Opinião

Reflexão sobre o tempo da vida e o
tempo da Justiça

Autor

  • Reis Friede

    é desembargador federal diretor-geral da Escola de Magistratura Federal da 2ª Região (biênio 2023/25) ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21) mestre e doutor em Direito e professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).

6 de abril de 2023, 7h10

Ninguém duvida que a Justiça brasileira é cara (onerando os cofres públicos em torno de 1,3% do PIB), ineficiente (prestando um dos piores serviços judiciais do mundo) e extremamente morosa.

Porém, mais grave ainda é o fato de que o Poder Judiciário verde e amarelo encontra-se, em elevadíssimo grau, completamente desconectado com o mundo real, notadamente com o "tempo da vida".

Ao que tudo indica, o Judiciário parece trabalhar em um tempo próprio, concebido específica e exclusivamente para a satisfação de suas necessidades, ignorando, por completo, a própria razão de sua existência e, por efeito, a sinérgica temporalidade da vida, em afrontoso desrespeito quanto à natureza impositiva relativa à finitude existencial do ser humano.

"O desperdício de tempo é o primeiro e o principal de todos os pecados" (Max Weber; A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, São Paulo: Pioneira/UNB, p. 112).

Essa autêntica dissonância temporal não apenas tem contribuído para um (alarmante) descrédito institucional, mas, mais grave do que isto, para o início de uma (perigosa) reflexão (social) sobre a (real) necessidade de uma Instituição (em sua atual modelagem configurativa) tão dissociada do mundo real.

"Em regra, há um atraso de esperança no trabalho de alguns juízes do país. Um atraso de julgamento, (…) que agrada aos réus, jamais às vítimas, que sofrem a continuidade da injustiça. (…) Porque a cultura judicial, entre nós, é a do adiamento, ou da prescrição sucessiva dos autos. Porque o tempo julga mais rápido do que os juízes. (…)" (Carlos Nejar; Atraso de Esperança, O Globo, 6/6/2018, p. 17)

É consenso absoluto haver uma justificada incompreensão quanto ao fato de que sentenças judiciais, via de regra, atravessam gerações antes de alcançar seu objetivo primordial de prover uma decisão definitiva, estabelecendo a necessária e almejada segurança jurídica (e, consequentemente, a paz social).

Igualmente resta insustentável (sob qualquer argumento) que ações judiciais que buscam, em última análise, resolver conflitos acabem por eternizá-los, criando um permanente clima de insegurança social, capaz de (até mesmo) paralisar o cotidiano da vida das pessoas.

O Judiciário se constitui, acima de tudo, em um árbitro de conflitos, mas que, no caso brasileiro, ao que tudo indica, não parece estar muito atento ao próprio tempo da contenda.

"Tempo é dinheiro. Contratempo é nota promissória" (Millôr Fernandes; Reflexões Sem Dor).

Ademais, muitas vezes em que simplesmente inexiste o conflito (como, dentre tantas outras, na hipótese de adoção de maior de idade) o Judiciário opera, ao arrepio da realidade social, como um grande dificultador burocrático, distendendo no tempo uma atribuição simples de homologador de vontades livres. Também, repetitivos e redundantes procedimentos parecem ser a tônica da Justiça, mormente quando a mesma exige a presença de testemunhas em morosas audiências, quando, muitas vezes, meras declarações poderiam ser simplesmente juntadas aos autos.

A vida é uma só. O Judiciário parece acreditar que vivemos várias vidas ou que a nossa única vida possui um desdobramento temporal infinito.

"Na justiça só a flor do tempo vinga." (Carlos Nejar citando um Poeta Desconhecido; Atraso de Esperança, O Globo, 6/6/2018, p. 17)

De forma diversa do que podemos apressadamente concluir, não são propriamente as pessoas que têm pressa. É a essência da própria vida que determina uma existência humana extremamente curta e, portanto, completamente incompatível com o tempo da Justiça, ainda que seja cediço reconhecer a virtude da paciência, justamente nas pessoas mais idosas.

"É estranho que os anos nos ensinem paciência; quanto menor o nosso tempo, maior a nossa capacidade de esperar.” (Elizabeth Taylor — 1932-2011 —, atriz anglo-americana)

O Judiciário parece desconhecer essa realidade e insistir em vivenciar outra vida, totalmente divorciada dos ditames inexoráveis da realidade humana.

Os juízes, ao proferir seus julgados, parecem fazê-los desconsiderando a própria realidade que, na qualidade de seres humanos, também se encontram inseridos.

Por todos os motivos elencados, afigura-se, de forma conclusiva, insustentável a existência de um Judiciário completamente desconectado com a realidade temporal da vida, como já advertia, com mérita propriedade, Rui Barbosa a seu tempo:

"Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada" (Oração dos Moços; discurso proferido para os formandos da turma de Direito da Faculdade do Largo de São Francisco (SP), 1920).

Precisamos, portanto, urgentemente repensar o Judiciário que a sociedade brasileira almeja: uma instituição eficiente que verdadeiramente sirva ao cidadão e não, ao reverso, que se sirva do mesmo, em benefício único de seus integrantes e servidores.

Autores

  • é desembargador Federal, presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), mestre e doutor em Direito e professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!