Direito Eleitoral

Ataques transfóbicos no Mês da Mulher na Câmara e os avanços necessários

Autores

  • Nicole Gondim Porcaro

    é mestra em Direito Público pela UFBA (Universidade Federal da Bahia). Especialista em Direitos Fundamentais pela UC-PT e IBCCrim. Secretária-Geral da Associação Visibilidade Feminina. assessora parlamentar na Câmara dos Deputados. Membra da Abradep do Instituto Parla e do Observatório de Violência Política contra a Mulher.

  • Monike Santos

    é mestra em Direitos Humanos Interculturalidade e Desenvolvimento Universidad Pablo de Olavide (ESP) especialista em Direitos Humanos e Filosofia (PUC-PR). Assessora jurídica do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Membra do Instituto Parla e do Observatório de Violência Política contra a Mulher.

10 de abril de 2023, 8h59

O Dia Internacional da Mulher deste ano na Câmara dos Deputados foi marcado por discursos machistas e transfóbicos na tribuna, com agressões que atingem as primeiras deputadas federais trans do país, eleitas em 2022, marcando mais um caso de violência política de gênero[1].

A violência política de gênero é considerada uma das principais causas da sub-representação das mulheres na política, e pode ser caracterizada como todo ato com o objetivo de excluir a mulher do espaço político, impedir, obstaculizar ou restringir seu acesso ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade. E que se agrava quando direcionada um grupo de mulheres especialmente vulnerabilizadas, uma vez que, segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 80% das mulheres trans eleitas relatam falta de segurança no exercício do cargo[2], em um país que lidera o ranking de assassinatos dessa população.

Tal realidade exige uma atuação comprometida do Estado para proteger e garantir o exercício de seus direitos políticos, não devendo tais discursos serem acobertados pela imunidade parlamentar, considerando que a transfobia foi equiparada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ao crime de racismo (ADO 26 e MI 4733, j. 13.06.2019).

O ocorrido revela ainda uma falha na redação da Lei nº 14.192/2021, que tipificou o crime de violência política contra a mulher nos códigos Eleitoral e Penal, ao usar a expressão "sexo" em vez de "gênero".

Enquanto o conceito de sexo está relacionado aos aspectos biológicos/orgânicos, o conceito de gênero se refere a um construto social, cultural e histórico. Expõe que as categorias homem e mulher demarcam relações de poder que reproduzem hierarquias sociais[3], determinando posições de mando e submissão, além de formas de violência específica contra mulheres. Assim, o gênero é um instrumento para entender as desigualdades, violências e dinâmicas de poder entre homens e mulheres.

A Lei Maria da Penha, valendo-se do conceito de gênero em sua formulação e redação legal, promoveu um processo de desnaturalização da violência doméstica e conscientização de que o Estado deve intervir nesses casos. Esse mesmo processo precisa alcançar o combate à violência política de gênero, pois observa-se a cada eleição que ela tem aumentado conforme se amplia o número de mulheres candidatas e eleitas, sendo ainda mais brutal para mulheres também discriminadas por raça e identidade de gênero.

Nessa questão, o Poder Judiciário saiu à frente na garantia de direitos, e no primeiro caso concreto relacionado à Lei nº 14.192/2021, decidiu que a norma deve ser aplicada à mulher trans como vítima[4], seguindo entendimento da 6ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre a aplicação da Lei Maria da Penha à violência contra mulher trans. Ao receber denúncia contra parlamentar em relação a discurso proferido na Assembleia Legislativa, o TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro) entendeu que "não se tratou de injúria genérica, mas de agressões verbais centradas na condição de mulher transgênera e negra de Benny Briolly", evidenciada a "intenção de dificultar o exercício do mandato da vereadora trans".

A compreensão do gênero como orientador da violência política contra as mulheres é crucial para evidenciar que discursos como os proferidos no Dia da Mulher são uma ameaça à inclusão das mulheres, em sua diversidade, nos espaços decisórios, e limitam sua autonomia na atividade política, além de poderem influenciar outras agressões ainda mais graves. A tolerância de discursos de ódio e discriminatórios em plena Casa Legislativa incentiva e legitima essas práticas em toda a sociedade.

Nesse sentido, é necessário um esforço coletivo por parlamentares para analisar como a violência contra as mulheres é tratada na Câmara, e incluir dispositivos específicos contra a Violência Política de Gênero no Regimento Interno. A proteção e garantia do exercício dos direitos das mulheres parlamentares depende da conscientização e da tomada de medidas assertivas por partes de todos os agentes públicos e políticos. O Estado não será plenamente democrático enquanto for permissivo diante da violação pública e notória de suas próprias cidadãs eleitas.

Autores

  • é mestranda em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), advogada e secretária-geral da Associação Visibilidade Feminina.

  • é mestra em Direitos Humanos, Interculturalidade e Desenvolvimento, Universidad Pablo de Olavide (ESP), especialista em Direitos Humanos e Filosofia (PUC-PR). Assessora jurídica do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Membra do Instituto Parla e do Observatório de Violência Política contra a Mulher.

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