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'É importante que o juiz esteja integrado à comunidade e conheça a sua realidade'

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16 de abril de 2023, 8h48

As associações de magistrados atuam como "braço político do Poder Judiciário". Elas defendem os interesses da magistratura no Legislativo e nos próprios tribunais, por meio de um trabalho de seleção de pautas e reuniões com partidos, bancadas e autoridades.

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Esse panorama é traçado pelo juiz Jayme de Oliveira, que foi presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) entre 2014 e 2016 e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) entre 2017 e 2019. Na magistratura desde 1991, ele atualmente compõe a 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo e também o Conselho Nacional do Ministério Público.

Nas suas gestões à frente das associações, Jayme intensificou a atuação legislativa, além de promover melhorias nos departamentos jurídico, administrativo, financeiro e de comunicação. Ele foi o primeiro juiz de primeira instância a ocupar a presidência da Apamagis, e todas as suas medidas à frente da associação estadual foram mais tarde levadas à AMB.

Com isso, Jayme inaugurou uma nova geração de magistrados no movimento associativo contemporâneo, que vem dando continuidade ao seu legado. Nesse grupo se incluem o juiz Fernando Bartoletti (presidente da Apamagis entre 2018 e 2019), a juíza Vanessa Mateus (atual presidente da associação paulista) e a juíza Renata Gil (presidente da AMB entre 2020 e 2022).

Atualmente, uma das prioridades dessas associações no Congresso é a proposta de emenda à Constituição que institui um adicional por tempo de exercício aos magistrados. Elas também buscam a possibilidade de permuta entre juízes de estados diferentes em níveis equivalentes. Outro pleito antigo é o direito de todos os juízes votarem nas eleições para a presidência dos TJs.

Com relação a todos os temas relacionados à magistratura, Jayme defende o debate, o diálogo e a participação das associações antes de qualquer resolução. Para ele, por exemplo, os juízes não podem deixar de tomar decisões devido ao seu impacto econômico, mas as associações, junto com outros órgãos, podem ajudar a discutir caminhos para mitigar eventuais efeitos negativos e solucionar demandas sociais.

"O juiz é um agente de transformação social. Ele tem de estar inserido no seu meio social e conviver com a sua comunidade. É muito importante que ele esteja integrado e conheça a sua realidade", assinala Jayme em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, na qual fala também sobre,,,

Leia a seguir a entrevista:

ConJur — Qual é o papel das associações de magistrados?
Jayme de Oliveira — O movimento associativo surgiu por uma necessidade solidária, de agregação. As associações surgiram como entidades beneficentes.

Em 1988, um novo modelo começa a surgir no associativismo. A Constituinte modifica os paradigmas do Judiciário. Nós saímos de um Judiciário com 300 mil processos por ano para o que tínhamos alguns anos atrás: 70, 80 milhões de processos. Isso exige uma nova realidade de gestão no sistema judicial. As associações assumem o papel de braço político do Poder Judiciário.

Odyr Porto, Régis de Oliveira e Sérgio Rezende, ex-presidentes da Apamagis, tiveram uma atuação muito intensa no Parlamento. Eles participaram da Constituinte. As associações criaram suas áreas de assessoria legislativa.

A Apamagis passou a ter atuação nas Assembleias Estaduais e no Congresso Nacional. Criou os cadernos legislativos e as agendas legislativas, passou a fazer reuniões com bancadas e partidos. E o que é fundamental: um novo modelo de comunicação. Quando você passa a ser mais demandado pela sociedade, você passa a ter de se apresentar mais. A partir de 1988, o Judiciário passa a ser demandado pela sociedade de maneira muito intensa e, ao mesmo tempo, passa a ser alvo de críticas e comentários, o que exige das associações a remodelação dos seus departamentos de comunicação e imprensa.

Quando eu venci as eleições de 2013, para assumir em 2014, fui o primeiro juiz de primeira instância a assumir a presidência da Apamagis. No meio do meu segundo mandato eu disputei e venci uma eleição na AMB. Nosso grupo levou tudo aquilo que foi feito na Apamagis para o modelo da AMB.

Em poucos anos, houve uma grande revolução no movimento associativo. Os juízes de primeiro grau assumiram um papel de maior destaque e as mulheres também chegaram à presidência das associações (tardiamente, poderia ter acontecido há bastante tempo).

Eu estou dando o exemplo da Apamagis e da AMB, mas isso se repete em associações de magistrados do Brasil todo — seja no âmbito das magistraturas estadual, federal, trabalhista ou mesmo da Justiça Militar.

ConJur — A magistratura está unida em torno das associações para defender seus interesses na política?
Jayme de Oliveira — Para os desafios dos tempos atuais, as associações estão extremamente preparadas. Há 15 anos, a Apamagis talvez tivesse um advogado para cuidar de assuntos mais administrativos e fiscais. Hoje, há um departamento jurídico com sete ou oito escritórios de advocacia parceiros.

Houve uma completa transformação do movimento associativo, sem perder o espírito da sua origem, que é o espírito de solidariedade e assistência. A entidade, acima de tudo, cuida dos seus juízes. Se o juiz tem um problema de saúde, é a associação quem socorre. Se o juiz passa por dificuldade, a associação é demandada para prestar apoio a ele.

Esse caráter assistencial nunca pode ser abandonado. Mas hoje as associações são entidades de atuação política, institucional, no Parlamento, nos tribunais, no Executivo, nas relações internacionais.

ConJur — As associações funcionam como um complemento para alguns aspectos da carreira que não são atendidos pelo Conselho Nacional de Justiça?
Jayme de Oliveira — O CNJ é um órgão de construção de política nacional e correcional. As associações, como um braço político do Judiciário, fazem a defesa institucional, porque o juiz e o tribunal, enquanto órgão institucional, não têm esse papel — e nem devem ter.

Se o juiz recebe críticas ou ataques, a associação tem a liberdade e o papel fundamental de fazer o esclarecimento público e trazer a defesa da instituição. Na nova realidade que vivenciamos, as associações defendem os magistrados, o Judiciário e a democracia.

ConJur — O que o senhor destaca das sua gestões na Apamagis e na AMB?
Jayme de Oliveira — Na Apamagis, a chegada de um juiz de primeiro grau, candidato de oposição, nos permitiu fazer grandes modificações no ambiente associativo. Começou pela parte administrativa e financeira: nós reordenamos o modelo e trouxemos a PwC, uma das maiores empresas de consultoria e auditoria, para examinar todos os fundos, contas e departamentos da associação. Nós, depois, fizemos essa mesma revolução na AMB.

Do ponto de vista do Legislativo, nós criamos agendas legislativas para a Assembleia Estadual e para o Congresso. Nas agendas, colocamos todos os projetos prioritários em andamento nessas casas. Contratamos uma assessoria específica para a Apamagis. A AMB já tinha. A partir disso, nós fizemos cafés com bancadas e partidos e levamos as preocupações da magistratura paulista com os projetos.

No jurídico, contratamos mais escritórios de advocacia. Só no primeiro ano, a Apamagis fez mais de 20 notas técnicas sobre os projetos que estavam em andamento e promoveu a contratação de pareceres jurídicos para embasar as teses que defendíamos nos projetos de interesse do Judiciário e da magistratura.

Na defesa das prerrogativas, tivemos uma atuação muito intensa no TJ-SP. Nós levamos as pautas e reivindicações da magistratura em relação às suas questões mais caras no estado.

A grande diferença que fizemos no caso de São Paulo foi uma atuação muito interiorizada. Nós fortalecemos muitos os juízes do interior, trazendo para São Paulo as reuniões de coordenação com as mesmas datas das assembleias deliberativas.

Também conseguimos assento e voz no Órgão Especial do Tribunal de Justiça, para assuntos que diziam respeito à magistratura paulista. Isso foi uma grande inovação na época.

ConJur — O que ainda resta fazer?
Jayme de Oliveira — Algumas pendências ficaram para trás, como é o caso das eleições diretas nos Tribunais de Justiça, que é um pleito antigo da magistratura. Há mais de 20 anos nós discutimos e debatemos o direito de todos os juízes poderem votar para eleger o presidente do Tribunal de Justiça dos seus estados. Hoje em dia, só os membros das cortes votam.

Essa é uma pauta caríssima para a magistratura brasileira. Está em andamento uma PEC no Congresso. Nós esperamos conseguir aprová-la em breve, porque ela é muito importante para um novo modelo de gestão do Poder Judiciário. 

Há um único estado no Brasil em que todos os juízes votam para a eleição do presidente do tribunal: Roraima, que já está na sua terceira eleição direta.

ConJur — Quais outras questões são prioridades na atuação legislativa da Apamagis?
Jayme de Oliveira — A pauta da valorização do tempo de magistratura, que é o antigo adicional por tempo de serviço, foi reapresentada agora pelo senador Rodrigo Pacheco. A PEC 10/2023 é hoje, talvez, a maior prioridade da magistratura brasileira e do Ministério Público brasileiro, porque restabelece o sentido de carreira.

O adicional por tempo de serviço sempre existiu na magistratura, mas foi retirado quando foi instituído um regime salarial de subsídios. Isso causou um grande prejuízo, porque o normal em uma carreira do serviço público é que o juiz mais velho, no final de carreira, esteja ganhando mais do que o juiz de início de carreira. Hoje, essa lógica está invertida, mas o adicional tem potencial para corrigir isso.

Existe também a PEC da Permuta, em discussão no Congresso, que permite que juízes de Direito possam permutar de um estado a outro, desde que estejam no mesmo grau, em entrância equivalente. Um juiz poderia permutar com outro desde que os dois tribunais estivessem de acordo e fosse cumprida uma série de requisitos. Isso ainda tem algumas resistências, mas a maioria dos presidentes dos Tribunais de Justiça hoje se mostra favorável.

No passado, os juízes de São Paulo só prestavam concurso em São Paulo. Hoje, em uma realidade social nova, os juízes estão prestando concurso em todos os estados. E aí acontece de ter um juiz do Acre que passou em Alagoas, um de Alagoas que passou em São Paulo, um de São Paulo que passou no Rio etc. Se um juiz de São Paulo tem interesse em ir para Goiás e o de Goiás tem interesse em ir para São Paulo, por que eles não poderiam permutar, se eles estão na mesma condição?

ConJur — A alta demanda do Poder Judiciário brasileiro causa uma sobrecarga sobre os juízes?
Jayme de Oliveira — Sem dúvida. Causa muito, porque o Judiciário não estava preparado para receber essa avalanche de processos.

Pesquisas da AMB já mostraram que juízes estão adoecendo mais em razão desse volume de trabalho. Aumentaram os casos, entre juízes e servidores, de depressão, síndrome do pânico e outras doenças psicológicas, além de suicídios. Vários juízes estão tomando medicamentos para enfrentar dificuldades relacionadas ao trabalho. Isso exige um olhar especial, seja do ambiente associativo, seja dos gestores. O movimento associativo tenta discutir políticas de saúde.

A sobrecarga é uma construção da Constituição de 88, porque ela abriu, de fato, as portas para o sistema de Justiça.

Há discussões a respeito de desjudicialização de algumas demandas. Isso já aconteceu em matéria de família, divórcio e separação, que saiu do Judiciário — quando é amigável, pode ser feito hoje em cartório. Há uma proposta tramitando no Senado para desjudicializar a execução civil. Segundo o projeto, também iria para cartório.

ConJur — A solução para essa sobrecarga, então, passa por mediação e conciliação?
Jayme de Oliveira — Sem dúvida. Em alguns países, a mediação prévia ao ajuizamento é obrigatória. Em outros, a mediação é obrigatória entre a sentença e o recurso no tribunal.

Não acho que isso serviria para todas as demandas, mas, em algumas delas, tais medidas são relevantes. Na área de família, por exemplo, é fundamental ter juízes habilitados e com tempo e disposição para fazer conciliação e mediação, porque ali os conflitos emocionais são grandes. Em outras demandas mais técnicas, como as tributárias, nem sempre.

A mediação e a conciliação ganharam tanta dimensão que a própria Advocacia-Geral da União tem hoje suas câmaras de conciliação para grandes causas.

O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, é um dos grandes defensores da mediação e da conciliação. O CNJ tem disciplinado e incentivado bastante a questão.

ConJur — Para melhorar a situação atual, o Judiciário precisa de mais juízes?
Jayme de Oliveira — Na maioria dos estados ainda há cargos vagos. Há uma carência, sim. E é difícil, o tempo de reposição não é o mesmo. Quando o juiz se aposenta e o cargo fica vago, é necessária a abertura de um edital, com um certo tempo para aquela vaga ser provida. Tudo isso acaba custando no quesito morosidade.

ConJur — O filtro de relevância do STJ traz a perspectiva de melhora nesse cenário de demanda altíssima, sobrecarga dos magistrados e morosidade?
Jayme de Oliveira — Em um sistema moderno, não há como escapar desses modelos. Essas políticas que, hoje, por alterações na Constituição ou nas leis, estabelecem os precedentes são importantíssimas para dar agilidade ao sistema.

ConJur — Recentemente, alguns juízes negaram pedidos de partes e advogados para participação remota em audiências. Na visão deles, se os magistrados são obrigados a se dirigir até o fórum para a audiência — como manda uma resolução do CNJ —, todos também devem ser. A justificativa é válida?
Jayme de Oliveira — Norma do CNJ tem de ser cumprida e ponto. Mas isso não exclui a possibilidade de continuarmos discutindo a nossa realidade.

O juiz é um agente de transformação social. Ele tem de estar inserido no seu meio social e conviver com a sua comunidade. É muito importante que ele esteja integrado e conheça a sua realidade. Por outro lado, há a possibilidade das audiências virtuais. O virtual traz muita facilidade e pode resolver muitos problemas.

Mas nem tudo pode ser feito no virtual. É muito importante o juiz ter contato com a parte. O contato apenas pelo celular ou pelo computador muitas vezes não é o contato de que se precisa — estar presente com todos os atores no ambiente de família, da infância e juventude, criminal etc.

O ambiente associativo deve procurar encontrar o ponto de equilíbrio e, aí, sim, levar essa demanda e conversar com os gestores, os presidentes dos tribunais e o CNJ, para aproveitar tudo de bom que a informática e o mundo virtual possam trazer, sem perder aquilo que é fundamental para a magistratura e para o MP: a presença no meio social e a confiança da sociedade. Eu não sei se esse cenário exige uma nova regulamentação agora, mas as associações têm de debater o assunto e levar a proposta, se for o caso, de modificação e sugestão.

ConJur — Como os magistrados são vistos pela população? Há confiança no Judiciário?
Jayme de Oliveira — Na minha gestão como presidente da AMB, foi feita uma pesquisa com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe). Ela ouviu advogados, promotores, a comunidade jurídica e a população no geral.

Segundo a pesquisa, o Judiciário, entre os órgãos públicos, é um dos que têm maior prestígio na sociedade. Estava bem acima, por exemplo, do Legislativo e do Executivo.

ConJur — A propósito, de acordo com uma outra pesquisa recente da AMB, feita em parceria com o Ipespe e a Federação Latinoamericana de Magistrados (Flam), metade dos magistrados brasileiros afirma já ter sofrido ameaças em virtude do exercício da função pública, e apenas 20% deles se sentem totalmente seguros. O que fazer para melhorar esse cenário?
Jayme de Oliveira —  As associações, especialmente a AMB, estão trabalhando muito nessa temática, acompanhando essas situações e procurando construir políticas com o CNJ — às vezes, a necessidade de carros blindados, aumento de segurança, escolta pessoal etc.

Na Colômbia, nos anos 1990, foi criado o "juiz sem rosto". As assinaturas das sentenças ficavam ocultas, para não expor o juiz, em um momento no qual o país vinha tendo vários atentados e assassinatos de magistrados. Isso acabou não vingando. Mais tarde, outra proposta foi a de que vários juízes assinassem a sentença.

Isso é apenas um debate. Hoje, nós estamos tratando a situação ainda caso a caso. Conforme a necessidade, os estados e seus tribunais vão tomando as medidas e o CNJ acompanha isso.

ConJur — A maioria das magistradas brasileiras já sofreu violência de gênero no ambiente de trabalho. Mais da metade das juízas já foi vítima de algum tipo de constrangimento ou discriminação no exercício de suas funções pelo fato de ser mulher. E quase metade delas deixa a ascensão profissional em segundo plano devido ao acúmulo de funções na família e no trabalho. Como é possível garantir um espaço seguro às mulheres na magistratura?
Jayme de Oliveira —  Políticas de proteção às mulheres — seja em relação à violência física ou à moral — e de aumento da participação delas nos órgãos de poder são encontradas em quase todas as associações de magistrados e do MP, mas o Brasil está muito atrasado e ainda há muito preconceito com relação ao tema.

O CNJ acabou de baixar uma regra que obriga, nas bancas de concurso, a formação paritária entre homens e mulheres. É só um exemplo das muitas políticas que podem e devem ser criadas para se corrigir essa distorção que existe no Brasil como um todo, em especial no sistema de Justiça.

ConJur — A inteligência artificial pode ser usada no Judiciário para julgar?
Jayme de Oliveira — Para julgar, não. Mas ela pode ajudar muito, para identificar as causas, selecioná-las etc. Vários tribunais têm criado os seus robôs.

O julgamento será, no meu ponto de vista, sempre um ato pessoal do magistrado no primeiro grau e de um colegiado no segundo grau — por mais que a causa seja repetitiva.

ConJur — Os juízes devem levar em conta o impacto econômico das decisões que tomam?
Jayme de Oliveira — Não é possível deixar de dar uma decisão em razão do impacto que ela possa causar. Mas é possível construir políticas de soluções racionais para o sistema.

O juiz tem de resolver o caso concreto, mas também não pode ignorar uma realidade do seu entorno. Nem sempre é ele quem vai resolver, mas o sistema, os gestores, o CNJ e as associações têm de discutir caminhos para isso.

Se nós somos agentes de transformação social, é a nossa obrigação, por um lado, decidir o caso concreto, mas, por outro, também discutir os melhores caminhos para a solução das demandas sociais. 

Por exemplo, o impacto que as decisões judiciais têm no sistema de saúde é enorme, especialmente no orçamento dos municípios, dos estados e mesmo da União. Municípios pequenos sofrem muito, porque muitas vezes não têm recursos suficientes para suportar uma demanda judicial e, ao mesmo tempo, manter o atendimento para toda uma comunidade. O juiz vive um conflito, porque há pessoas que necessitam de medicamentos de alto custo.

Discute-se muito hoje, por exemplo, a desjudicialização da saúde. É possível construir políticas e encontrar caminhos para equilibrar esse sistema.

ConJur — Recentemente, em um evento da Apamagis, o ministro Ricardo Lewandowski defendeu a criação de mandatos para integrantes do Supremo Tribunal Federal. O senhor também é a favor dessa proposta?
Jayme de Oliveira — A fixação pura e simples de mandatos não me parece o melhor caminho.

Em alguns países, há o mandato e a possibilidade de renovação. Se há a possibilidade de renovar o mandato, o magistrado da Corte Suprema pode ficar vulnerável para depois ter de passar por uma nova sabatina. Na minha concepção, isso é fora de cogitação.

Se um dia essa discussão se aprofundar, me parece que o melhor caminho seria ter dois modelos de aposentadoria integral: por completar 75 anos de idade e, por exemplo, depois de 20 anos de exercício (apenas uma referência) — o que acontecer primeiro.

Além dos problemas de eventual instabilidade da jurisprudência, ficar anos como ministro da corte e depois voltar para o mercado politizaria demais os tribunais.

Só com a aposentadoria por idade do ministro Lewandowski já se criou um debate público. Imagine o que isso, em uma certa frequência na sociedade, representaria para a Suprema Corte.

O nosso modelo é bom. O que poderia ocorrer é rediscutir o aumento da idade mínima, que hoje está em 35. Talvez aumentar isso. Também está sendo discutido no Congresso.

A maioria dos países europeus tem esse modelo de mandato. Mas nós temos de lembrar que o modelo judiciário deles é totalmente diferente do brasileiro. O nosso modelo, que é mais próximo do modelo americano, não condiz com a fixação de mandatos no STF. Mas, se um dia caminhar para isso, que seja pelo menos nessa forma de dois modelos de aposentadoria, como forma de garantia e proteção à Suprema Corte.

ConJur — O CNMP é criticado por evitar punições severas aos membros do Ministério Público. O órgão pune pouco? Há um corporativismo?
Jayme de Oliveira — Pela experiência que eu tenho, que é de oito meses no CNMP, não pune pouco. Nesse pouco tempo em que eu estou lá, tem tido muita advertência, muita censura e também suspensão no âmbito do Ministério Público. Punições que, a meu juízo, foram corretas.

No que diz respeito à matéria disciplinar, eu não sinto o corporativismo sendo determinante para a punição. Eu posso garantir — pelo menos na composição com a qual estou convivendo — que o Conselho está muito consciente das preocupações.

No MP, há uma Lei Orgânica Nacional e as Leis Orgânicas dos Estados. Muitas vezes, a Lei Orgânica regional tem um sistema próprio de punição e não é possível, por exemplo, dar uma suspensão direta se a pessoa não teve uma pena anterior — o membro tem de passar pelas punições mais leves: advertência e censura. Então, existem travas legislativas locais para uma punição mais grave. Não tem como escapar da lei em muitos casos.

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