Opinião

A trajetória de Ricardo Lewandowski: de sucessor a protagonista

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11 de abril de 2023, 6h06

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, está a se aposentar. Por regra constitucional, ao completar 75 anos, é ele obrigado a deixar o cargo. Ao longo de tantos anos de sua carreira, despertou mais ou menos amores, elogios e críticas. Mas não deixa de ser curiosa sua evolução enquanto pensador, jurista e juiz.

Spacca
Spacca

Na verdade, o papel de ascensão a grandes cargos é, quase sempre, penoso e bastante duro. Não raro, implica em pena e sacrifício. Em um primeiro momento, a recordação do antecessor é obrigação e regra, com bem ensina a tradição de tantas Academias (como a própria, v.g., da Academia Brasileira de Letras). O respeito e devoção ao anterior ocupante do cargo é, normalmente, regra absoluta. Mas a satisfação é plena quando o ascendido ganha vida própria, destaque e importância.

Enrique Ricardo Lewandowski chegou a dois dos pináculos das carreiras jurídicas nacionais. Primeiro foi titular das Arcadas de São Francisco. Depois, na magistratura, foi de desembargador bandeirante a augusto ministro do Supremo Tribunal Federal. Em ambos sucedeu a importantes figuras. Mas, mesmo assim, nos dois cenários, findou por assumir papel único de protagonismo.

Advogado de origem, teve amplo destaque nos anos 1980. Após a Constituição de 1988, tornou-se juiz de alçada e, posteriormente, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Em paralelo, desenvolveu, por anos, carreira acadêmica na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Destaque-se que, para além de bacharel em Direito, também formou-se em Ciências Políticas e Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. É mestre, doutor e livre-docente pelo Largo de São Francisco, e também é Master of Ars, em Relações Internacionais, pela Fletcher School of Law and Diplomacy, da Tufs University, administrada em cooperação com a Harvard University. Enfim, um belíssimo exemplo de jurista.

Em 2003, em impactante concurso junto à Faculdade de Direito, ganhou a Titularidade de Teoria Geral do Estado, cadeira antes ocupada pelo professor Dalmo de Abreu Dallari. Dissertou, então, sobre Globalização, Regionalização e Soberania, tendo por prova de erudição A Formação da Doutrina dos Direitos Humanos. O desafio de suceder ao mestre, de quem fora, por anos, assistente, era indizível. Mas, com pompa e circunstância, marcou a história franciscana, tendo sido, também, chefe de Departamento de Direito do Estado e coordenador do curso de mestrado em Direitos Humanos. E, diga-se, um grande professor com veia nitidamente humanista.

O mesmo se deu, aliás, em relação a sua atuação junto ao Pretório Excelso. Nomeado à Suprema Corte em 2006, sucedeu outro nome de garbo e importância invulgares, como foi o do ministro Carlos Velloso. Constitucionalista de escol, e magistrado por vocação, o ministro Velloso sempre se colocara como ideal figura de juiz, e a tarefa da sucessão tampouco se avizinhava como fácil. Mas saiu-se notória e cabal e magnificamente bem, pois tinha a envergadura, conhecimento e sensibilidade para tanto. Lá, foi vice-presidente (2012-2014), e presidente do Tribunal (2014-2016), além de presidente do Conselho Nacional de Justiça. Membro do Superior Tribunal Eleitoral, dele foi também presidente (2010-2012). Chegou a assumir, em 2014, interinamente, a Presidência da República, mostrando a versatilidade de poucos.

Como juiz, atuou nos mais importantes casos da nação, sendo rememorável, dentre tantas, sua marcante atuação em casos como o do mensalão; da reserva de vagas em universidades públicas com base em critério étnico-racial; em relação ao nepotismo no serviço público; e, como não dizer, nas questões relativas à pandemia do Covid-19. No impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, presidiu o julgamento de seu afastamento, dando os ares de legalidade que devem ser por todos reconhecidos. Garantista, superou tantas vezes a oposição de tantos adeptos de penas fáceis, bradando, sempre, por tratamentos racionais e adequados a todos. Um juiz, pois, a ser admirado e um ministro de boa cepa, como pede a tradição da Suprema Corte.

Dotado de habilidades e brios incomuns, se mostra quase como fusão de um bom juiz Magnaud (na feliz expressão de Clemenceau) e da figura do Justice John Marshall, idealizador do papel de guardião posto à Suprema Corte, na common law. É verdade que já se disse, aqui ou acolá, de semelhantes papéis assumidos por alguns juízes, como Aquino e Castro ou Pedro Lessa. Mas a simbiose plena, e completa, talvez seja somente vista em Ricardo Lewandowski. A elegância, humanismo, o bom tom, e trato, um conhecimento enciclopédico invejável, uma dedicação completa a seus afazeres, alunos e, sobejamente, à Justiça, asseguram o papel do ministro e professor no Panteão de glória e respeito. Foi, sim, sucessor de figuras emblemáticas do Direito. Mas fez-se, e pôs-se, como único. Tantos novos desafios serão, agora de seu afastamento compulsório do serviço público, apresentados. Uma honra, professor, em termos pessoais e, também, do centenário Instituto dos Advogados de São Paulo, ter participado e vivido alguns desses momentos. E uma felicidade, para a nação, tê-lo tido entre os membros do Supremo Tribunal Federal. Fará inegável falta. Obrigado por tudo e vida longa, ministro.

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