Opinião

Novo arcabouço fiscal: avanço possível

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19 de abril de 2023, 16h26

No último dia 30 de março, o governo Lula divulgou o novo arcabouço fiscal (NAF), que irá substituir a emenda constitucional do teto de gastos, conforme restou aprovado no artigo 6º da PEC da Transição, a Emenda Constitucional nº 126/22. Dentre as alterações mais importantes do novo regime, em relação ao atual do teto de gastos, estão a relação do limite de gastos com o comportamento da arrecadação passada e o crescimento do PIB, bem como o caráter anticíclico da nova proposta.

Vale lembrar que, no regime do teto de gastos, qualquer aumento de arrecadação está constitucionalmente vinculado aos credores do Estado, uma vez que toda a despesa primária está congelada independentemente do comportamento da economia ou da arrecadação, negando um futuro para os brasileiros que nasceram após a promulgação da emenda.

Constatada a inviabilidade da manutenção do teto de gastos para qualquer proposta de crescimento econômico e social, surge o debate se as medidas ora propostas terão o condão levar o país para o caminho do crescimento includente.

Uma importante contribuição para essa discussão foi o texto publicado pelo Centro de Pesquisas em Macroeconomia das Desigualdades da USP [1],que faz um estudo comparativo simulando os efeitos da nova proposta se já tivesse em vigor desde 2001. E o trabalho conclui que se já estivesse em vigor, as novas regras teriam garantido o crescimento das despesas nos governos Dilma 2, Temer e Bolsonaro, mas freado o crescimento durante os governos de Lula 1 e 2 e Dilma 1. Porém, essa restrição de gasto poderia ser compensada com a utilização do excedente do resultado primário em investimentos. Assim, a nova regra acaba por privilegiar os investimentos em relação às despesas de custeio, muitas delas vinculadas aos direitos sociais, como saúde, educação e proteção social.

Segundo ainda o estudo, para que esses efeitos restritivos aos gastos sociais sejam minimizados é necessária a elevação da carga tributária como já vem sendo proposta pelo Ministério da Fazenda ou uma reforma tributária progressiva.

Spacca
Advogado e professor Ricardo Lodi Ribeiro

Nesse contexto, é fundamental debater o papel do gasto público e da moeda como mola propulsora do desenvolvimento social e econômico, a fim de fugir das armadilhas da austeridade seletiva a que estão submetidos inclusive os governos progressistas em todo mundo.

Nas últimas décadas os acordes do monetarismo, embora não se prestando a resolver os problemas dos países e de suas populações, soou como melodia única nos ambientes políticos, econômicos e na mídia especializada, defendendo a redução dos gastos sociais e a manutenção de um sistema tributário altamente regressivo. 

Sem reequilibrar esse debate, não lograrão êxito as tentativas de superação das autolimitações artificiais que o legislador impôs em nosso país ao uso do gasto público como elemento de regulação econômica, como se fez com tanto êxito na segunda metade do século 20, em todo o mundo, sob a influência das ideias keynesianas. 

No entanto, é forçoso reconhecer que o governo atual não tem apoio suficiente para simplesmente revogar a emenda do teto de gastos sem a sua substituição em outra âncora fiscal que, em alguma medida, dialogue com a austeridade hoje hegemônica no mercado das ideias. 

Deste modo, no cenário presente, o novo arcabouço apresentado pelo governo federal é proposta substancialmente melhor do que o teto de gastos, em especial por duas razões. A primeira é pelo seu caráter anticíclico, que permite que os investimentos sejam mantidos ainda que a arrecadação esteja em queda, fazendo com que os períodos de recessão sejam mais suaves e mais rapidamente superados. A segunda é pela vinculação da âncora fiscal com o crescimento econômico e com a arrecadação.

A norma proposta autoriza o crescimento real das despesas primárias, não mais a partir de uma meta definida por um valor único, mas por bandas, com um intervalo de + 0,25% e – 0,25% do valor da referência em proporção o PIB. Assim, se a meta primária for cumprida dentro das bandas, o crescimento dos gastos poderá ser de 70% do crescimento das receitas. Caso contrário será de 50% desse crescimento.  Assim, ao contrário do regime do teto de gastos, o aumento de arrecadação, pelo menos em parte, poderá ser utilizado para as despesas sociais.

De acordo com o estado da arte atual em que o tema se encontra, o NAF é o avanço que a conjuntura política e social permite fazer neste momento, devendo, por esta razão, ser apoiada por todos aqueles que têm compromisso com um país que possa crescer distribuindo renda para todos, em especial para os cidadãos mais pobres.


[1] CENTRO DE PESQUISA EM MACROECONOMIA DAS DESIGUALDADES. Quais os efeitos do novo arcabouço fiscal sobre a trajetória de gastos públicos? Uma análise preliminar. Nota de Política Econômica nº 036, de 03.04.23. Marques, Pedro Romero;  Brenck, Clara Zanon;  Carvalho, Laura;  Rodrigues, Lucca Henrique Gustafson; Gomes, João Pedro de Freitas. Clique aqui para ler. Acesso em 16/4/2023.

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