Opinião

Regime de nulidades na Lei de Licitações

Autor

16 de abril de 2023, 9h18

A Lei nº 14.133/2021 trouxe uma grande (talvez a maior) inovação em relação aos contratos administrativos. Foi estabelecida uma nova sistemática para a análise de nulidades contratuais, com matriz consequencialista.

Seguindo a tendência inaugurada pela Lei nº 13.655/2018, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), a nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC) trouxe regras que demandam expressamente a análise das consequências das decisões de anulação de contratos, obedecida uma ordem sequencial de providências.

Pela sistemática da Lindb, em vez de escudar-se somente em conceitos e valores abstratos, o tomador da decisão tem o dever de avaliar, considerar e indicar de modo expresso as consequências da decisão. Não é viável, então, decidir sem considerar que própria decisão não é tomada de forma isolada, mas sim de maneira integrada em contexto maior.

Nesse contexto, o regime de nulidades dos contratos administrativos na Lei nº 14.133/2021 acabou por incorporar a mesma lógica focada nas consequências. Dessa vez, inclusive, com especificações mais expressas que tendem a auxiliar o administrador e aquele que avaliará suas decisões.

Com efeito, o artigo 147 da Lei nº 14.133/2021, que estabelece a base do regime de nulidades, prevê uma ordem sequencial de providências que devem ser tomadas diante da constatação de uma irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual.

A primeira providência a ser tomada diante do caso concreto de irregularidade é buscar sanear o vício. O dispositivo citado é muito claro ao afirmar que as demais atitudes devem ser tomadas "caso não seja possível o saneamento".

A doutrina do saneamento dos atos administrativos não é nenhuma novidade. Apesar de haver certa distinção entre correntes doutrinárias acerca dos gêneros e das espécies de saneamento, o que importa é compreender que sanear é corrigir e suprir uma invalidade como efeitos retroativos [1]. Nada disso é novo e a doutrina, a exemplo de Celso Antônio Bandeira de Mello, já defende há tempos que a correção das irregularidades sanáveis, quando cabível, é um dever do administrador, não um poder.

Dessa forma, sabendo que em nosso ordenamento a lei precisa expressar o óbvio, o artigo 147 da Lei nº 14.133/2021 faz exatamente isso: expressa o óbvio.

A questão é que, apesar de existir toda uma construção na doutrina administrativista (apesar do óbvio), a prática revelou o apego excessivo das instâncias controladora e judicial à literalidade dos textos legais e à consequência final da constatação da irregularidade: a declaração de nulidade.

Ocorre que nenhuma irregularidade pode ser avaliada isoladamente, sem que sejam analisadas também as implicações da decisão no mundo concreto, onde os valores abstratos precisam ser edificados em alicerces reais. Há decisões de declaração de nulidade que podem trazer maiores prejuízos agregados do que a correção do vício e a manutenção do ato, e isso precisa ser objeto de análise.

Mesmo que a Lindb já traga essa sistemática, a Lei nº 14.133/2021 buscou deixar expresso que também o administrador deve avaliar, em suas decisões, as consequências da declaração de nulidade, buscando, antes, sanear o ato para que seja alcançada a finalidade pretendida.

Dessa maneira, apenas depois de constatada a impossibilidade de saneamento é que o artigo 147 da Lei nº 14.133/2021 autoriza a adoção de outras duas providências: a suspensão da execução do contrato ou a declaração de sua nulidade. Para tanto, contudo, devem estar presentes alguns requisitos de análise. São justamente os requisitos relacionados ao consequencialismo.

A decisão do administrador acerca da suspensão da execução ou da declaração de nulidade do contrato, quando não for possível o saneamento, deverá ser tomada quando a medida for de interesse público e desde que analisados diversos aspectos que a norma elenca. Nesse sentido, o artigo 147 da Lei nº 14.133/2021 aborda onze pontos de análise que serão levados em consideração, como os impactos do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato.

É possível que, avaliando os aspectos elencados na lei e outros não expressos, o administrador chegue à conclusão de que as consequências da decisão de suspensão ou anulação não é a medida que atinge o interesse público. Quando isso ocorrer, uma última providência será analisada na sequência: a continuidade do contrato.

Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 147 da Lei nº 14.133/2021 prevê que, não sendo o caso de saneamento nem de suspensão ou de nulidade, poderá ser tomada a decisão de prosseguir com a execução do contrato e pela solução da irregularidade por indenização por perdas e danos. Essa última providência, obviamente, não prejudica a apuração de responsabilidades e a aplicação das penalidades cabíveis.

Percebe-se que a sequência de providências a serem tomadas no âmbito contratual em relação a nulidades denota a necessidade de preservação de atos idoneamente praticados, especialmente daqueles cuja suspensão ou anulação possa resultar maiores prejuízos.

Na sistemática da nova Lei de Licitações, o administrador deve, ao avaliar as nulidades, buscar saneá-las; não sendo possível, poderá suspender ou anular o contrato, desde que avaliadas as consequências; por fim, caso a suspensão ou anulação não seja o caminho adequado, o contrato poderá ter prosseguimento.

É necessário, é claro, que todas as decisões sejam devidamente fundamentadas, com a maior publicidade possível das razões que levaram à providência tomada, para que os órgãos de controle e o Judiciário possam fazer também uma posterior avaliação que seja mais adequada, aplicando a sistemática já consolidada pela Lindb.

Já não se pode conceber uma atuação administrativa, tão importante como é na sociedade, desvinculada de análises de consequências, especialmente no que tange aos efeitos do reconhecimento de nulidades. Os resultados de cada ação devem ser sopesados com os potenciais resultados de alternativas e a fundamentação dos atos deve, na medida do possível, apresentar essa avaliação.


[1] É assim que Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua o instituto da convalidação. Há quem entenda que a convalidação é gênero, sendo espécies a ratificação, a confirmação e o saneamento. Por outro lado, há quem entenda que a convalidação e o saneamento são sinônimos. Há, ainda, os que compreendem o saneamento ou a sanatória como gênero, tendo como espécies a convalidação, a ratificação e a conversão. O que importa, para os fins aqui estudados, é entender o conceito geral de correção dos vícios que gerariam nulidade. Em outro momento oportuno, abordaremos as diferentes compreensões acerca do instituto.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!