Opinião

Impactos da nova Lei de Licitações e desafios de adequação para novo regime

Autores

  • Eduardo Carvalhaes

    é sócio na área de Direito Público e Regulação no escritório Lefosse Advogados mestre e doutor em Direito de Estado com especialização em Direito Público Relações Governamentais e Mercados Regulados.

  • Natássia Ueno

    é counsel de Life Sciences & Healthcare do Lefosse.

19 de abril de 2023, 21h27

O fim do período de convivência entre a NLLC (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos — Lei nº 14.133/2021) e o antigo regime de contratações públicas estava previsto para se concretizar em abril deste ano. Ocorre que nem todos os órgãos e entidades puderam se preparar para tais mudanças.

Como visto, após o pleito dos prefeitos reunidos durante a 24ª Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, em março, quando manifestaram a preocupação por não deterem a estrutura administrativa necessária para atender às inovações trazidas pela NLLC, o governo federal editou e publicou no Diário Oficial da União de 31 de março a Medida Provisória (MP) nº 1.167/2023, prorrogando até 29 de dezembro deste ano a vigência do antigo regime composto pela Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos Públicos), Lei nº 12.462/2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações — RDC) e a Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão).

Com a prorrogação do prazo, órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual e municipal podem publicar editais segundo as regras do antigo regime até 29 de dezembro, uma vez que tais diplomas legais estarão revogados em 30 de dezembro.

O novo prazo estabelecido pela MP nº 1.167/2023 está alinhado ao entendimento do Tribunal de Contas da União, avesso à ideia de que entes públicos posterguem indefinidamente a aplicação das novas regras de licitações. Com o intuito de uniformizar dúvidas referentes aos marcos temporais de utilização das antigas normas, o TCU havia estabelecido, em sessão plenária, conforme decisão exarada no TC nº 000.586/2023-4, que processos instruídos até 31.3.2023 que tenham optado por seguir a antiga sistemática, devem publicar o respectivo edital até 31.12.2023. Caso contrário, deverão ser observadas as novas regras da Lei nº 14.133/2021.

Já é possível identificar exemplos positivos de experiência de transição, como é o caso da Prefeitura Municipal de São Paulo, que na última semana de 2022 publicou o Decreto Municipal nº 62.100/2022, regulamentando as normas procedimentais para aplicação da NLLC no âmbito do Município. 

O decreto antecipou a aplicação do regime da NLLC aos editais e às contratações diretas municipais formalizados a partir de 1.2.2023  data em que passou a vigorar  antecipando-se, portanto, ao prazo fixado anteriormente pela própria NLLC.

Para os particulares que contratam com a Administração Pública, a nova sistemática de licitações produz impactos de menor e maior grau. Uma dentre as grandes inovações é a nova modalidade de licitação  o diálogo competitivo  um procedimento mais flexível, usado a critério da Administração, para fornecimento de produtos complexos e inovadores ou para execução de serviços e grandes obras que permite a participação dos licitantes interessados desde a fase interna da licitação para a elaboração do objeto em conjunto com os gestores públicos que não têm expertise para tanto.

Outra inovação de destaque é o critério de julgamento de propostas pelo maior retorno econômico, que é cabível em contratos de eficiência. Embora não seja novo no ordenamento jurídico, poderá ser aplicado com o objetivo de proporcionar economia ao contratante na forma de redução de despesas correntes. Da mesma forma, matrizes de riscos poderão ser estabelecidas e compartilhadas entre setor público e privado de acordo com a compatibilidade das obrigações e natureza do risco, o que não era expressamente previsto pela Lei nº 8.666/1993 e que pode conferir maior segurança jurídica e diminuir os litígios relacionados às contratações.

Na prática, além de medidas para capacitação de servidores e adequações internas, a alteração do marco legal das licitações e contratações tem culminado na edição de regulamentos pelos entes federativos, visando a compatibilizar a nova sistemática às particularidades do cenário em que inseridos.

Este movimento se deve às inovações trazidas pela NLLC. Em primeiro lugar, destaca-se a maior ênfase dada à etapa de planejamento da contratação estampada, sobretudo, 1) na possibilidade de órgãos elaborarem seus próprios Planos de Contratações Anual (PCA), projetando o que pretendem contratar no exercício seguinte, observando a adequação financeira e orçamentária; e 2) na exigência de que a contratação seja planejada com base em um fluxo de etapas internas para a adequada identificação da necessidade a ser satisfeita e a respectiva solução que, das perspectivas técnica, econômica e orçamentária, represente a melhor alternativa.

Em segundo lugar, há maior preocupação em aperfeiçoar a cultura de governança no ambiente das contratações públicas, sem, entretanto, interferir na autonomia dos órgãos, a quem compete implementar seus próprios processos e estruturas voltados à avaliação, ao direcionamento e ao monitoramento dos processos licitatórios e os respectivos contratos.

Os impactos trazidos pela NLLC são inúmeros  difíceis de listar em poucas linhas  e muitos deles exigirão uma mudança organizacional relevante da Administração não só em termos de infraestrutura técnica e humana, mas também cultural para que os gestores públicos passem a atuar de forma mais arrojada, mais próxima das práticas do mercado privado sem deixar de lado o inexorável interesse público que permeia as suas atividades.

A par das discussões travadas sobre a vigência definitiva da NLLC e a capacidade individual das administrações de se adaptarem às novas regras, fato é que, se bem empregados, espera-se que, por meio destes novos instrumentos, a NLLC incentive a racionalização e desburocratização das contratações públicas, sem que a transição prejudique o atendimento das necessidades de cada localidade e sem intercorrências na prestação de serviços essenciais para a população, respeitando-se as relações com fornecedores eventualmente contratados sob a vigência do antigo regime em prestígio à segurança jurídica que deve prevalecer em toda interação público-privada.

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