Direito Digital

Liberdade de expressão, limites e alternativas em tempos de pós-verdade

Autores

  • Bernardo S. D. Fico

    é mestre em Direito Internacional pela Northwestern Pritzker School of Law pós-graduado em Direito Digital pela Uerj bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e especialista em Direitos Humanos (Stanford 2016) Direito Internacional (OEA-RJ 2017) Human Rights Advocacy (Lucerne 2017) Media Law (Oxford 2018) e Diversidade Sexual e Direitos Humanos (Clacso 2018).

  • Milton Pereira de França Netto

    é pesquisador do Legal Grounds Institute doutorando em Direito na linha de Cidadania Digital pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) mestre em Direito pelo Centro Universitário Cesmac e advogado.

18 de abril de 2023, 8h00

– Durante as próximas semanas, o Legal Grounds Institute revisitará os principais tópicos abordados durante o seminário "Democracia e Plataformas Digitais" organizado em conjunto com a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP).

Figuraram como convidados do painel de abertura do evento, pautado pelo tema "Liberdade de Expressão, Limites e Alternativas em Tempos de Pós-Verdade": o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes; e os professores(as) Celso Fernandes Campilongo (FDUSP), Eugênio Bucci (ECA/USP) e Ana Bechara (FDUSP).

 

A liberdade de expressão, conforme relembram cada um dos expositores, é um direito fundamental, garantido constitucionalmente e essencial à manutenção da democracia como a conhecemos. Nas palavras de Ana Elisa Bechara, "[a liberdade de expressão tem] essência contramajoritária [… e] não tem ninguém […] que esteja imune à crítica ou à fiscalização, que são legítimas e bem-vindas, mesmo que elas sejam ácidas […] ainda que [o que está sendo dito] seja justo ou injusto, ainda que incomode a quem quer que seja".

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Apesar disso, os "tempos de pós-verdade" lidam com desafios que lhe são peculiares. Como relembrou Eugênio Bucci, a "mentira" sempre esteve associada aos discursos (políticos ou não) e, como colocou Bechara, há controvérsia até mesmo quanto à existência de um "dever de dizer a verdade". Contudo, o acesso à tecnologia atual permitiu, nas palavras de Bucci, que "a mentira pass[asse] a circular numa escala […] superindustrial". Um dos elementos de facilitação à disseminação dessas informações é o que Celso Fernandes Campilongo relatou como o artifício simplificador das redes sociais nas relações cotidianas, que se mostra presente desde as interações facilitadas pelas trocas de memes até à comunicação em massa empreendida nas plataformas digitais.

Em meio à atual conjuntura de viralização da informação, aponta Campilongo, há gravosas consequências para os campos político e social, nos quais se instauram obstáculos a serem enfrentados sob a perspectiva jurídica, atinentes às relevantes questões de regulação das redes sociais e do uso da internet, e do livre exercício da imprensa. Em convergência às opiniões dos demais, o ministro Alexandre de Moraes exprime que, hoje, "a grande batalha da democracia é contra a desinformação".

O ministro destacou que o debate em torno das plataformas digitais envolve duas premissas centrais. A primeira é a compreensão de que a discussão se foca na ausência de uma "liberdade de agressão [tipicamente associada às] milícias digitais", e não busca limitar ou diminuir a liberdade de expressão. A segunda premissa remete à ação coordenada desses grupos, consequência da descoberta das redes sociais como avenidas para uma comunicação massificada e, ainda, sem grande controle.

Moraes aponta o caso do bloqueio do Telegram no país como um marco no avanço da relevância do Brasil no tema da interação entre Estados e grandes empresas de tecnologia, tendo o precedente brasileiro sido inclusive citado no exterior. Bechara, Bucci e Campilongo concorrem no entendimento de que os limites da liberdade de expressão na pós-verdade é uma questão supranacional, e que passa pela coordenação com empresas de tecnologia estrangeiras.

Nesse cenário, Moraes propõe um questionamento: "por que o que não pode ser feito no mundo real, pode[ria] ser feito no mundo virtual?". O Ministro sugere resolver essas questões, não com regulações excessivas, mas com a adaptação de instrumentos tradicionais ao ambiente digital, e com a atribuição de responsabilidade às big techs perante os conteúdos impulsionados e/ou monetizados por meio de seus algoritmos. A proposta do Ministro tem como premissa o fato de que as grandes empresas de tecnologia são modelos de negócio diferenciados — e não meros intermediários ou depositários de textos, imagens e vídeos — devendo, portanto ter suas obrigações norteadas pelo binômio constitucional da "liberdade com responsabilidade".

Tanto Bechara quanto Bucci mostraram preocupação com a forma pela qual se poderia regular discursos que escapem dos limites da liberdade de expressão, tendo ambos apontado para a "regulação do meio" ou do "método" como um caminho mais adequado que a regulação do conteúdo em si. Neste mesmo ponto, Moraes pondera que as visões de regulação — entre acadêmicos, empresas, sociedade civil etc. — são diversas, mas frisa que "[as big techs] querem cooperar; a visão delas é cooperativa". Para Moraes, a cooperação das big techs com instituições públicas é, também, fruto de receio de que a instrumentalização orquestrada por grupos extremistas possa vir a ocasionar a ruína de seus próprios domínios virtuais.

Uma das estratégias de enfrentamento à pós-verdade e à disseminação de ódio mencionadas pelo ministro é a adoção de um controle similar ao monitoramento das violações de direitos autorais, por meio de detecção textual. Nos casos de discursos de ódio e/ou atentatórios à ordem democrática, seria possível aplicar estratégia similar àquela da proteção aos direitos autorais, por exemplo, com a remoção de conteúdos repetitivos e idênticos àqueles já classificados pelo Judiciário como inadequados. Aos usuários em situações relevantemente diferentes — com discurso crítico ao conteúdo original, por exemplo — caberia o ônus de demonstrar não estarem enquadrados na ordem geral de remoção.

Apesar de, como pontuou Moraes, essas iniciativas não eliminarem os problemas que orbitam as redes sociais, tais incumbências aumentam a contribuição das big techs para restauração de um cenário de equilíbrio no combate à desinformação, a ser reavaliado periodicamente para fins de alteração ou aperfeiçoamento. O foco, como indica Bucci, não é criar um "grande irmão da verdade" que controle o que foi dito, mas, nas palavras de Bechara "tensionar a capacidade democrática de seguir e de ser coerente com os seus próprios valores e essência".

Autores

  • é mestre em Direito Internacional pela Northwestern Pritzker School of Law, pós-graduado em Direito Digital pela Uerj, bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e especialista em Direitos Humanos (Stanford 2016), Direito Internacional (OEA-RJ, 2017), Human Rights Advocacy (Lucerne 2017), Media Law (Oxford, 2018) e Diversidade Sexual e Direitos Humanos (Clacso, 2018).

  • é doutorando em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), mestre em Direito pelo Centro Universitário Cesmac, pesquisador no Legal Grounds Institute e advogado.

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