Opinião

Cabimento de recursos em decisões interlocutórias nos juizados especiais

Autor

  • Bruno Augusto Sampaio Fuga

    é advogado professor doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP (2020) pós-doutorando pela USP membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina (PR) mestre em Direito pela UEL (linha de Processo Civil) pós-graduado em Processo Civil (2009) pós-graduado em Filosofia Jurídica e Política pela UEL (2011) coordenador da Comissão de Processo Constitucional da OAB Londrina membro do IBPD e IAP conselheiro da OAB Londrina e editor-chefe da Editora Thoth.

17 de abril de 2023, 9h17

Este artigo trata sobre o cabimento ou não de recursos de decisões interlocutórias nos juizados especiais. Na ótica dos juizados especiais cíveis, há fundamento pelo óbice da interposição do agravo de instrumento por ser ele supostamente contrário à celeridade almejada no âmbito dos juizados (assim também Enunciado 15 Fonaje). A própria Lei 9.099/95, inclusive, traz expressa previsão legal de apenas dois recursos, o recurso inominado (artigo 41) e embargos de declaração (artigo 48).

Com o propósito de demonstrar o direito jurisprudencial firmado em alguns estados da federação, passaremos a analisar inicialmente o estado de São Paulo.

Destacamos que, nos colégios recursais do estado de São Paulo, a matéria já foi objeto da edição de dois verbetes no 1º Encontro dos Colégios Recursais pela admissibilidade de cabimento do Agravo de Instrumento: "Enunciado 02: É admissível, no caso de lesão grave e difícil reparação, o recurso de agravo de instrumento no juizado especial cível (grifo meu); Enunciado 07: Somente se reforma a decisão concessiva ou não da antecipação de tutela se teratológica, contrária à lei ou à evidente prova dos autos".

Assim, sobre o tema, a súmula da turma de uniformização dos juizados especiais do Distrito Federal: "Súmula nº 7, Cabe agravo de instrumento contra decisão que nega seguimento a recurso inominado, contra atos praticados nas execuções e no cumprimento de sentença, não impugnáveis por outro recurso, desde que fundado na alegação da ocorrência de erro de procedimento ou contra ato apto a causar dano irreparável ou de difícil reparação".

Por sua vez, a turma recursal dos juizados especiais no Paraná não admite interposição de agravo de instrumento, o fundamento é por ausência de previsão legal [1]. Na turma recursal de Minas Gerais, há jurisprudência autorizando a interposição de agravo de instrumento [2]. A turma recursal do Rio Grande do Sul tem o direito jurisprudencial pelo não cabimento do agravo de instrumento [3].

O primeiro ponto de destaque é a não harmonia na "interpretação" pelas turmas recursais dos Estados de cabimento ou não do agravo de instrumento como recurso para recorrer de decisões interlocutórias. O não concesso na interpretação certamente causa insegurança jurídica.

Desde logo afirmamos que entendemos pela não possibilidade de interposição do agravo de instrumento com meio recursal para recorrer de decisões interlocutórias — posição para a qual os argumentos serão adiantes descritos.

Primeiro, e afirmaremos isso adiante, não há previsão legal na Lei 9.099/95 pelo cabimento do referido recurso. Segundo, o Código de Processo Civil de 2015 em nenhum momento autoriza referida interpretação. Terceiro, afirmar ter cabimento o agravo de instrumento tornaria preclusa a decisão não recorrida?

Certamente a ausência de previsão legal para interpor recurso da decisão interlocutória traz a impossibilidade de preclusão pela não existência de recurso. De tal maneira, decisões proferidas podem ser questionadas na ocasião do recurso inominado, mesmo entendendo pelo cabimento do mandado de segurança (ao final discorreremos sobre o assunto).

Quarto, o rol do Código de Processo Civil de 2015 é atualmente mais restritivo nas hipóteses de cabimento. Sendo pela interpretação de cabimento do agravo de instrumento no âmbito dos juizados especiais, os recursos manejados estariam limitados ao rol do artigo 1.015? Sendo necessário recorrer e não estando no rol, deveria ser ajuizado mandado de segurança?

Quinto, admitindo o agravo de instrumento, todo procedimento a ele pertinente deveria ser seguindo, como: obrigação de documentos para sua instrução (artigo 1.017); adotar a sanabilidade por eventual vício sanável (artigo 1.017, §3º); possibilidade de inadmissibilidade do agravo de instrumento pela não juntada no processo de origem, recorrido da comunicação de interposição do agravo (artigo 1.018); caberia recurso de agravo interno (artigo 1.021) da decisão monocrática proferida no agravo de instrumento; caberia sustentação oral (artigo 937, VIII).

São esses alguns exemplos elencados da problemática de afirmar de ser possível a interposição de agravo de instrumento nos juizados especiais. A lei específica sobre o tema (Lei 9.099/95) não traz referida previsão, ao contrário, o objetivo dela é justamente restringir o referido recurso. O Código de Processo Civil, como afirmado, também não permite. Seria então, no mínimo, um esforço imenso para a hermenêutica afirmar ser possível o cabimento do agravo de instrumento na referida lei.

E na hipótese de entender pelo cabimento, outras grandes problemáticas deveriam ser solucionadas, assuntos estes específicos do próprio recurso (como descrito acima), pois dizer ser possível o referido recurso traz outros diversos questionamentos inerentes.

Importante destacar também que, na hipótese dos juizados especiais cíveis, é faculdade do autor o ajuizamento da ação pelo referido rito [4], ou seja, entendendo por essa restrição recursal e problemática existente, a escolha é do autor pelo ajuizado no âmbito dos juizados. Mas essa escolha não afeta o réu, ao réu não há faculdade estar no âmbito dos juizados especiais, pois a escolha certamente é do autor. Assim, há em determinando momentos a real necessidade de recurso pelo autor, e mais especificamente ao réu (que não poderá pedir extinção do processo e ajuizar na justiça comum — voltaremos ao assunto quando discorrermos sobre mandado de segurança e a necessidade de não fechar as portas do Judiciário para recorrer de decisões interlocutórias excepcionais.

Importante também lembrar que essa discussão tem outros contornos em relação os Juizados Especiais Cíveis da Justiça Federal e Juizados Especiais da Fazenda Pública. Com previsão legal, a Lei 10.259/01, arts. 4º e 5º, no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Federais, tem-se possível recurso de decisão interlocutória. A previsão legal, importante destacar, é para decisões que possam causar "dano de difícil reparação", para outras decisões proferidas não há previsão de recurso [5]. Em sentido similar, no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, com previsão legal pela Lei 12.153/09, artigo 3º.

Considerações sobre o Código de Processo Civil
Ainda sobre o tema geral do artigo, pensamos não ser o caso de uma interpretação do Código de Processo de 2015, que é posterior às leis dos juizados especiais, para afirmar ser cabível agravo de instrumento no âmbito dos juizados especiais cíveis. Primeiro, o Código de Processo de 2015, quando quis asseverar ser aplicáveis suas disposições no âmbito dos juizados especiais, afirmou isso de forma expressa (artigo 985, I, artigo 1.062, artigo 1.063). Segundo, de forma expressa, o Código (artigo 1.046, §2º) determinou que permaneceram em "vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código". Terceiro, os juizados especiais são nutridos de princípios próprios, com vista à autocomposição, celeridade, economia processual, simplicidade, informalidade e oralidade.

Também é preciso dizer que, com a advento das alterações no recurso de agravo de instrumento com o atual Código, o princípio da imprescritibilidade das interlocutórias (pelo que não positivado no rol do artigo 1.015) se aplica também no âmbito dos juizados especiais.

De tal modo, já fizemos aqui algumas considerações sobre o não cabimento do agravo de instrumento no âmbito dos juizados especiais cíveis, considerações estas que devem ser somadas ao presente argumento descrito acima, pois o Código de Processo Civil não traz previsão legal para positivar referida interposição do recurso.

Como já afirmado, entendemos pelo cabimento do mandado de segurança como alternativa para "recorrer" de excecionais decisões. Os fundamentos para a referida argumentação serão adiante descritos.

Mandado de segurança e considerações finais
O mandado de segurança tem revisão legal na Constituição, artigo 5°, incisos LXIX e LXX, e foi disciplinado pela Lei nº 12.016/09. Diante, assim, da ausência de previsão legal de recorribilidade de decisão interlocutória nos juizados especiais, especialmente nos juizados especiais cíveis, questionamos se seria possível impetrar mandado de segurança com a referida finalidade.

Em súmula nº 267, o STJ já afirmou que "Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição". Esse é, inclusive, o texto legal disciplinado pela Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, artigo 5º.

Dessa forma, sendo passível de recurso, o mandando de segurança não terá cabimento. Porém, como não há recurso de decisões interlocutórias nos juizados especiais cíveis, a súmula não se aplica. Adiante seguimos com esse raciocínio.

Por sua vez, a Súmula nº 376 do STJ afirma que: "Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial". Os precedentes citados pelo STJ para a elaboração da súmula são: AgRg no RMS 17.283-RS; CC 38.020-RJ; CC 39.950-BA; CC 40.199-MG; CC 41.190-MG; REsp 302.143-MG; REsp 690.553-RS; RMS 17.254-BA; RMS 18.949-GO; RMS 20.214-RJ; RMS 20.233-RJ.

Não é possível extrair uma única ratio dos precedentes que deram origem à súmula 376 do STJ, mas se fosse seria pela possibilidade de cabimento de mandando de segurança no âmbito dos juizados (juizado de forma geral), sendo de competência para o julgamento as turmas recursais. Destacamos, inclusive, a passagem: "mandado de segurança, toda vez que houver algum ato praticado com ilegalidade ou abuso de poder, o remédio cabível é o mandado de segurança, por se cuidar de uma garantia constitucional" (REsp nº 690.553/RS).

Ocorre que o STF, no tribunal pleno, em maio de 2009, no RE 576.847-3/BA, em clara e importante ratio sobre o tema, afirmou, em síntese, não ter cabimento de mandando de segurança das decisões interlocutórias em processos submetidos da Lei 9.099/95, afirmou também o ministro Eros Grau (relator) não ter cabimento o agravo de instrumento [6]. O argumento da corte é a faculdade das partes em aceitar o rito sumaríssimo. Por maioria, foi essa então a decisão, com repercussão geral, proferida pelo STF.

Destacamos no julgamento o voto vencido do ministro Marco Aurélio. Afirmou o ministro que não era possível fechar a porta diante de situações excepcionais para corrigir erros irreparáveis. Seria essa uma exceção descrita na Lei 1.533/51 [7] e, assim, para o ministro teria cabimento o mandado de segurança.

Sobre um dos principais argumentos do STF para afirmar não ser possível mandado de segurança, constando ser faculdade das partes aceitar o rito sumaríssimo dos juizados especiais, entendemos ser essa justificativa incorreta. A incorreção pode ser verificada, pois a faculdade do ajuizamento é do autor, não do réu que se vê citado no processo. Para o autor, é faculdade ajuizar ou não ações no âmbito dos juizados especiais cíveis, mas ao réu compete se defender; todavia, em certos momentos, pelo não cabimento de agravo de instrumento, o mandado de segurança pode ser a única peça processual para evitar dano irreparável.

Desse modo, o argumento de ser faculdade das partes a escolha pelo ajuizamento da ação nos juizados especiais cíveis não basta para negar cabimento ao mandado de segurança. Como afirmado, ao réu que precisar recorrer de decisão abusiva, teratológica, que possa causar dano irreparável, o mandado de segurança pode ser pertinente e única peça cabível.

Com esse argumento, afirmamos concordar com o voto vencido do ministro Marco Aurélio, no RE 576.847-3/BA, pelo argumento de "não ser possível fechar a porta diante de situações excepcionais para corrigir erros irreparáveis".

Verificamos que, de acordo com a Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, artigo 5º: "Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I – de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II – de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; III – de decisão judicial transitada em julgado".

Assim, o não cabimento de recurso das decisões interlocutórias nos ajuizados especiais atende o disposto no inciso, segundo acima transcrito, tornando, nesse sentido, possível o cabimento da mandando de segurança. Ademais, pelos motivos já expostos na anteriormente, melhor será o cabimento de mandado de segurança se comparado com o agravo de instrumento.

O sistema atual traz insegurança e, de tal modo, quando o direito é incerto, o governo é dos homens e não da lei [8]. Melhor seria a previsibilidade, um rígido sistema dificultando recursos contra decisões interlocutórias, mas não sua total restrição. A segurança jurídica vem pela lei, é a lei que liberta e a liberdade que oprime [9] — não saber qual o recurso pertinente para decisões que possam causar dano irreparável abre um grande poder discricionário que causa insegurança.

A insegurança jurídica é manifestada, por exemplo, em enunciados ou decisões de turmas recursais, impedindo ou autorizando recurso de decisões interlocutórias.

Por fim e pelo todo já exposto, o mandado de segurança pode ser utilizado como sucedâneo recursal decorrente de imperfeições do sistema recursal nos juizados especiais cíveis pela impossibilidade sistêmica de adotar todo o microssistema recursal do agravo de instrumento, pois, se adotado, maior insegurança seria criada, pelo fato de ser, inclusive, contra legis e o mandado de segurança, não (conforme demonstrado acima).

 


[1] Assim: TJ-PR, 5ª TURMA RECURSAL, Autos nº. 0003454-35.2020.8.16.9000; (TJPR – 5ª Turma Recursal, 0000663-93.2020.8.16.9000 J. 16.03.2020); (TJ-PR – 5ª Turma Recursal – 0000399-76.2020.8.16.9000 – J. 26.02.2020); (TJ-PR – 3ª Turma Recursal – 0001290-97.2020.8.16. J. 20.05.2020); (TJ-PR – 3ª Turma Recursal – 0000782-54.2020.8.16.9000 – J. 20.03.2020).

[2] Recurso nº 0209.16.006601-2. 28/01/2021

[3]Agravo de Instrumento, nº 71009894478, 23-02-2021; Agravo de Instrumento, nº 71009888207, 22-02-2021).

[4] FONAJE, enunciado nº 01: "O exercício do direito de ação no Juizado Especial Cível é facultativo para o autor".

[5]Ver sobre em Turma Nacional de Uniformização Recurso Inominado nº 200238007007994, 22/10/2002, e Enunciado do Fonajef nº 88.

[6] Aqui há um perigo em tentar ampliar o objeto a ser julgado. Essa é apenas uma obiter dictum, sem contraditório e sem ratio sobre o tema. Não deve essa passagem sobre o voto valer como ratio decidendi do julgamento.

[7] Assim era a Lei, hoje revogada: "Art. 5º – Não se dará mandado de segurança quando se tratar: I – de ato de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independente de caução. II – de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correção. Atualmente o assunto é disciplinado pela Lei nº 12.016/08/09, art. 5º.

[8] KOCOUREK, Albert. An introduction to the science of law. Boston. Little, Brown, and Company. 1930, p. 179.

[9] Henri-Dominique Lacordaire. Conférences de Notre-Dame, 1872. Conhecem, portanto, aqueles que não o conhecem, conhecem os inimigos de Deus e da raça humana, seja qual for o nome que adotem, que entre os fortes e os fracos, os ricos e os pobres, o senhor e o servo, é a liberdade que oprime e a lei que liberta. A lei é a espada dos grandes, o dever é o escudo dos pequenos. (tradução livre)

Autores

  • é advogado, professor, doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, pós-doutorando pela USP, membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina, mestre em Direito pela UEL (linha de Processo Civil), pós-graduado em Processo Civil, pós-graduado em Filosofia Jurídica e Política pela UEL, coordenador e fundador da Comissão de Processo Civil da OAB/Londrina e vice coordenador da comissão.

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