ou ente com competência regulamentar, possuem circunstâncias que lhes particularizam em face do ente federal. A própria estrutura e condições econômicas de cada um dos entes é elementos que os destoa entre si. Por mais que se busque alcançar o nível federal das regulamentações, por inferência lógica, haverá certos pontos que serão impossíveis de serem atendidos.

A Lei 14.133/2021, em todo o seu corpo formado por 194 artigos, faz referência à regulamentação, regulamentos, atos normativos ou termos congêneres em mais de 50 oportunidades. Há, evidentemente, inúmeras providências para a plena eficácia da nova lei de contratações públicas e muitas dessas regulamentações devem ser realizadas pelo ente específico, observando suas reais dificuldades, seus obstáculos ordinários, enfim, sua realidade. E essa observância das circunstâncias do dia a dia do ente público devem ser observadas na regulamentação, de modo a dar máxima efetividade à nova lei.

Em nosso sentir, as principais e mínimas regulamentações que devem vir para que ser aplicada a nova lei são as que dispõem sobre a pesquisa de preços, sobre as atribuições e incumbências do fiscal do contrato, sobre a definição do que seria ou não seria enquadrado como bens de luxo e, por fim, sobre a dispensa de licitação, na forma eletrônica. Sem esses primeiros passos, não há segurança ou mesmo condição de aplicação da nova lei.

O trabalho conjunto de secretarias, órgãos e servidores deve vir orquestrado, além de afinado aos ditos regulamentos federais vinculativos, para um produto de regulamentação dentro das possibilidades e condições do ente. Para tanto, a administração pode valer-se, inclusive, da prestação de serviços de profissionais externos aos seus quadros, com notória especialização, a fim de auxiliar os órgãos que participarão ativamente das regulamentações necessárias para a implementação e plena aplicação da nova lei.

Ao não se preparar também neste vértice para a aplicação certa e futura da Lei 14.133/2021, o ente simplesmente abdica de uma competência que lhe pertence e que pode, em muito, trazer maior conforto e segurança aos gestores e servidores que atuarão na seara das contratações públicas. Sem isso, continuaremos a dizer: Habemus egem!

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!