Opinião

"Revisão da vida toda" e as novas barreiras criadas pelo INSS

Autor

  • Sérgio Henrique Salvador

    é mestre em Direito Constitucional (FDSM) pós-graduado pela EPD-SP e PUC-SP professor de diversos cursos (graduação pós-graduação preparatórios e atualização jurídica) professor titular do Direito Unopar Itajubá coordenador acadêmico da pós-graduação em prática previdenciária da Escola Mineira de Direito (EMD) escritor com mais de 15 livros publicados em várias editoras integrante do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) Regional da OAB-MG advogado em Minas Gerais membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica tendo integrado a comitiva de pesquisadores brasileiros no 1º Congresso Internacional de Seguridade Social da Faculdade de Direito de Harvard (EUA) em agosto de 2019.

6 de abril de 2023, 11h19

Sem dúvidas a nominada pela doutrina "revisão da vida toda" tem ocupado boa parte dos debates jurídicos no campo previdenciário, seja pela viabilidade conferida a partir do recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal, seja também pelo fato que o INSS, sucumbente da tese, tem agido de forma desproporcional para atrasar sua concretização com a criação de barreiras, além de produzir dilemas estranhos ao valioso precedente da Suprema Corte.

A tese é fruto de aprimorado debate jurisdicional, nascida na região sul do país e defendida pela combativa advocacia especializada em todos os níveis. Também, seu pensamento jurídico é plenamente defensável e na sintonia com o próprio sistema constitucional vigente que alocou a contributividade e a proteção social como premissas fundantes, notadamente pela clara existência de financiamento para justificar o aprimoramento dos benefícios.

Assim, se percebe tecnicamente que a tese não é genérica, ampla e universal, acolhendo apenas específica parcela de beneficiários do regime geral (RGPS) com vários filtros, dentre eles, por exemplo o prazo decadencial de dez anos contado a partir do mês seguinte ao primeiro pagamento do benefício.

Aqui uma barreira normativa existente e limitadora do campo dos beneficiários alcançados pela decisão.

De relevo ainda destacar outro fator que filtra bem sua aplicabilidade, ou seja, os valores do benefício revisando, sendo necessário, prudente e razoável aferir se a aplicabilidade da tese, ainda que dentro do prazo revisional proporcione a pretendida majoração do benefício.

Logo, a fase de apuração dos cálculos é de crucial importância para se valer do precedente produzido pela Suprema Corte no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.276.977, de 1/12/2022.

Em linhas gerais, a tese se resume na aplicabilidade de regra de cálculo mais vantajosa e mais benéfica ao filiado do sistema, não sendo razoável que o já filiado seja penalizado por nova regra de cálculo introduzida no sistema a posteriori com limitações na base de início do cômputo das contribuições vertidas.

Em suma, em favor do filiado restou declarada a possibilidade de contabilização de todas as contribuições vertidas desde sua filiação ao sistema, e não somente a partir de 07/1994 como aduziu a sucumbente autarquia previdenciária e assim sempre agiu.

Portanto, a tese teve sua aceitação plena com a viabilidade declarada, cabendo, portanto, o INSS se curvar ao entendimento da Suprema Corte, algo que preferiu esquecer.

Para surpresa de muitos, recentemente se noticiou a surpreendente manobra processual do INSS em solicitar ao STF o sobrestamento do decisório para que possa instrumentalizar internamente a tese [1]. Aduziu ainda que não houve a publicação do acórdão pela Suprema Corte, bem como o trânsito em julgado, invocando essas e outras premissas jurídicas para postergar o cumprimento do precedente derradeiro do Excelso Tribunal [2].

Surpreendente a postura do INSS, aliás, mostrando um indesejado descompromisso com a própria Justiça Social, cuja missão também perfaz uma de suas atribuições, além da insegurança jurídica produzida para o caso, se pautando como se estivesse processualmente acima do bem ou do mal.

Esqueceu a autarquia que o sistema processual brasileiro passou por uma profunda e recente reforma a partir de 2015, valorizando os precedentes produzidos pelas Cortes Superiores como maneira de produzir a integridade e coerência da ordem jurídica nacional, conforme a textualidade do artigo 926, caput do CPC/15 [3].

O atual CPC ainda traz outras diversas novidades nesta direção, notadamente quanto a obrigação do sistema conferir cumprimento à almejada segurança jurídica através da vinculação objetiva e subjetiva de precedentes superiores, tanto assim o é, que a própria sentença pode ser declarada nula se não aplicar súmula, jurisprudência e precedente de corte superior invocado pela parte [4].

Ora, a inovação do INSS em produzir novas barreiras à tese ocorre na contramão do que também determina o CPC/15 [5] aos Julgadores, tendo em vista que possuem o dever de observar os precedentes advindos do julgamento de Recursos Extraordinários, como o caso ora sinteticamente debatido.

Do ponto de vista da realidade dos aposentados a medida é por deveras cruel que posterga o precedente da Corte Constitucional a um juízo de conveniência que a autarquia não possui, faz aumentar a judicialização e usa o fator tempo, um dos filtros da tese, a seu favor.

Em recente posicionamento, aliás, digno de aplausos, em decisão monocrática no AI número: 5003636-31.2023.4.04.0000/SC oriundo do TRF da 4ª Região, em 11/2/2023, o juiz federal João Batista Lazzari refutou a tentativa da autarquia: "Assim, diante do julgamento da matéria pela Corte Superior, não há justificativa alguma para a paralisação do feito, devendo ser observada a tese fixada. Em relação à alegação de inaplicabilidade da tese firmada, destaco que a ausência de trânsito em julgado não impede a produção imediata dos efeitos do precedente firmado pelo Tribunal pleno. Ora, nem mesmo a pendência de embargos de declaração inibe a produção imediata de efeitos julgados. (…) Ante o exposto, defiro o pedido de efeito suspensivo ativo, determinando o regular prosseguimento da ação".

A bem da verdade o INSS, de novo, faz prova de sua atual ineficiência, preferindo a judicialização previdenciária em larga escala sem que eficientemente pudesse implementar ainda de forma administrativa o esperado respeito ao entendimento das cortes superiores.

Não por menos, é ainda o INSS o responsável pelo maior número de processos do Judiciário nacional, permanecendo na posição de destaque negativo em ranking do CNJ [6].

Desrespeita seus filiados e ao sistema de Justiça quando age na postergação do precedente vinculante, aliás, insuscetível de relativização, devendo concretizar a tese em sua estrutura interna, com a aguardada colaboração social ao desafio de atenuar o agigantado fenômeno da judicialização previdenciária.

O acerto da tese é a vitória de todos, cuja política de entrega previdenciária também passa pelo aprimoramento das bases financeiras das prestações, aliás, algo esperado para àqueles filiados há muito e contribuintes do sistema, sendo de notável destaque e importância o resultado do julgamento pela Suprema Corte, algo que o INSS com suas novas barreiras preferiu deliberadamente esquecer.

 


[3] Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

[4] Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (…) § 1º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (…) VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

[5] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (…) III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.

Autores

  • é mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM), pós-graduado pela Escola Paulista de Direito (EPD-SP) e pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor universitário da graduação, pós-graduação, cursinhos preparatórios e extensão/atualização jurídica, professor titular de Direito na Universidade Norte do Paraná (Unopar Itajubá-MG), coordenador acadêmico da pós-graduação em Prática Previdenciária da Escola Mineira de Direito (EMD), ex-conselheiro da OAB-MG (23ª Subseção), integrante do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) Regional da OAB-MG, advogado em Minas e membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica.

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