Olhar Econômico

São Paulo do século 16 ao 20: de cidade adormecida por 300 anos a megalópole

Autor

  • João Grandino Rodas

    é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP da qual foi diretor mestre em Direito pela Harvard Law School mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

24 de abril de 2023, 9h13

De São Vicente, a primeira vila brasileira fundada, em 1532, por Martim Afonso de Souza, 13 jesuítas, dentre eles os padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, palmilharam trilhas utilizadas pelos indígenas; e, após superarem a majestosa Serra do Mar, chegaram, no ano de 1553, ao planalto de Piratininga, cuja altitude é de 760 metros.

Spacca
Nessa zona geográfica subtropical úmida, imersa no bioma da Mata Atlântica, ultrapassado o paredão da Serra do Mar, há montes, planícies e planaltos. Nos trechos mais íngremes da referida Serra, necessário se fazia subir de gatinhas.

O planalto de Piratininga é banhado por inúmeros rios e riachos. Os maiores rios são o Tietê e o Pinheiros; sendo, também, dignos de nota os rios Tamanduateí, Embu-Guaçu e Aricanduva.

Os religiosos contavam com a complacência dos chefes indígenas dessas paragens, principalmente do cacique Tibiriçá; bem como do colonizador português João Ramalho e sua mulher a índia Bartira.

Imbuídos de espírito catequético, eles construíram uma cabana de taipa de pilão, em um planalto, cercado pelos rios Tietê, Anhangabaú e Tamanduateí. A missa celebrada, nesse local, pelo padre Manuel de Paiva, no dia da comemoração litúrgica do apóstolo Paulo (25 de janeiro de 1554), passou a ser tida como a data fundacional da futura megalópole de São Paulo.

De difícil acesso, o povoado de São Paulo reunia colonizadores portugueses, indígenas e clérigos. Essa rarefeita população aumentou, em 1560, quando o governador geral Mem de Sá trasladou, compulsoriamente, os habitantes da vila de Santo André, para a sua circunvizinhança; além de alçá-la à hierarquia de vila: vila de São Paulo de Piratininga.

A partir de inícios do século 17, passada a fase de ataques de indígenas, agastados com a amizade entre tupiniquins e portugueses (Confederação dos Tamoios etc.), os habitantes, via de regra, humildes de origem, puderam dedicar-se à agricultura de subsistência, além de iniciar a plantação, em maiores proporções, da cana-de-açúcar (ciclo do açúcar).

Entretanto, na primeira metade do citado século, nessa vila carente, afastada e desimportante, formaram-se grupos organizados, que se embrenhavam na mata e no emaranhado de córregos, riachos e rios, buscando, em locais distantes, metais, pedras preciosas e indígenas.

Antonio Parreiras/Reprodução
Pintura de 1913 sobre a fundação de SP
Antonio Parreiras/Reprodução

Surgem, dessa forma, as bandeiras, que se manteriam por quase todo século 18 e cujos efeitos se fariam sentir: (1) no próprio local (favorecendo, de um lado, o comércio na vila; e, de outro, conflitos entre jesuítas e bandeirantes, aqueles contrários à escravização e ao trabalho forçado de indígenas); e, (2) continentalmente (descobrimento do ouro e ampliação territorial do Brasil, em detrimento de terras espanholas).

O povoamento nas circunvizinhanças do colégio jesuítico, que originou a vila, deu-se, mormente, ao redor de igrejas, como a de Pinheiros (1560), de São Miguel (1560), da Matriz/Sé (1589), de Nossa Senhora da Luz ("circa" 1579), de Nossa Senhora do Carmo (1592), de Nossa Senhora da Assunção/Convento Beneditino (1600), do Convento Franciscano (1647), do Mosteiro Nossa Senhora da Luz (1788), de Nossa Senhora da Penha (1798), de Santa Ifigênia (1809), do Brás (1818) etc. Obviamente, os primeiros caminhos ligavam tais povoamentos entre si.

Os primeiros 300 anos da história de São Paulo transcorreram, modorrenta e quase invisivelmente, no âmbito do Brasil, que se desenvolvia. Quando recebeu o status de cidade, em 1711, ela possuía apenas 9 mil habitantes.

Em finais do século 18 e primórdios do 19, o café substituiu a cana-de-açúcar (ciclo do café), dotando São Paulo, pela primeira vez, de atividade econômica, realmente, lucrativa.

Paralelamente e, na maioria das vezes, associado ao ciclo cafeeiro, um conjunto de fatores, que se sucederam, alavancaria seu desenvolvimento econômico: (1) o fato de ter-se tornado capital da Província do mesmo nome (1815); (2)  a independência política do Brasil (7 de setembro de 1822);  (3) a fundação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em 1827, por dom Pedro 1º (muito provavelmente a rogo da Marquesa de Santos, então moradora de São Paulo); (4) a abolição da escravatura (1888) e a consequente crise de mão-de-obra; (5) o ciclo da imigração em massa, proveniente da Europa; (6) a expansão das ferrovias; (7) a industrialização nascente, que pontilharia o solo paulistano com fábricas; (8) a geração de energia em grande escala (Light, 1900); (9) o espraiamento da cidade com a colonização de novas aéreas; e (10) o aumento populacional; (11) a emergência de novas classes sociais: média e operária; e (12) a introdução dos automóveis e de bondes elétricos.

A prosperidade do estado de São Paulo e de sua capital fez com: (1) que se tornasse importante sustentáculo da federação republicana; (2) que pudesse superar a crise cafeeira da década de 1930; (3) que fosse polo da industrialização brasileira, no período de 1930 a 1950 (indústria automobilística); e (4) que, ganhasse a "guerra" do desenvolvimento, apesar de ter retrocedido no plano político, em nível nacional, em razão da Revolução de 1930; e da perda da "batalha" Constitucionalista, de 1932, levada a cabo pelas oligarquias paulistas.

Depois de 1932, o município de São Paulo desenvolveu-se exponencialmente, culminando no processo de desconcentração industrial dos anos 1970, do passado século.

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  • é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP, da qual foi diretor, mestre em Direito pela Harvard Law School, mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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