Opinião

Cost sharing e a possibilidade de se defender a não incidência tributária

Autor

  • Ana Cláudia Karg

    é advogada especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet-RS) e membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB Subseção Novo Hamburgo (RS).

    View all posts

8 de abril de 2023, 9h16

Na busca por redução de custos, o rateio é um ato cada vez mais explorado dentro de empresas. Partindo disso, um modelo de negócio utilizado com maior frequência entre pessoas jurídicas é o cost sharing agreement (CSA), no Brasil chamado por contrato de compartilhamento de custos e rateio de despesas.

Apesar de não possuir previsão legal na legislação brasileira, a ferramenta vem sendo utilizada por empresas que buscam meios eficientes e seguros para otimizarem custos e despesas em seus negócios, devido aos resultados positivos que são possíveis de alcançar com a sua formalização,

Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) [1], referido contrato é um negócio jurídico celebrado entre empresas com o intuito de dividir os custos e riscos inerentes ao desenvolvimento, produção ou obtenção conjunta de bens, serviços ou direitos, e de estabelecer a natureza e extensão dos benefícios auferidos de forma consistente com a participação de cada empresa do grupo. Ainda, e principalmente, que também gerem benefícios para o negócio individual de cada participante.

Enquanto uma empresa líder centraliza as atividades comuns, garantindo suporte aos outros envolvidos, as empresas beneficiadas pelo suporte, nomeadas de descentralizadas, assumem o compromisso de arcar com o rateio das despesas e custos, sem inclusão do elemento lucrativo.

O cost sharing agreement, portanto, é aceito na hipótese de rateio de despesas relativas à prestação de serviços de backoffice, assim entendidos aqueles que constituem simples atividade-meio para as empresas integrantes do grupo, bem como de outros gastos comuns, a exemplo de aluguéis de sedes empresariais, contas de água, luz, limpeza e manutenção. Como nesse tipo de contrato não consta a atividade principal que é desempenhada pelos envolvidos, mas sim apenas as atividades-meio comuns às empresas, não há que se falar em intenção de lucro.

Por essa razão, o CSA é utilizado, única e exclusivamente, para fins de rateio de custos relacionados a serviços de natureza administrativa e de apoio corporativo [2]. Com base nisso, a empresa que assumiu a despesa relativa a terceiros não pode ter como objeto social o exercício da atividade causadora do dispêndio. Do contrário, não restaria caracterizado o reembolso de custos e despesas, mas sim uma remuneração pela prestação de atividade do objeto do contrato social.

A problemática desse tipo de contrato no Brasil não resulta da sua atipicidade, uma vez que embora sem previsão específica na legislação brasileira, a ausência de regulação específica não impede ou macula sua existência e validade, desde que as regras gerais que são aplicadas aos demais contratos sejam observadas, a saber: objeto lícito e partes capazes. Outrossim, é recomendável a observância das normas gerais previstas no Código Civil Brasileiro.

A dificuldade reside no tratamento tributário dado aos referidos contratos, bem como os efeitos fiscais provenientes desta relação contratual. Receita Federal já manifestou seu entendimento sobre o correto tratamento tributário, instituindo requisitos para a implementação dos contratos de cost sharing agreement.

Por intermédio da Solução de Divergência nº 23/2013, a Receita se posicionou trazendo o conceito dos contratos de compartilhamento de custos e rateio de despesas, e explicou como se dá sua ocorrência. Outrossim, confirmou a possibilidade de concentrar controle de gastos de mais de um departamento de apoio administrativo, em uma empresa centralizadora, para o rateio de custos e despesas entre outras empresas coligadas, posteriormente. Já a Solução de Consulta Cosit nº 8/2012, trouxe uma lista de requisitos obrigatórios para os contratos de compartilhamento de custos e despesas, no intuito de afastar a incidência tributária. O mais recente ato administrativo emanado pela Receita, a Solução de Consulta Cosit nº 149/ 2021, além de ratificar as exigências definidas nas soluções acima mencionadas, novamente elenca e aclara as condições para a isenção de tributos nos contratos de CSA em território brasileiro.

Ocorre que mesmo com a lista de requisitos obrigatórios das referidas Solução de Consulta, a Receita tem estabelecido unilateralmente características essenciais desses contratos, bem como tem verificado se as referidas características têm sido cumpridas nos casos concretos para que não haja a incidência de tributos. Ademais, frequentemente o órgão tem solicitado novos requisitos para que os contratos sejam validos.

Uma dessas características é o benefício mútuo, que prevê que as empresas participantes necessitam possuir uma expectativa razoável de que se beneficiarão dos objetivos da própria atividade do contrato de CSA. Referido critério é de extrema importância e deve ser levado em consideração pelos contratantes, uma vez que a Receita Federal já desqualificou contrato em razão da não identificação do benefício, argumentando que somente uma das empresas participantes se beneficiava com a contratação [3].

No tocante aos tributos, é possível sustentar a não incidência de tributos sobre a renda, receita e prestação de serviços, em relação aos respectivos valores. Se analisados conjuntamente a exposição da natureza jurídica dos contratos de CSA no Brasil, bem como seus elementos, e os atos administrativos proferidos pela Receita Federal e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, plausível concluir sobre a possibilidade de rateio de despesas sem a incidência do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.

De forma a embasar o entendimento, passemos a uma breve análise individual dos referidos impostos.

No que tange ao Imposto sobre a Renda, verifica-se que o seu regramento é incompatível com o reembolso realizado nos contratos de compartilhamento, já que estes têm por objetivo a recomposição do que fora adiantado inicialmente pela centralizadora e aquele intenciona tributar o acréscimo. Em razão dos ingressos financeiros relativos ao rateio de despesas ou compartilhamento de custos possuírem natureza jurídica de reembolso de despesas, não englobam o conceito de remuneração. Nesse sentido possível concluir pela não incidência do IRPJ no âmbito do CSA, não havendo que se falar em tributação. Relativamente à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, da mesma forma, constata-se não ocorrer a sua materialidade, auferir lucro, nos contratos de Cost Sharing Agreement. Vista disso, e em razão da semelhança com o IRPJ, não há a ocorrência do fato gerador da CSLL.

Com relação ao PIS e à Cofins, o núcleo compositivo do critério material de incidência do cada um deve ser buscado a partir da noção de receita bruta, devendo ser compreendido como elemento definitivo e positivo de acréscimo patrimonial da empresa. Isso posto, somente poderiam ser consideradas receitas e, consequentemente tributáveis para fins de PIS e Cofins, as entradas relevantes para a composição da renda da pessoa jurídica. Em razão de os ingressos dessa natureza não se amoldarem ao conceito de receita, não compondo a receita bruta da pessoa jurídica, independentemente do regime de tributação, constata-se não haver a incidência do PIS e da Cofins sobre o reembolso de custos e despesas à centralizadora realizados nos contratos em comento.

Indo de encontro ao acima exposto, em março do ano passado a Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf, responsável por uniformizar a jurisprudência desse tribunal administrativo, se posicionou no sentido de que, embora reconhecida a possibilidade de concentração das despesas em uma única empresa, para posterior reembolso das despesas adiantadas, os valores recebidos pela PJ integrariam a base de cálculo da Cofins [4]. A Câmara entendeu que em razão de o tema não possuir previsão legal no Brasil, não tendo semelhança com casos de consórcio ou mandato, estaria diante de uma receita de prestação de serviço, motivo pelo qual incidiria PIS/Cofins.

Ocorre que o entendimento do CSRF diverge da Receita Federal, vez que conforme Soluções de Consulta e Divergências, entende a Receita pelo afastamento do PIS e da Cofins sobre gastos relativos à atividade-meio no contrato de compartilhamento. De qualquer forma, até o presente momento, ao que parece não houve nenhuma mudança na Receita, sem revisão do posicionamento das Soluções de Consulta. Ainda, caso sobrevenha alguma alteração, entende-se que a questão em discussão possa ser judicializada.

Por fim, no tocante ao ISS, a hipótese de incidência somente acontece quando os serviços prestados são efetuados com o objetivo de auferir remuneração. Nessa toada, verificadas as características e natureza dos contratos de cost sharing agreement, resta compreendido não haver prestação de serviços com a finalidade de lucro nos referidos contratos, e, portanto, não incidir o ISS. Ainda que a jurisprudência de alguns tribunais entenda pela incidência do imposto em comento sobre os reembolsos provenientes dos contratos, identifica-se que nesses casos estão presentes cláusulas em sentido contrário aos requisitos emanados pela Receita Federal nas soluções de consulta e divergência, descaracterizando o CSA e ocasionando a incidência do imposto.

No entanto, por se tratar de um tema que ainda carece de segurança jurídica tributária, muito embora as exigências emanadas pela Receita Federal do Brasil sejam procedentes para a não incidência tributária, o contribuinte deve estar atento às Soluções da Receita, bem como estar com a sua documentação contábil devidamente organizada, pois o entendimento da Receita Federal pode ser complexo e por vezes comportar mais de uma interpretação, podendo vir a ser necessário a aferição de seus registros contábeis.

Assim, muitas vezes as autoridades fiscais podem vir a ter interpretação diferente, estabelecendo unilateralmente características essenciais que deverão ser observadas na elaboração desses contratos, ou que resultarão na necessidade de elaboração de aditivos contratuais para aqueles que já os tiverem firmado.

 


[1] ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Transfer Pricing Guidelines for Multinacional Enterprises and Tax Administration 2017. Paris; OCDE, 2017. Pp 347-348. Disponível em https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/oecd-transfer-pricing-guidelines-for-multinational-enterprises-and-tax-administrations-2017_tpg-2017-en#page348.

[2] SCHOUERI, Luís Eduardo. O contrato de rateio de despesas (cost contribuiton arrangements) e o ISS. In: PINTO, Sergio Luiz de Mores; MACEDO, Alberto; ARAÚJO, Wilson José de (Orgs.). Gestão tributária municipal e tributos municipais, v. 2, São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2012.

[3] BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal. Coordenação Geral de Tributação. Solução de Consulta COSIT nº 276, de 26 de setembro de 2019. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=103953&visao=anotado.

[4] Acórdão nº 9303-012.980 – CSRF / 3ª Turma.

Autores

  • é advogada, pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET-RS) e membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB Subseção Novo Hamburgo-RS.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!