Pausa estratégica

TJ-SP suspende análise de indulto a PMs do Carandiru até manifestação do STF

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12 de abril de 2023, 17h33

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu nesta quarta-feira (12/4) suspender a análise de um incidente de arguição de inconstitucionalidade criminal suscitado pela 4ª Câmara de Direito Criminal contra o artigo 6º do Decreto 11.302/22, editado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que concedeu indulto natalino aos policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru, ocorrido em 1992.

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ReproduçãoÓrgão Especial do TJ-SP suspendeu análise sobre indulto a PMs envolvidos no massacre do Carandiru até pronunciamento do STF

Por 12 votos a 11, o colegiado acolheu a proposta do desembargador Jarbas Gomes para suspender a análise do incidente até pronunciamento do Supremo Tribunal Federal quanto à constitucionalidade do indulto. Isso porque tramita no STF uma ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pela Procuradoria-Geral de Justiça, que questiona trechos do decreto.

Em janeiro, durante o plantão judiciário, a presidente da corte, ministra Rosa Weber, concedeu liminar para suspender partes do indulto até o julgamento do mérito da ADI, que foi distribuída ao ministro Luiz Fux. Em razão disso, o desembargador Jarbas Gomes propôs que o Órgão Especial do TJ-SP suspendesse o julgamento do incidente e aguardasse a manifestação da Suprema Corte sobre o caso.

"A boa cautela recomendaria aguardar o pronunciamento do STF a esse respeito, a fim de evitar decisões conflitantes, pois, uma vez reconhecida a constitucionalidade no TJ-SP e, posteriormente, a inconstitucionalidade pelo Supremo, haverá problemas maiores ao caso", justificou Gomes. 

O artigo 6º do indulto concede perdão, ainda que de forma temporária, a agentes de segurança condenados por crimes cometidos há mais de 30 anos e que não eram considerados hediondos à época. O homicídio só passou a ser enquadrado como hediondo em 1994, depois da forte mobilização popular causada pelo assassinato da atriz Daniella Perez.

Em outubro de 1992, quando houve o massacre do Carandiru, só estupro, latrocínio e extorsão mediante sequestro eram considerados crimes hediondos. Ao julgar os recursos de policiais envolvidos no massacre, o relator na 4ª Câmara, desembargador Roberto Porto, verificou indícios de inconstitucionalidade no indulto e enviou o caso ao Órgão Especial.

Vai e vem
O julgamento do incidente teve início no dia 29 de março, com voto do relator, desembargador Fábio Gouvêa, pela inconstitucionalidade do indulto. Segundo ele, a natureza hedionda do crime deve existir no momento da edição do decreto presidencial de indulto, e não na data do fato. Por isso, o decreto de Bolsonaro seria inconstitucional.

Já o desembargador Damião Cogan divergiu e votou para rejeitar o incidente, determinando o retorno dos autos à 4ª Câmara para a continuidade do julgamento dos recursos dos policiais. Para Cogan, o indulto de Bolsonaro é legal e está dentro da esfera de atribuição do presidente. Houve pedido de vista e, por isso, o caso só retornou à pauta do colegiado nesta quarta-feira.

Na 4ª Câmara
Em janeiro, a 4ª Câmara de Direito Criminal da corte paulista arguiu a inconstitucionalidade do artigo 6º, suspendendo o julgamento dos recursos dos policiais até a apreciação do incidente pelo Órgão Especial. Na ocasião, o desembargador Roberto Porto disse que, apesar de discricionário, o indulto deve se submeter não só ao texto constitucional, mas também aos tratados internacionais aos quais o Brasil aderiu.

"Impossível indulto para crime hediondo. Diante da vedação constitucional à concessão de indulto a crimes de natureza hedionda, cogita-se a inconformidade do decreto em comento com a ordem constitucional. Os delitos, se não considerados hediondos à época de seu cometimento, não estarão sujeitos às previsões mais gravosas estabelecidas por lei posterior."

Conforme Porto, não se trata de aferir a hediondez dos crimes específicos ligados ao massacre do Carandiru, mas, sim, a possibilidade da edição de um ato legislativo na contramão do contexto constitucional vigente, isto é, "de conceder-se indulto a crime que, na data da promulgação do ato, é considerado, e desde há muito, de natureza hedionda".

Para o magistrado, o fato de o decreto se enquadrar perfeitamente ao caso dos PMs envolvidos no massacre do Carandiru "levanta dúvida acerca da conformidade da benesse especificamente aos réus". "O caso julgado nestes autos relaciona-se com a observância do arcabouço dos direitos humanos pelo poder público, visto se tratar de ação de agentes públicos contra pessoas privadas de sua liberdade", ressaltou o desembargador.

Ainda segundo Porto, a inviabilização do julgamento dos PMs poderia configurar uma afronta ao direito à vida, à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos.

No STF
Ao conceder a liminar em janeiro, a ministra Rosa Weber lembrou que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA recomendou que o Brasil fizesse uma investigação completa, imparcial e efetiva sobre o massacre do Carandiru, pois o país teria violado direitos humanos e se omitido de punir os responsáveis. 

Para Rosa, o indulto "pode, em princípio, configurar transgressão às recomendações". Assim, para "evitar a consumação imediata de efeitos concretos irreversíveis" antes da análise definitiva da ADI, e conferir "necessária segurança jurídica a todos os envolvidos", a ministra considerou prudente suspender trechos do decreto.

Processo 0001721-84.2023.8.26.0000

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