Opinião

Em defesa das políticas públicas e contra a desinformação

Autor

  • Allan Titonelli Nunes

    é procurador da Fazenda Nacional e desembargador Eleitoral Substituto do TRE-RJ mestre em Administração Pública pela FGV especialista em Direito Tributário ex-presidente do Forum Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep).

21 de abril de 2023, 9h11

A Advocacia-Geral da União (AGU) tem dado passos relevantes para pluralização do debate e enfrentamento da mentira, desinformação, notícias falsas, entre outras ações do gênero, cuja soma de todos os termos passou a ser sinônimo de fake news.

Primeiramente criou uma Procuradoria de Defesa da Democracia, com atribuição de ampliar as ações e debates para fortalecimento da democracia e ajudar no combate à desinformação nas políticas públicas. Em seguida criou um grupo de trabalho sobre o mesmo tema, destinado a receber contribuições de entidades da sociedade civil, especialistas e instituições públicas para tratamento e regulamentação da matéria. Por fim, no dia 11 de abril de 2023, fez o lançamento do curso "Democracia e Combate à Desinformação", com professores nacionais e estrangeiros, e aula magna do ministro Luís Roberto Barroso.

É de conhecimento histórico que Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Adolf Hitler na Alemanha nazista, dizia que: "uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade". Aproveitando-se dessa realidade subjacente e da fácil difusão da informação pelas redes sociais, as notícias falsas, também conhecidas como fake news, passaram a ser amplamente utilizadas para satisfazer interesses pessoais em detrimento da correta informação dos fatos.

Desde a eleição dos Estados Unidos da América, em que Donald Trump foi eleito, 2016, as notícias falsas passaram a ser o tema central de debates. O tema ganhou notoriedade em razão da estratégia adotada pelos chamados "Veles boys", jovens de uma cidade de 55 mil habitantes na Macedônia, os quais ficaram conhecidos por criarem sites sensacionalistas com notícias a favor de Donald Trump e contrários à sua adversária, Hillary Clinton [1].

A repercussão gerada por esses fatos fez com que Google, Facebook, Microsoft, Twitter e Whatsapp se unissem para combater a disseminação de notícias falsas, lançando um projeto destinado a criar padrões de conteúdo para dificultar o compartilhamento de fake news.

Não é novidade para ninguém que a Internet possibilita uma enorme gama de conectividade a nível mundial, permitindo que milhões de computadores, celulares, tablets, relógios e outros mecanismos, estejam entrelaçados, e que, hodiernamente, o Brasil figura entre os primeiros do ranking mundial em números absolutos de usuários de Internet, com mais de 165 milhões.

São muitos os progressos e benefícios trazidos à humanidade pelas novas tecnologias. Elas podem aproximar governantes e governados, além de facilitar a transparência, o que é essencial para a máxima efetividade dos direitos fundamentais e à construção de uma democracia dialógica e inclusiva.

Porém, as novas tecnologias não têm servido apenas à propagação dos ideais racionalistas e tolerantes que o mundo ocidental herdou do Iluminismo. Essa atual hiperconectividade, permeada pela complexidade das relações humanas, também contempla a polarização, a radicalização política, o desrespeito ao próximo, a disseminação intencional e lesiva de desinformações, que ameaçam o respeito aos valores constitucionais e à soberania popular. Para além da crítica razoável e muito aquém da sugestão contributiva, próprias do espaço público e democrático, observamos recentemente ataques irresponsáveis a integridade do sistema eleitoral, em especial a idoneidade da urna eletrônica, criação genuinamente nacional que simplificou e agilizou o processo de votação e apuração, e, talvez, a maior contribuição civilizatória da Justiça Eleitoral à cidadania brasileira.

De outro lado, voltando a um dos temas centrais do problema, a expressão fake news, como já dito, é empregada para se referir a informação incorreta, desinformação, mentira, entre outros sinônimos, não havendo uma padronização a respeito. Todavia, é um fenômeno antigo no meio político, que tem sido enfrentado pela Justiça Eleitoral, mas que passou a ter repercussão após o período eleitoral, prejudicando diversas políticas públicas. Aprofundando-me a respeito dessa realidade fática e social, com impacto nas eleições, escrevi artigo [2] para a Revista Justiça Eleitoral em Debate, do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, analisando a desinformação nas eleições, bem como os meios que a Justiça Eleitoral dispõe para combater esse fenômeno.

Sobre o termo fake news e sua influência sobre o processo eleitoral a Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep) promoveu debates e publicou livro trazendo os fundamentos de um de seus Grupos de Trabalho a esse respeito, que podem servir de grande valia para as ações que estão sendo promovidas pela AGU. Até porque, essa definição, ao meu ver, é de extrema relevância para valoração das medidas a serem adotadas [3]:

Teorias da conspiração, fake news, clickbait, rumores, fofocas, embustes, são, todos, partes de um fenômeno mais amplo chamado de pós-verdade, em que se observa a fragilização do conceito de verdade e do valor dos fatos objetivos em oposição a apelos emotivos e crendices (D'ANCONA, 2018).

Wardle e Derakhshan (2017, p. 6), em relatório analisando desordens informativas para o Conselho da Europa, desestimularam a utilização do termo fake news e apresentaram uma classificação baseada em falsidade e intenção de dano, que divide a informação em três tipos: informação incorreta (mis-information), desinformação (disinformation) e má informação (mal-information).

A informação incorreta corresponderia àquela que possui uma falsa conexão com a realidade, um conteúdo ilusório, sem possuir a intenção danosa e má-fé. A má informação, a seu tempo, é aquela que possui fundamento na realidade, mas que é utilizada em um contexto que foge do interesse público, com o fim de causar dano. A desinformação, por sua vez, une a falsidade com a intenção de causar dano. Nesse caso, a pessoa que divulga sabe que a informação não corresponde à realidade, e o faz com o intuito de causar dano.

O segundo recorte a se fazer é que a Internet não é um "espaço sem lei", prova disso foi o surgimento na legislação pátria reguladora do setor, chamada de Marco Civil da Internet, a saber: a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, a qual, entre outras normas específicas prevê a possibilidade de responsabilização de sites e de terceiros contra a manifestação na rede mundial de computadores eivadas de ilegalidade, seja atentando contra a imagem e a honra alheias ou até mesmo difundindo informação inverídica. Mais recentemente tivemos a publicação da Lei Geral de Proteção de Dados, a qual tem aplicação relevante para o Direito Eleitoral e outras áreas do Direito Público.

Todavia, infelizmente, ainda continua sendo prática comum, seja no período das eleições ou fora delas, já que estamos vivenciando um lapso de eterna campanha, a veiculação de propagandas e discursos com o escopo de ridicularizar e degradar a imagem de candidatos, políticos, magistrados e outras autoridades.  Tudo  ou quase tudo  no fundo, é feito sempre  ou quase sempre  sem a menor preocupação com a realidade ou a reputação dos indivíduos. É quase uma aposta no caos; tudo sem se perguntar qual a contribuição que tais posturas oferecem aos cidadãos, destinatários de informações que deveriam ser relevantes.

melpomen
melpomen

Não se trata aqui de um suposto conflito entre princípios, até porque a Constituição e diversas leis tutelam o princípio da liberdade de expressão, mas vedam posturas ardilosas e abusivas.

Diante desse cenário, e do potencial danoso que as notícias falsas podem provocar é imprescindível que o Estado brasileiro e a Justiça promovam respostas imediatas a essas demandas, devendo, inclusive, criar canais direto de contato com os provedores de internet e redes sociais, para excluir de forma célere tais "fake news", pois ofensas após perpetradas são difíceis de serem reparadas.

Essa desinformação generalizada já afeta diversas políticas públicas, veja o exemplo da queda da taxa da vacinação infantil [4], trazendo o risco da retomada de doenças já erradicadas [5], como sarampo e a poliomielite, por informações dissonantes e irresponsáveis a respeito das vacinas. Alguém tem dúvidas do impacto negativo e custo social, bem como econômico, que o Estado já está tendo em razão de fatos como esse? Logo, sem a menor sombra de dúvidas, as medidas anunciadas pela AGU objetivam atacar essa praga.

Cabe à Advocacia-Geral da União a representação judicial e extrajudicial da União, cujo assessoramento e consultoria estão restritas ao Poder Executivo, mas a representação judicial abrange todos os Poderes da República, compreendendo o Poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário, bem como os demais agentes públicos federais, conforme dispõe o artigo 22 da Lei n° 9.028/95.

Logo, sendo dever dos seus membros dar suporte à execução orçamentária das competências da União, ou seja, exercer um papel direta ou indiretamente relacionado com a concretização das políticas públicas do Estado brasileiro. Por essas razões, as iniciativas em destaque vão ao encontro do papel destinado à AGU.

 


[1] BURGOS, Pedro. Nas eleições de 2018, desconfie da sua desconfiança. Super Interessante. 2 fev 2018. Disponível em: <https://super.abril.com.br/opiniao/nas-eleicoes-de-2018-desconfie-da-sua-desconfianca/> Acesso em: 12/06/2018.

[2] NUNES, Allan Titonelli. Propaganda negativa, mentira e desinformação. Revista Justiça Eleitoral em Debate  v.12, nº 2 (jul/dez 2022)  Rio de Janeiro  Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, 2022.

[3] 11º ciclo de debates ABRADEP 2022 [livro eletrônico] : Academia Brasileira de Direito eleitoral e político / organizadores Luiz Fernando Casagrande Pereira…[et al.].  1. ed.  Brasília, DF : ABRADEP, 2023, p. 176.

Autores

  • é procurador da Fazenda Nacional e desembargador Eleitoral Substituto do TRE/RJ, mestre em Administração Pública pela FGV, especialista em Direito Tributário, ex-presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (ABRADEP).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!