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TJ-SP acolhe pedido de uniformização de preparo recursal em Juizados Especiais

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21 de abril de 2023, 8h48

Glariston Resende, juiz da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais de São Paulo, do Tribunal de Justiça paulista, admitiu um pedido de uniformização de interpretação de lei sobre deserção de recurso inominado por recolhimento insuficiente do preparo recursal. Com isso, ele determinou a suspensão de todos os processos que envolvam a matéria nos Juizados Especiais do estado de São Paulo.

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FreepikTurma de Uniformização dos Juizados Especiais deve pacificar deserção de recurso por recolhimento insuficiente de preparo recursal

O pedido foi ajuizado por uma empresa de cobrança que apontou divergências quanto à aplicação por analogia do artigo 1.007 e parágrafos do Código de Processo Civil ao sistema recursal dos Juizados Especiais. Esse artigo trata da comprovação do recolhimento do preparo pelo recorrente, no ato da interposição do recurso, sob pena de deserção.

Para o relator, ficou provada a existência de divergências entre as turmas recursais, o que justificou a admissão do pedido: "Tendo em conta a multiplicidade de feitos relacionados ao mesmo tema, com decisões díspares, em desprestígio aos princípios constitucionais da isonomia e da segurança jurídica, determino a afetação deste processo para julgamento sob a sistemática dos repetitivos, com a suspensão dos processos que envolvam a matéria, nos Juizados Especiais".

A tese a ser definida é a seguinte: "Preparo recursal no âmbito dos Juizados Especiais — não recolhimento ou recolhimento insuficiente —, possibilidade de aplicação subsidiária do artigo 1.007 e parágrafos do Código de Processo Civil".

Origem do caso
O pedido teve origem em uma ação indenizatória movida por uma consumidora contra a empresa de cobrança. A ação foi julgada procedente pelo Juizado Especial Cível e Criminal de Lençóis Paulista. A empresa, então, apresentou recurso inominado, mas o juízo de origem julgou deserto o recurso em razão da insuficiência do preparo, considerando que não se admite a complementação nos Juizados Especiais.

A deserção foi mantida pela 2ª Turma Cível do Colégio Recursal de Bauru, que reconheceu erro na forma utilizada para o recolhimento do preparo, em desacordo com as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça aplicáveis à espécie. Isso porque não houve recolhimento das custas de oficial de Justiça em guia própria. 

A empresa, por sua vez, alegou que as Normas de Serviço da Corregedoria não tratam da obrigatoriedade de recolhimento das custas de oficial de Justiça, em guia própria, para o manejo do recurso inominado, e disse que o tema é objeto de "ampla divergência jurisprudencial por diversos Colégios Recursais".

Segundo a defesa, a decisão também não especificou qual artigo das normas de serviço teria sido desrespeitado. "E nem poderia, já que o único dispositivo que dispõe sobre o recolhimento do preparo recursal do recurso inominado é o artigo 698 das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral de Justiça, que nada dispõe sobre a obrigatoriedade de recolhimento específico em guia de oficial de Justiça."

A empresa também alegou ter recolhido preparo a mais, em quantia excedente de R$ 29,83. Na inicial do pedido de uniformização, a empresa ainda destacou decisões divergentes das Turmas Recursais de São Paulo quanto à deserção por recolhimento insuficiente do preparo.

Deserção afastada
Em um dos casos (1029377-46.2021.8.26.0007), a 1ª Turma Recursal Cível e Criminal de Penha de França afastou a deserção do recurso de um banco por entender que nem a sentença, nem a intimação pela imprensa, mencionaram a ausência de recolhimento da despesa postal. A turma ainda concedeu prazo para o banco recolher o valor que faltava.

"Ressalvo mais uma vez que esta Turma Recursal entende que a previsão contida no artigo 42, §1º, da Lei 9.099/95 não admite a aplicação do artigo 1.007, §2º, do CPC ao rito do Juizado. Contudo, por se tratar de ausência de recolhimento da despesa postal e pelas demais razões expostas, deixo, excepcionalmente, de decretar a deserção", disse a relatora, juíza Karina Ferraro Amarante Innocencio.

Já no caso da empresa de cobrança, o entendimento foi diferente, no sentido de que a ausência de recolhimento de guia específica de oficial de Justiça, ainda que tenha havido recolhimento a mais do preparo, viola as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral de Justiça, resultando na deserção do recurso inominado.

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FreepikDivergências entre as Turmas Recursais de SP sobre recolhimento do preparo levou à admissão de um pedido de uniformização

Sentença deve ser clara
A Turma de Uniformização dos Juizados Especiais de São Paulo já afirmou que a sentença deve conter, "de forma clara, o método e o valor de recolhimento do preparo, inclusive se ele deve ser atualizado ou não. Para a turma, se não há esclarecimento do valor a ser recolhido, não pode haver deserção" (0100070-02.2021.8.26.0968).

Segundo a relatora, juíza Heliana Maria Coutinho Hess, deve constar no dispositivo da sentença o valor correto e atualizado do preparo para a oportunidade de apresentação do recolhimento de forma correta e completa. "Há de se equacionar o sistema dos Juizados Especiais e a uniformidade de jurisprudência sobre este importante ponto de acesso ao sistema recursal."

Confusão no cálculo
A 2ª Turma Cível de Osasco afastou uma deserção com o argumento de que "os ofícios de primeira instância dos Juizados Especiais não mais fornecem o cálculo do valor de preparo antes de a parte providenciar o depósito, como é o caso dos autos, o que, aliado à falta de menção expressa da legislação acerca do tema, pode causar confusão na forma de realizar o cálculo".

Como a sentença de origem não trouxe a indicação do valor do preparo recursal, nem mesmo sua metodologia de recolhimento, "e também não fez constar qualquer impossibilidade de complementação em caso de valor insuficiente recolhido, não poderia a parte ser prejudicada, concedendo-se, portanto, prazo de 48 horas para a complementação do preparo" (0100082-28.2021.8.26.9015).

A 1ª Turma Cível e Criminal de Registro, por sua vez, entendeu que o artigo 1.007, §2º, do CPC pode ser aplicado por analogia aos Juizados. "A norma deve ser aplicada ao procedimento sumaríssimo previsto na Lei 9099/95, como forma de evitar injustiça em desfavor da parte que não deixou de recolher o preparo, mas apenas calculou de forma incorreta, merecendo oportunidade para corrigir o erro", alegou o relator, juiz André Gomes do Nascimento (0100022-13.2021.8.26.9029).

Já nos casos em que a diferença do preparo é ínfima, há precedentes que permitem a complementação. Por exemplo, a juíza Erika Fernandes Fortes, da 6ª Turma Cível de Campinas, entendeu que a deserção por falta de recolhimento de R$ 1,28 configura violação ao acesso ao duplo grau de jurisdição e aos princípios da boa-fé processual, da cooperação e da proporcionalidade (0100119-45.2022.8.26.9007).

Enunciados
Assim como no caso da empresa de cobrança, que gerou o pedido de uniformização, há outras decisões que reconheceram a deserção do recurso inominado por recolhimento insuficiente do preparo. Como exemplo, a 4ª Turma Cível da Capital negou a aplicação do artigo 1.007 do CPC e manteve a deserção decretada pelo juízo de origem (0100721-23.2023.8.26.9000).

"A sentença indicou parcela dos valores que integram o preparo, sem excluir o regramento do artigo 54, parágrafo único, da Lei 9.099/95, cuja observância é imprescindível ao preenchimento deste pressuposto de admissibilidade recursal. Não se verifica mácula na fundamentação da sentença, haja vista a existência de disposição legal sobre o assunto", disse o relator, juiz Gustavo Henrique Bretas Marzagão.

Para o magistrado, não é possível falar em concessão de prazo adicional para o recolhimento, na forma do artigo 1.007, §4º, do CPC, uma vez que o dispositivo não se aplica aos Juizados Especiais. Ele também baseou a decisão em enunciados do Fórum de Juizados Especiais do Estado de São Paulo (Fojesp) e do Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje).

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ReproduçãoPossibilidade de aplicação do artigo 1.007 do CPC nos Juizados Especiais está em discussão

Um deles é o Enunciado 80 do Fonaje, que tem a seguinte redação: "O recurso inominado será julgado deserto quando não houver o recolhimento integral do preparo e sua respectiva comprovação pela parte, no prazo de 48 horas, não admitida a complementação intempestiva (artigo 42, §1º, da Lei 9.099/1995)".

O mesmo enunciado embasou decisão da 3ª Turma Cível da Capital, que considerou incabível a concessão de prazo para complementação do valor do preparo. "O artigo 42, parágrafo 1º, da Lei 9.099/95 é lei especial e deve prevalecer sobre os ditames do Código de Processo Civil, de forma que mantenho a decisão de deserção", afirmou o relator, juiz Fernando José Cúnico (0100687-48.2023.8.26.9000).

Pedido de uniformização
Em razão dos posicionamentos divergentes, foi proposto o pedido de uniformização de interpretação de lei, admitido pelo relator. O advogado Daniel Victor Ferreira Gallo, do escritório Rennó, Paolinelli Advogados, que representa a empresa de cobrança autora do pedido, espera pela revisão do entendimento predominante para permitir a complementação das custas em caso de insuficiência de preparo.

"Recolher as custas é uma tarefa extremamente difícil, pois cada tribunal possui regras distintas e pouco claras. Não é razoável que um mero vício de formalismo gere uma penalidade tão drástica à parte, privando-a do acesso às instâncias superiores para ter seu recurso analisado. Isso contraria os pilares constitucionais de ampla defesa, contraditório e inafastabilidade de jurisdição", disse ele.

Para Gallo, é fundamental que o Poder Judiciário considere a boa-fé da parte que efetuou o pagamento das custas, mesmo que em valor insuficiente: "Não se pode punir a parte por um erro formal, especialmente quando tal erro não prejudica a análise do mérito da questão em discussão".

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Processo 0000001-25.2023.8.26.9040

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