Dia 21 de abril ainda é o único feriado cívico que se associa a uma figura
21 de abril de 2023, 7h10
* artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo
** o historiador morreu na terça (18/4), aos 92 anos
A celebração de acontecimentos ou personalidades históricas constitui um bom indicador de como os círculos letrados de um país reconstroem os marcos considerados essenciais do passado. No caso do Brasil, é significativo observar que o dia 21 de abril é o único feriado cívico que se associa a uma figura, a do herói Tiradentes cujo "sangue vivo batizou nosso audaz pavilhão".
O 7 de Setembro, celebrado com o ritual dos desfiles militares, deixa em segundo plano Pedro 1º, lembrado mais por seus amores do que por suas façanhas políticas.
O 15 de Novembro foi perdendo a força simbólica, na medida em que o regime republicano só é contestado por uma pequena minoria. De qualquer forma, seria difícil valorizar mais a data, personalizando-a com a figura do vetusto marechal Deodoro.
Afora essa trinca, temos apenas feriados históricos regionais: por exemplo, o 2 de julho — data da verdadeira independência para muitos baianos — ou o 9 de julho de 1932, marcando o início da revolução contra Getulio, cuja derrota velhos paulistas consideram o ponto inicial da desmoralização dos costumes políticos.
Os feriados históricos são criados ao longo do tempo. Enquanto alguns permanecem, outros têm existência transitória. Por exemplo, durante uns poucos anos, após a Revolução de 1930, o dia 5 de julho foi feriado nacional, celebrando-se assim os dois 5 de julho, o de 1922 (Revolta do Forte de Copacabana) e o de 1924 (a chamada "revolução de Izidoro", em São Paulo). Hoje, só os idosos e os especialistas se lembram dos "tenentes".
Na "Carta aos senhores eleitores da Província de Minas Gerais", datada de 1827, o deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos — famoso político que transitou dos liberais aos conservadores — discute uma lei do ano anterior que fixava os feriados históricos nacionais. Também por aí se vê que alguns permaneceram; outros, celebrando o "Dia do Fico", a outorga da Carta Constitucional de 1824, tiveram uma vida transitória. Na relação celebrativa, o 21 de abril seria ignorado, pois a morte de Tiradentes representava para a monarquia um episódio embaraçoso. Afinal de contas, como lembra José Murilo de Carvalho, o alferes tinha sido enforcado por ordem de Maria 1º, avó do imperador.
Mas o aspecto mais interessante da fala de Vasconcelos são as críticas que faz a respeito da inclusão na lista de mais um feriado — o de 3 de maio, data de instalação do corpo legislativo. A propósito, ele diz: "Quer-se multiplicar os dias de festividade nacional; se por qualquer motivo plausível se fizerem festividades, então de mais nada se cuide: bastam os dias de festa da igreja. Quanto à cessação de despachos nesses dias, também não aprovei porque creio que não se pode festejar um ato nacional de modo mais brilhante que dando sentenças justas e concorrendo para o aumento e prosperidade da nação".
Se a enxurrada do tempo levou muitas datas tidas outrora como históricas, as palavras do provecto político, passadas tantas e tantas décadas, conservam sua oportunidade.
*** o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, de Zumbi de Palmares, pode se tornar feriado nacional
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