Direito do Agronegócio

O seguro rural e as mudanças climáticas: relação e importância

Autores

  • Flavia Trentini

    é professora associada do Departamento de Direito Privado e de Processo Civil e do programa de mestrado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e livre docente em Direito Agrário pela FDRP-USP com estágio pós-doutoral pela Scuola Superiore Sant'Anna di Studi Universitari e Perfezionamento (SSSUP Itália) e em Administração/Economia das Organizações (FEA/USP).

  • Sarah Ravagnani

    é graduanda em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e bolsista do Programa Unificado de Bolsas da USP (PUB/USP).

7 de abril de 2023, 8h00

As alternâncias na distribuição estatística de padrões de condições climáticas ocorrem naturalmente, entretanto, nos últimos anos, o ritmo em que a temperatura começou a subir está maior do que até então ocorria, o que pode ser denominado como mudanças climáticas (NOBRE; REID, 2012). Atualmente, a humanidade já presencia o aumento da temperatura média terrestre e, de acordo com o AR6 Climate Change do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC, 2021), cada uma das últimas quatro décadas foi sucessivamente mais quente do que qualquer década que a precedeu desde 1850.

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Legenda

Esses impactos refletem na qualidade de vida populacional, produtividade e ecossistemas, especialmente na agricultura, visto que os vegetais são altamente sensíveis a mudanças e fenômenos extremos, devido: 1) à sensibilidade das plantas em relação à quantidade de água disponível no solo; 2) à fragilidade de suas estruturas; e 3) ao seu comportamento fisiológico em altas temperaturas (MOREIRA, 2020; REZENDE; DIAS; COSTA, 2010; DECONTO, 2008). Apesar de ser prejudicial aos sistemas agrícolas em geral, a agricultura familiar torna-se especialmente vulnerável às consequências climáticas, em virtude dos produtos cultivados pelo maior número de estabelecimentos familiares  banana, café arábica, feijão fradinho, cacau, mandioca e milho — serem afetados negativamente pelas variações do clima previstas (TRENTINI; RAVAGNANI, 2022).

Dessa forma, a atividade rural é passível de ser afetada por eventos climáticos adversos, os quais têm ocasionado prejuízos significativos aos produtores. Nesses casos, o produtor possui uma maior dificuldade em permanecer na atividade rural e pagar seus compromissos financeiros, o que o leva a buscar ajuda governamental para renegociação de suas dívidas. Entretanto, o socorro público é uma solução temporária e não mitiga a problemática, além de representar um elevado custo financeiro para o governo. Surge, então, o seguro rural eficiente como uma alternativa importante a essas problemáticas, pois é um meio de transferir parte das consequências da ocorrência de um determinado risco segurado para a seguradora. Dessa forma, espera-se que o produtor continue investindo na produção, de forma a se manter competitivo no agronegócio, mesmo sob a frustração da safra (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2021).

Atualmente, a definição de contrato de seguro, de acordo com o caput do artigo 757 do Código Civil de 2002, é "pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados" (BRASIL, 2002). As partes do contrato de seguro são denominadas segurador e segurado. O segurador obriga-se a pagar a quantia estipulada no contrato, caso ocorra o risco coberto, o previsto contratualmente. Paralelamente, o segurado possui o direito de receber o valor, desde que esteja adimplente com sua obrigação de pagar a contribuição acordada (GOMES, 2019).

O instrumento do contrato de seguro é a apólice. Na forma de proposta, deve conter: 1) suas condições gerais; 2) consignar os riscos assumidos; 3) o valor do objeto do seguro; 4) o prêmio; 5) o termo inicial e final de sua vigência; 6) os casos de decadência, caducidade e eliminação ou redução dos direitos do segurado ou beneficiários incluídos; e 7) o quadro de garantia aprovado pela Superintendência de Seguros Privados (PEREIRA, 2020).

Diante da importância da aderência do seguro rural pelos produtores, para Estela Medeiros (2013, p. 299), o governo deve fomentar a contratação de seguros rurais, pois na falta desses não tem alternativa senão compensar as quedas nas receitas dos produtores rurais decorrentes de fatores climáticos com a prorrogação das dívidas do crédito rural. Assim, o volume de dívidas rurais acumuladas iria impor ao Tesouro Nacional um ônus maior do que aquele que se gastaria com o pagamento da subvenção ao prêmio do seguro rural.

 No final do segundo governo Fernando Henrique Cardoso (2001-2002) foram iniciadas as discussões sobre a concessão de subvenção ao Prêmio do Seguro Rural e ganharam forma em 2003, no governo Lula (MEDEIROS, 2013, p. 299). Assim, a Lei nº 10.823/2003 dispôs sobre a subvenção econômica ao prêmio do Seguro Rural, sendo regulamentada pelo Decreto nº 5.121/2004, que instituiu o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR). Aquela autorizou o Poder Executivo a conceder subvenção econômica em percentual ou valor do prêmio do seguro rural. Dessa forma, o governo Federal passou a assumir parte do prêmio do seguro rural nas modalidades agrícola, pecuário, florestal e aquícola, reduzindo o custo de sua aquisição pelos produtores rurais e, concomitante, estimulando a produção agropecuária brasileira (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2021). Portanto, caso o produtor contrate o seguro rural, em especial o agrícola, para a proteção de sua lavoura, fica obrigado a pagar determinada quantia estabelecida na apólice. Entretanto, em contrapartida, a seguradora possui o dever de indenizá-lo caso o sinistro previsto contratualmente ocorra.

Assim, as consequências das mudanças climáticas no meio agrícola, como a perda de produção e produtividade em virtude dos eventos climáticos extremos, podem ser mitigadas com o advento do seguro rural, pois esse permite que o produtor receba uma quantia relativa ao que foi perdido pelo sinistro e continue ativo na atividade rural. Por fim, ressalta-se a importância da subvenção governamental para a aderência dos produtores à contratação do seguro, visto que o preço a ser pago por eles torna-se menor, sem que haja descontos na proteção da lavoura, figurando como um atrativo maior à contratação.

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Referências
BRASIL.  Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

DECONTO, Jaime Gesisky (Coord.) Aquecimento Global e a Nova Geografia da Produção Agrícola no Brasil. São Paulo: EMBRAPA e UNICAMP, 2008. Disponível em: https://www.agritempo.gov.br/climaeagricultura/CLIMA_E_AGRICULTURA_BRASIL_300 908_FINAL.pdf. Acesso em: 28 set. 2021.

GOMES, Orlando. Contratos. 27 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE (IPCC). Climate Change 2021: The Physical Science Basis. 2021. Working Group I: contribution to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/downloads/report/IPCC_AR6_WGI_SPM.pdf. Acesso em: 22 set. 2021.

MEDEIROS, E. Avaliação da Implementação do Programa de Subvenção do Prêmio do Seguro Rural. Revista de Economia e Sociologia Rural,  Piracicaba, v. 51, nº 2, 2013.

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Guia de Seguros Rurais. Brasília: AECS, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/ptbr/assuntos/riscos-seguro/seguro-rural/publicacoes-seguro-rural/guia-do-seguro-rural2021.pdf. Acesso em: 7 mar. 2022.

MOREIRA, Fernando Gomes. Técnicas e ferramentas para identificar e evitar o estresse hídrico em cultivos. PET Agronomia UFC, 2020.

NOBRE, Carlos A; REID, Júlia; VEIGA, Ana Paula Soares. Fundamentos científicos das mudanças climáticas. São José dos Campos: Rede Clima/Inpe, 2012.

PEREIRA, Caio Mário Da Silva. Instituições de direito civil: contratos. 24 ed. v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

REZENDE, Geraldo Milanez de; DIAS, Rita de Cássia Souza; COSTA, Nivaldo Duarte. Embrapa Semiárido, Sistema de Produção, 6. ISSN 1807- 0027, ago. 2010.

TRENTINI, Flavia; RAVAGNANI, Sarah Araujo. Agricultura familiar: o impacto das mudanças climáticas nos principais cultivos. In: Anais do 60º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER), 2022. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/sober2022/484888-AGRICULTURA-FAMILIAR–O-IMPACTO-DAS-MUDANCAS-CLIMATICAS-NOS-PRINCIPAIS-CULTIVOS. Acesso em: 03 mar. 2022.

Autores

  • é professora associada do Departamento de Direito Privado e de Processo Civil da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e do programa de mestrado da mesma instituição, pós-doutora pela Scuola Superiore Sant'Anna di Studi Universitari e Perfezionamento (SSSUP, Pisa, Itália), com bolsa Fapesp, pós-doutora em Administração/Economia das Organizações (FEA/USP) e livre docente em Direito Agrário pela FDRP-USP.

  • é graduanda em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e bolsista do Programa Unificado de Bolsas da USP (PUB/USP).

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