Olhar Econômico

O centro de São Paulo precisa ser reabilitado

Autor

  • João Grandino Rodas

    é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP da qual foi diretor mestre em Direito pela Harvard Law School mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

10 de abril de 2023, 9h19

No evolver da história, uma das tendências constantes tem sido a transformação de espaços rurais em urbanos, com a consequente expansão das cidades e o esvaziamento do campo. Durante séculos, o campo controlou a cidade.

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Acontecimentos, entretanto, inverteriam esse estado de coisas; passando a cidade a controlar o campo: (i) as revoluções tecnológicas (séculos 19 e 20) — a máquina a vapor (primeira revolução industrial, baseada na mecânica); as linhas de montagem movidas pela eletricidade (segunda revolução industrial, centrada na elétrica); a informática, que propiciou a automatização (terceira revolução industrial, com fulcro na automação); e a eletrônica, também respaldada na automação, que possibilita, entre outras coisas, a inteligência artificial, com amplo influxo no mercado corporativo (quarta revolução industrial —  indústria 4.0) —; e (ii) as guerras mundiais (século 20).

Nas primeiras décadas do século 21, o mundo encaminha-se, decididamente, para a quinta revolução, cognominada de digital ou era da informação, cujos efeitos ainda não podem ser vislumbrados por inteiro, mas que possui o condão de modificar, de maneira drástica, a sociedade.

De um lado, em prol da urbanização foram fundamentais as oportunidades criadas pela industrialização, o incremento do comércio e a gama, sempre crescente, de serviços oferecidos. De outro, a mecanização das zonas rurais, fez com que a atividade do campo, gradativamente, exigisse menos intensividade de mão de obra; ensejando mínima densidade populacional.

A modificação na utilização do espaço trouxe consequências várias. A coexistência de enorme quantidade de pessoas em centros urbanos causou problemas de várias espécies:  migração do centro para locais mais distantes e, economicamente, mais acessíveis; construções irregulares em local de proteção ambiental; deslizamento de terra; inundações das áreas mais baixas da cidade, face à necessidade de pavimentar, para melhorar o trânsito; e degradação atmosférica.  

Em suma, causado pelo processo de industrialização, pela concentração fundiária nas zonas rurais e pela procura de condições melhores de emprego, saem do campo para a cidade milhares de pessoas, geralmente em um processo migratório interno. Esse êxodo provoca inúmeros problemas, dentre os quais, aceleração desordenada da urbanização, problemas sociais e ambientais de diversas naturezas e florescimento do mercado informal. Existente em todo o mundo, obviamente, o êxodo rural difere, em suas sequelas, quer se trate de país desenvolvido. quer em desenvolvimento.

Fenômeno universal, tem sido a degradação de áreas urbanas, principalmente das mais centrais — do centro histórico —, por motivo, dentre outros: da decadência física, incluindo a da paisagem natural; da redução populacional, do despovoamento; e da depreciação dos imóveis. A degradação causa desocupação ou subaproveitamento desses espaços; com sua decorrente tomada por camadas pouco bafejadas economicamente ou mesmo que vivem à margem da sociedade. Isso acarreta o espraiamento urbano, ou seja: (i) a migração dos desfavorecidos para periferias, geralmente destituídas de estrutura; e (ii) o deslocamento das classes mais abastadas para cercanias mais seguras e com padrão elevado.

A situação, que acaba de ser explicitada, por vezes, conduz ao aparecimento de subcentros, que, preenchem funções análogas; servindo, normalmente, certas parcelas da cidade.

A preocupação com a degradação central das cidades é global e não é nova. Existe há décadas, tanto em Estados (e. g. reabilitação de prédios para uso habitacional no Reino Unido e nos Países Baixos), quanto nas organizações internacionais, intergovernamentais (Unesco, Conselho da Europa e Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauro de Bens Culturais — Iccrom) ou não (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios — Icomos e Instituto Internacional para a Conservação de Obras Históricas e Artísticas — IIC).

Iniciada por pensadores urbanísticos, voltados aos patrimônios históricos e de pertencentes a escolas distintas (Ruskin, Sitte, Giovanonni, Haussmann, Cerdá e Le Corbisier); a partir da Carta Internacional para a Conservação e Restauração de Monumentos, adotada em de Veneza, em 1964, superou-se a preocupação com prédios isolados, para abarcar locais mais amplos (sítios). Essa Carta suscitou uma série de documentos, de cunho nacional e internacional, de que a Carta de Nara, de 1994, dedicada à autenticidade no reconhecimento e conservação do patrimônio histórico, é o mais conhecido deles.

Torna-se notório o cuidado com a revitalização de centros urbanísticos degradados há cerca de setenta anos, quando programas específicos, para tanto, foram implementados, com sucesso maior ou menor, em vários locais do universo. De lá para esta parte, houve, contudo, evolução considerável na finalidade a ser atingida. No início objetivavam popularizar elementos culturais tradicionais; passando, sucessivamente, a procurar solucionar problemas sociais, a miscigenar a cultura popular com a cultura clássica (multiculturalismo), ao desenvolvimento econômico e a atração do turismo, a autosustentabilidade financeira etc. A tal ponto, que a cidade se tornou um bem mercadológico: a "cidade-empresa".

Muito tem sido escrito sobre esse desafio gigantesco, que, praticamente, todos os países enfrentam, qual seja a reabilitação de centros urbanos. Programas têm sido colocados em prática. A variabilidade das denominações empregadas (reabilitação, revitalização, regeneração, readequação, refuncionalização, recuperação, requalificação, gentrificação e renascimento), demonstram o turbilhão de ideias ínsito nesse intento, que precisa dar certo para o bem dos países e de seus cidadãos, principalmente dos mais necessitados.

O presente texto constitui-se, na verdade, em uma introdução ao exame, que virá sequentemente, do desafio inominável que tem sido a reabilitação do centro da capital do estado de São Paulo.

É consabido: (i) que a segunda metade do passado século assistiu, no Brasil, acelerado êxodo rural e grande acréscimo da população nas cidades; e (ii) que, por volta a década de 1970 do passado século, ele ingressou no rol dos países urbanizados, com mais de 80%. de seus habitantes morando em cidades.

Por outro lado, a Grande São Paulo, com mais de vinte milhões de habitantes, é a maior conurbação da América Latina. São Paulo, de per si, por acolher mais de 10 milhões de habitantes é uma megacidade, que além de seu Centro histórico, ostenta vários subcentros, também a serem considerados.

Face a tudo isso, o efeito multiplicativo que a reabilitação do centro tradicional da metrópole paulistana será ciclópico e extraordinariamente benéfico.

Autores

  • é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP, da qual foi diretor, mestre em Direito pela Harvard Law School, mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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