Opinião

Mais do que um Abril Verde, uma primavera social do trabalho decente e seguro

Autores

  • Lelio Bentes Corrêa

    é ministro presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (biênio 2022-2024) e mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Universidade de Essex (Inglaterra).

  • Alberto Bastos Balazeiro

    é ministro do Tribunal Superior do Trabalho ex-procurador-geral do Trabalho doutorando em Direito (IDP) e mestre em Direito (UCB).

28 de abril de 2023, 6h07

Um dos discursos mais célebres da história recente — que ingressou nos registros como o discurso "Dos Ventos da Mudança" — foi proferido pelo então primeiro-ministro britânico Harold Macmillan ao Parlamento da África do Sul, em 1960, na Cidade do Cabo. Após um mês na África visitando várias colônias britânicas, em sua manifestação, o premiê reconheceu que os "ventos da mudança" atravessavam o continente africano e a tomada de uma consciência nacional das colônias era um fato que deveria ser reconhecido.

De fato, existem momentos na história em que a tomada de consciência do grupo social relativamente a uma determinada questão coletiva importante vai ganhando corpo até que, natural e inexoravelmente, movimentos ocorram e experimentemos significativas mudanças sociais.

Outra terminologia comumente associada a esses momentos de intensa mudança é a ideia de uma "primavera" — a exemplo da chamada "primavera dos povos" e, mais recentemente, a chamada "primavera árabe". A ideia de primavera evoca sempre a noção de renovação, novas cores, de rompimento com um momento anterior mais frio, estéril e inerte.

Infelizmente, os números de acidentes e adoecimento laboral ainda são bastante preocupantes no Brasil e no mundo, de modo a confirmar que estamos em um momento distante da difusão desejada de um paradigma básico de trabalho decente. Segundo as primeiras estimativas conjuntas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), constantes do estudo "WHO/ILO Joint Estimates of the Work-related Burden of Disease and Injury, 2000/2016",  lesões e doenças relacionadas ao trabalho provocaram a morte de 1,9 milhão de pessoas em 2016.

No Brasil, por sua vez, consoante dados do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, entre 2012 a 2022, foram comunicados 6,7 milhões acidentes de trabalho e 25,5 mil mortes no emprego com carteira assinada.

Então, o que seria possível fazer para terminar esse "inverno" nas condições de saúde e segurança no trabalho, a fim de que possamos entrar numa verdadeira "primavera do trabalho decente e seguro"?

Comecemos de logo com um pouco mais de verde.

No mês de abril, é comum que sejam promovidas diversas ações e campanhas em todo o país para conscientizar a população sobre a importância da saúde e segurança no trabalho. Esse movimento, conhecido como "Abril Verde", tem como objetivo sensibilizar as pessoas sobre os riscos e consequências das práticas laborais inadequadas.

Norasit Kaewsai/123RF
Norasit Kaewsai/123RF

No entanto, é imperioso destacar que a conscientização sobre saúde e segurança no trabalho não deve ser restrita apenas ao mês de abril. É preciso que haja uma consciência social durante todo o ano, para que se possa gestar uma verdadeira cultura de saúde e segurança no trabalho em toda a sociedade.

É muito triste que, ainda hoje, constate-se tamanha negligência na questão crucial da saúde e segurança no trabalho, colocando em risco a vida e a integridade física de um incontável número de trabalhadores e trabalhadoras. Não há investimento mais rentável para o empregador e para a sociedade do que alocar esforços e recursos para capacitar seus empregados e empregadas, propiciando a formação de uma real cultura de prevenção no meio ambiente de trabalho.

Além disso, os próprios trabalhadores e trabalhadoras precisam se conscientizar sobre a importância de adotar posturas preventivas no ambiente de trabalho. Isso envolve desde a observância de medidas de proteção coletiva para as quais necessitam ser treinados constantemente até o uso correto dos equipamentos de proteção individual. Última fronteira e não primária, como, de forma equivocada, costuma-se destacar até mesmo na imprensa.

Mas é preciso avançar mais. A conscientização não deve se restringir apenas ao ambiente de trabalho. A sociedade como um todo precisa entender que a saúde e segurança no trabalho é um direito de todos e todas e precisa ser respeitado. É essencial que haja uma pressão social para que os empregadores adotem práticas seguras e sejam responsabilizados em caso de negligência. Uma das formas legítimas de exercício dessa pressão é o chamado consumo consciente.

Retomando a evocação do início desse artigo, ousamos afirmar, com esperança, que de fato estamos vendo "ventos da mudança" e uma real tomada de consciência da sociedade para que sejam lançadas as bases da infraestrutura necessária a uma cultura de saúde e segurança no trabalho.

Provavelmente a chave de virada desse momento histórico, ou o vetor que irá conduzir a essa esperada primavera de um trabalho decente seja o diálogo social. Trata-se do conjunto de iniciativas para difundir as questões de saúde e segurança, nas escolas, nas universidades, na medicina, na engenharia, nos sindicatos, nas agendas institucionais.

Neste particular, o Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho têm feito sua parte mediante uma postura proativa, propositiva e aberta ao diálogo social, por meio de múltiplas iniciativas. Entre elas, o Programa Trabalho Seguro que adotou para este biênio a proposta de esforços concentrados para a efetivação desse diálogo social.

Acreditamos que tais iniciativas irão fomentar essa sensação ubíqua em nossa sociedade, de que necessitamos de postos de trabalhos decente, a fim de que o trabalho não seja uma razão de adoecimento, morte e ocaso dos sonhos dos cidadãos, mas um efetivo espaço de realização das potencialidades humanas.

Assim, finalizamos o balanço desse Abril Verde com a certeza do que, mais do que um mês ou mesmo uma estação, devemos almejar a construção de uma verdadeira primavera social do trabalho decente e seguro, transformativa e instauradora de uma perene cultura de saúde e segurança no trabalho em todos os segmentos, sempre em busca do primado do trabalho decente.

Autores

  • é ministro presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Universidade de Essex, Inglaterra.

  • é ministro do Tribunal Superior do Trabalho, ex-procurador-geral do Trabalho, doutorando em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB) e coordenador Nacional do Programa Trabalho Seguro (CSJT).

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