Opinião

O Supremo Tribunal Federal e o compromisso com o juízo das garantias

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27 de abril de 2023, 11h16

Várias matérias relevantes deverão ser enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal nos próximos meses, cujo Plenário já deverá estar com sua nova composição por quem sucederá o eminente ministro Ricardo Lewandowski. Na área criminal, destaca-se o julgamento das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, que discutem a constitucionalidade dos artigos 3-A, 3-B, 3-C, 3-D, 3-E e 3-F, introduzidos ao Código de Processo Penal pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, para criar o "juiz das garantias", assim como em face do artigo 20 da mesma lei que fixou a vigência em 30 dias a contar da publicação.

Será difícil substituir a experiência e o brilhantismo acadêmico aliado ao humanismo no exercício da jurisdição do professor doutor Ricardo Lewandowski nesse julgamento, a quem rendo as homenagens e o agradecimento pela dedicação incansável como guardião da Constituição. De qualquer sorte, disporá o novo nome dos atributos para compor o Plenário de forma qualificada para a decisão, que envolve um dos temas mais relevantes para o aperfeiçoamento do sistema de justiça criminal.

Ao que tudo indica, essas ações encontram-se maduras para o julgamento, o qual, data venia, é urgente para o aperfeiçoamento do processo penal brasileiro. Recorda-se, a propósito, que os dispositivos questionados encontram-se com sua eficácia suspensa desde 15/1/2020, quando o então presidente da Corte, excelentíssimo ministro Dias Toffoli, concedeu parcialmente a medida cautelar, ad referendum do Plenário, para:

1) suspender-se a eficácia dos artigos 3º-D, parágrafo único, e 157, § 5º, do Código de Processo Penal, incluídos pela Lei nº 13.964/19;

2) suspender-se a eficácia dos artigos 3º-B, 3º-C, 3º-D, caput, 3º-E e 3º-F do CPP, inseridos pela Lei nº 13.964/2019, até a efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais, o que deverá ocorrer no prazo máximo de 180 dias, contados a partir da publicação desta decisão;

3) conferir-se interpretação conforme às normas relativas ao juiz das garantias (artigos 3º-B a 3º-F do CPP), para esclarecer que não se aplicam às seguintes situações: a) processos de competência originária dos tribunais, os quais são regidos pela Lei nº 8.038/1990; b) processos de competência do Tribunal do Júri; c) casos de violência doméstica e familiar; e d) processos criminais de competência da Justiça Eleitoral.

4) fixarem-se as seguintes regras de transição: a) no tocante às ações penais que já tiverem sido instauradas no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais (ou quando esgotado o prazo máximo de 180 dias), a eficácia da lei não acarretará qualquer modificação do juízo competente. O fato de o juiz da causa ter atuado na fase investigativa não implicará seu automático impedimento; b) quanto às investigações que estiverem em curso no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais (ou quando esgotado o prazo máximo de 180 dias), o juiz da investigação tornar-se-á o juiz das garantias do caso específico. Nessa hipótese, cessada a competência do juiz das garantias, com o recebimento da denúncia ou queixa, o processo será enviado ao juiz competente para a instrução e o julgamento da causa.

Logo em seguida, em 22/1/2020, o excelentíssimo ministro relator Luiz Fux proferiu nova decisão cautelar, a fim de ajustar pontualmente, nas palavras de Sua Excelência, a decisão do então presidente da Corte Suprema. Nesse sentido, ampliou a decisão cautelar anterior, de modo a determinar a suspensão sine die da eficácia dos artigos 3º-A a 3º-F (implementação do juiz das garantias); do artigo 157, § 5º (alteração do juiz sentenciante que conheceu de prova declarada inadmissível); do artigo 28, caput (alteração do procedimento de arquivamento do inquérito policial); do artigo 310, §4º (liberação da prisão pela não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas), todos do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 13.964/2019.

Ato contínuo, prestaram informações o Congresso Nacional e o presidente da República anterior, manifestou-se o advogado-geral da União e emitiu parecer o procurador-geral da República. Além disso, foram realizadas duas audiências públicas nos dias 25 e 26 de outubro de 2021 com profícuos atos-de-fala de eminentes advogadas e advogados, representando as mais expressivas instituições.

Ou seja, duas decisões monocráticas estancaram a eficácia de lei aprovada pelo Congresso Nacional e, desde então, passados três anos, após ouvidas novamente as instituições da República, o caso, reitera-se, encontra-se com a matéria madura a sobejo para julgamento.

Inegável que se trata de tema absolutamente relevante para o aperfeiçoamento do sistema de justiça criminal brasileiro e, com isso, urgente sua implementação. Afinal, o juízo das garantias vem a consolidar na nossa sistemática processual um controle de legalidade da investigação criminal que não implique contaminação do juízo para o julgamento do processo.

É que a prática de determinados atos na fase da investigação coloca em risco a imparcialidade do juízo. Isso porque, nessa fase, os juízos são colocados diante da necessidade de decidir, de forma sumária e parcial, acerca de questões de fundo do caso criminal, fazendo com que já exerça prejulgamentos sobre o caso, tais como se há indícios suficientes de autoria e de materialidade criminal para a decretação de medidas drásticas, como prisão cautelar, busca e apreensão, quebra de sigilos bancário, fiscal, entre outras.

Não por outro motivo, trata-se de figura essencial para a garantia da imparcialidade do juízo, já parcialmente implementado, inclusive, no âmbito da organização judiciária do estado de São Paulo, por meio dos departamentos de inquérito policiais.

Destarte, transcorrido tempo mais que suficiente para adequação dos tribunais, cabe ao Supremo Tribunal Federal o desprendimento a permitir flua a eficácia da lei que instituiu o indispensável instituto do juiz de garantias, como medida de aperfeiçoamento do sistema de justiça penal a garantir o respeito a princípios estruturais da democracia e do Estado de Direito. 

Autores

  • é sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados; conselheiro e Presidente da Comissão de Estudos sobre Corrupção, Crimes Econômicos, Financeiros e Tributários do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

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