Opinião

O diálogo entre Parlamento e universidade no PL que altera a Lei Antiterrorismo

Autor

  • Fillipe Azevedo Rodrigues

    é professor da Universidade Potiguar (UnP) mestre em Constituição Regulação e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra e investigador do Instituto Jurídico Portucalense (IJP - Portugal) - Capital Labour Tax and Trade.

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8 de abril de 2023, 6h02

Em 10 de setembro de 2021, após contato do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), deu-se início à discussão sobre a necessidade de adequação da Lei Federal nº 13.260, de 16 de março de 2016 (Lei Antiterrorismo) em parceria com a academia jurídica potiguar, sempre muito prestigiada pelo senador.

As contribuições dadas na ocasião são relevantes de serem retomadas no contexto atual em que o Projeto de Lei nº 3.283, de 2021, síntese de toda essa discussão, avança rapidamente no Senado, em meio aos ataques criminosos lançados contra instituições, patrimônio público e, especialmente, contra a integridade física, a propriedade privada e a vida de cidadãos norte-riograndenses.

Assim, a ideia de uma aproximação entre a Lei Antiterrorismo e a legislação própria do combate à criminalidade organizada requer uma apanhado histórico de identidade das políticas criminais endereçadas por organismos internacionais contra a macrocriminalidade e seu financiamento. 

Em 1988, na cidade de Viena, teve lugar a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas da Organização das Nações Unidades (ONU), cuja resolução foi subscrita pela República Federativa do Brasil e, posteriormente, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 154 de 26 de junho de 1991.

A Convenção deliberou o tema a partir de uma série de pressupostos, apresentados no preâmbulo da resolução, reconhecendo:

1) "Os vínculos que existem entre o tráfico ilícito e outras atividades criminosas organizadas, a ele relacionadas, que minam as economias lícitas e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados";

2) "Também que o tráfico ilícito é uma atividade criminosa internacional, cuja supressão exige atenção urgente e a mais alta prioridade".

Há 30 anos, as instituições brasileiras estão vinculadas a esse compromisso internacional, em que se decidiu "privar as pessoas dedicadas ao tráfico ilícito do produto de suas atividades criminosas e eliminar, assim, o principal incentivo a essa atividade".

Ainda na década de 1990, o Congresso Nacional fez parte de dois avanços importantes no combate ao crime organizado e ao tráfico ilícito de entorpecentes, materializados nas Leis do Crime Organizado — Lei Federal nº 9.034, de 3 de maio de 1995 — e de Lavagem de Dinheiro — Lei Federal nº 9.613, de 3 de março de 1998.

No ano de 2000, desta vez com o foco mais ampliado para a criminalidade organizada, a ONU aprovou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, com o seguinte teor:

"Artigo 5 – Criminalização da participação em um grupo criminoso organizado

1) Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal, quando praticado intencionalmente:

a) Um dos atos seguintes, ou ambos, enquanto infrações penais distintas das que impliquem a tentativa ou a consumação da atividade criminosa:

1) O entendimento com uma ou mais pessoas para a prática de uma infração grave, com uma intenção direta ou indiretamente relacionada com a obtenção de um benefício econômico ou outro benefício material e, quando assim prescrever o direito interno, envolvendo um ato praticado por um dos participantes para concretizar o que foi acordado ou envolvendo a participação de um grupo criminoso organizado;

2) A conduta de qualquer pessoa que, conhecendo a finalidade e a atividade criminosa geral de um grupo criminoso organizado, ou a sua intenção de cometer as infrações em questão, participe ativamente em:

a) Atividades ilícitas do grupo criminoso organizado;
b) Outras atividades do grupo criminoso organizado, sabendo que a sua participação contribuirá para a finalidade criminosa acima referida;
c) O ato de organizar, dirigir, ajudar, incitar, facilitar ou aconselhar a prática de uma infração grave que envolva a participação de um grupo criminoso organizado.

2) O conhecimento, a intenção, a finalidade, a motivação ou o acordo a que se refere o parágrafo 1 do presente Artigo poderão inferir-se de circunstâncias factuais objetivas".

Os Poderes constituídos brasileiros produziram e têm aplicado disposições legais concebidas na direção da tipificação penal de grupos criminosos organizados, cabendo mencionar as normas penais do:

1) artigo 288 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — associação criminosa;

2) artigo 288-A do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — milícia privada;

3) artigo 35 da Lei Federal nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 — associação para fins de tráfico; e

4) artigo 1º, §1º, c/c artigo 2º, ambos da Lei Federal nº 12.850, de 2 de agosto de 2013 — organização criminosa.

No entanto, a pluralidade de tipos penais e a dinâmica de tais grupos criminosos no país, com reflexo na comunidade internacional, têm exigido um novo olhar para as soluções jurídico-penais existentes, sobretudo a fim de integrá-las em um microssistema penal de combate à criminalidade organizada, distinto dos instrumentos já utilizados para reprimir os bandos de delinquentes menos sofisticados.

A legislação portuguesa, há tempos, cuidou de promover tal distinção, isto é, a delinquência organizada possui duas espécies jurídicas em Portugal: aquela própria do concurso de agentes para uma ação criminosa efêmera e a denominada "criminalidade altamente organizada", que, segundo o artigo 1º, m, do Código de Processo Penal português, consiste nas "condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência, participação económica em negócio ou branqueamento".

No mesmo dispositivo, o legislador português trata do "terrorismo" para reconhecê-lo presente nas "condutas que integram os crimes de organizações terroristas, terrorismo, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo" (artigo 1º, 1). Esse disciplinamento conjunto demonstra uma equiparação, para o país europeu, do grau de ofensividade dos delitos relacionados com o terrorismo (artigo 1º, 1), a criminalidade violenta (artigo 1º, j) e especialmente violenta (artigo 1º, l), e a criminalidade altamente organizada (artigo 1º, m).

Embora a realidade de Portugal, no que diz respeito à criminalidade organizada, seja bem menos preocupante do que à vivenciada no Brasil, a norma jurídica lusa reconhece a necessidade de integração conceitual dos institutos jurídicos penais e processuais penais a fim de direcioná-los para a macrocriminalidade, de modo a evitar uma repressão estatal seletiva e destinada apenas a pequenos delinquentes — que, em última análise, não representam o objeto da política criminal.

Assim, entende-se que aproximar a legislação de combate ao terrorismo daquela destinada à criminalidade organizada é uma medida estratégica importante a ser considerada pelo legislador, reduzindo a impunidade dos líderes de organizações criminosas.

Isso não significa reduzir a proposição a uma nova tipificação de conduta, expandindo irracionalmente a norma penal.
Avaliando precedentes internacionais, não será uma novidade conceber a política criminal antiterrorismo aproximada do combate ao crime organizado. Afinal, trata-se da missão institucional do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC):

O UNODC baseia seu trabalho nas três convenções internacionais de controle de drogas, nas convenções contra o crime organizado transnacional e contra a corrupção e nos instrumentos internacionais contra o terrorismo. O objetivo do UNODC é de tornar o mundo mais seguro contra a droga, o crime organizado, a corrupção e o terrorismo, combatendo essas ameaças para alcançar saúde, segurança e justiça para todos e promovendo a paz e o bem-estar sustentável. (Fonte: https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/sobre-unodc/index.html).

Já do ponto de vista criminológico, é inegável o exercício do poder paralelo sobre parcelas importantes da população de grandes cidades brasileiras, valendo-se os narcotraficantes e milicianos do terror como método de subjugação e cerceamento de liberdades individuais.

Ademais, no que toca à dogmática penal e à técnica legislativa, propõe-se um encadeamento de pequenas modificações nos tipos penais já existentes e nas suas respectivas penas, tudo com a finalidade de garantir proporcionalidade e eficiência punitiva, ampliando as sanções pecuniárias para dissuadir a motivação econômica do crime.

A proposta de alteração legislativa condensa essas ideias e tem por finalidade atender integralmente ao previsto no artigo 5º da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, especialmente o compromisso de incriminar as condutas de: "qualquer pessoa que, conhecendo a finalidade e a atividade criminosa geral de um grupo criminoso organizado, ou a sua intenção de cometer as infrações em questão, participe ativamente em atividades ilícitas do grupo criminoso organizado" ou de "outras atividades do grupo criminoso organizado, sabendo que a sua participação contribuirá para a finalidade criminosa acima referida".

Neste momento, os cuidados com o debate legislativo devem sempre perpassar a sistematicidade da política criminal e dos tipos penais voltados para o combate ao terrorismo e à criminalidade organizada, evitando normas penais de conteúdo aberto, meramente de caráter simbólico e que possuam efeito contaminador do arcabouço de garantias fundamentais, própria de uma conjuntura de Direito Penal do Inimigo. 

Trata-se, portanto, de uma iniciativa fruto de mais de oito anos de investigação científica interdisciplinar, iniciada no Grupo de Pesquisa em Ciências Criminais (GPCrim), da Universidade Potiguar (UnP), e, atualmente, avançando no Grupo de Pesquisa em Direito e Economia do Crime (DECrim), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com ênfase para o fenômeno da lavagem de dinheiro e do crime organizado. Esse projeto acadêmico foi capaz de contribuir com o Senado sobretudo porque se manteve aberto a diversas autoridades no tema, que, embora vinculadas a distintas instituições (Poder Judiciário, Ministério Público e Advocacia), encontravam-se reunidas no campo científico.

Em suma, a articulação entre o Parlamento e a universidade qualifica as proposições legislativas, garantindo racionalidade e maior eficiência penal, razão pela qual cabe louvar a postura do senador Styvenson Valentim, autor do PL nº 3.283, de 2021, que certamente contribuirá ainda mais com a modernização da legislação penal brasileira.

Autores

  • é professor da Universidade Potiguar (UnP), mestre em Constituição, Regulação e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra e investigador do Instituto Jurídico Portucalense (IJP - Portugal) - Capital, Labour, Tax and Trade.

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