Opinião

Relevo dado à palavra da vítima nos crimes que atentam contra dignidade sexual

Autor

  • Anderson Almeida

    é advogado criminalista especialista em Direito e Processo Penal (ABDConst-PR) em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) relator da 1ª Câmara Julgadora da OAB-SC e fundador do escritório Anderson Almeida Advogados.

17 de abril de 2023, 16h25

Muito se fala do especial relevo que é dado à palavra da vítima, especialmente em delitos praticados no âmbito doméstico e familiar e, sobretudo, em crimes que atentam contra a dignidade sexual.

O tema é de suma relevância, tendo em vista que, nos últimos anos, inúmeros casos de repercussão midiática — a exemplo do caso Mariana Ferrer; do caso Neymar (Najila); e do recentíssimo caso do jogador Daniel Alves  retrataram, na prática, a importância de se dar guarida, de modo igualitário, para ambas as versões, prestadas pelo acusado e pela vítima.

Neste ínterim, importa destacar que, nos tempos atuais, não é raro nos depararmos com denúncias oferecidas pelo Ministério Público (e até mesmo condenações proferidas pelo juízo a quo) com base, tão somente, na palavra isolada, unilateral e nebulosa da vítima, sendo evidente que o Estado-investigação/acusação, por vezes, dispõe de inúmeras fontes de prova para corroborar  ou não  os fatos até então narrados por ela.

O ponto chave é que a palavra da vítima possui, evidentemente, especial relevo quando se trata de delito que abrange a dignidade sexual, no entanto,  e aqui reside o embrião da problemática  a palavra da vítima deve ter especial relevância, se corroborada por outros elementos colhidos no bojo das investigações e, sobretudo, das provas firmadas sob o crivo do contraditório em sede de instrução.

Além do mais, é fato público e notório que grande porcentagem dos crimes que atentam contra a dignidade sexual, ocorrem em locais distantes, na ausência de câmeras de monitoramento ou até mesmo de testemunhas oculares.

Dito isso, o que jamais pode acontecer, é o Estado-acusação tomar como verdade absoluta a palavra isolada  e, muitas vezes, contraditória  da vítima, ocasionando uma inaceitável inversão do ônus da prova (o ônus da prova é da acusação, logo, a acusação deve comprovar que o acusado é culpado e nunca o contrário). O papel do acusado no jogo processual é, tão somente, de se defender dos fatos que lhe foram imputados, fazendo uso de todos os meios legais para tanto. Não cabe ao acusado correr atrás de prova para comprovar sua inocência. Repito, é tarefa do Estado-acusação.

Nesta linha de raciocínio, o especial relevo deve ser assegurado à palavra da vítima, no entanto, quando conivente aos fatos e ao acervo probatório contido nos autos do caderno processual. É, justamente, o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC): "[…] a palavra da vítima é de fundamental importância para a devida elucidação dos fatos, constituindo elemento hábil a fundamentar um veredicto condenatório, quando firme e coerente, máxime quando corroborada pelos demais elementos de prova encontrados nos autos". (TJ-SC – APR: 00045669320158240075 Tubarão 0004566-93.2015.8.24.0075, relator: Paulo Roberto Sartorato, Data de Julgamento: 13/9/2018, 1ª Câmara Criminal).

Por sua vez, o c. Superior Tribunal de Justiça, de igual modo, assevera que: "a palavra da vítima tem relevância diferenciada nos crimes contra a dignidade sexual" (AgRg no AREsp: 1103678 PR 2017/0123270-3, relator: ministro Ribeiro Dantas, Data de Julgamento: 26/2/2019, T5  5ª Turma, Data de Publicação: DJe 6/3/2019), entretanto, é uníssono ao dispor que, atribui-se o especial relevo, "quando coerente, sem contradições e em consonância com as demais elementos colhidos nos autos". (AgRg nos EDcl no AREsp: 1.147.225 MG 2017/0205438-8, relator: ministro Felix Fischer, Data de Julgamento: 2/8/2018, T5 – 5ª Turma, Data de Publicação: DJe 15/8/2018).

É indiscutível, nesta senda, que o processo penal, por si só, já é uma verdadeira penitência ao cidadão que passa a ocupar a bancada dos réus, tendo que suportar toda a estigmatização gerada pelos gravíssimos "estereótipos" que lhe são atribuídos, sobretudo quando o caso examinado paira sob os holofotes da mídia.

Conclui-se, portanto, que há de se tomar muito cuidado com acusações levianas e precipitadas que, diariamente, são bombardeadas pela imprensa nacional e internacional. Nunca é demais relembrar que a vítima pode declarar o que bem entender em seu favor, contudo, é dever do Estado-Acusação apresentar prova indubitável de que o fato realmente ocorreu. Do contrário, estar-se-ia ferindo alguns dos princípios mais importantes contidos na Constituição, o do contraditório (artigo 5º, inciso LV) e, sobretudo, da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII).

Autores

  • é advogado criminalista, sócio fundador do escritório Agacci & Almeida Advocacia Criminal, especialista em Direito e Processo Penal (ABDConst-PR) e especialista em Direito Penal e Criminologia (PUC-RS).

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