Opinião

Novas fronteiras da propriedade intelectual em tempos de IA

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4 de abril de 2023, 9h27

Causou muito alarde a carta aberta divulgada pelo multiempresário Elon Musk e mais de 1.000 pesquisadores, especialistas e executivos do setor de tecnologia, na quarta-feira (29/03), com o pedido de moratória de seis meses no desenvolvimento de pesquisas sobre novas ferramentas de inteligência artificial (IA).

Musk é um dos cofundadores da OpenAI, o laboratório responsável pela criação do já popular ChatGPT e de outras ferramentas de IA, mas deixou a plataforma e se tornou um dos seus principais detratores. Para o bilionário e os demais signatários do documento, as novas ferramentas põem em risco o controle da civilização, com violenta disseminação de informações falsas e falta de legislação objetiva, entre outras consequências nocivas.

Faz tempo, vivemos em uma época de constante transição tecnológica. Em comparação com outros períodos históricos, evoluímos mais a cada dez anos do que ao longo de um século inteiro. Essa aceleração começou por volta dos anos 1980. O desenvolvimento dos microprocessadores, da interface gráfica do usuário — que permitiu a interação com dispositivos digitais por meio de ícones e outros indicadores visuais —, dos computadores pessoais, dos celulares, a revolução digital e a internet propiciaram tal mudança. O impacto social foi tão abrupto que o Direito jamais conseguiu acompanhar.

Quem não se lembra do fenômeno do peer-to-peer, que transformou para sempre a indústria da música no final dos anos 1990, e do streaming de vídeos no YouTube, a partir de 2005? Ambos surgiram gratuitos, como se fossem legais, e rapidamente conquistaram o mundo. O mesmo aconteceu com obras literárias, games, fotografias e jornais.

A maioria acreditara que ativos digitais deveriam ser usufruídos e compartilhados livres de direitos. Ainda nos anos 2000, apareceu o chamado machine learning, algoritmos que permitiam às máquinas aprender com as bases de dados disponíveis na internet; a partir de 2010, a aprendizagem de máquina evoluiu e se tornou profunda com o deep learning; e nos últimos anos estamos lidando com a Web 3, a nova geração da internet que usa como base tecnologias de IA e blockchain.

Trata-se de uma nova revolução, sobretudo pela rápida evolução da IA, capaz de conceber textos, imagens, filmes, conteúdo em geral em resposta a comandos (prompts). Alguns programas de IA geradora se tornaram muito populares entre 2022 e 2023, como o ChatGPT, o Bard e o Dall-E.

A IA pode potencializar inovação e criatividade de inúmeras formas, servindo de ferramenta para humanos. A geração de conteúdo protegido pelo direito da propriedade intelectual por meio da IA tem suscitado questões legais e éticas profundas. A criatividade humana de comandar a concepção de um conteúdo seria suficiente para se atribuir àquela pessoa um direito sobre algo gerado majoritariamente pela máquina? Quem é o verdadeiro autor de um poema extenso gerado por comandos de cinco palavras? Ou sobre uma imagem "criada" a partir de uma frase?

Existe uma preocupação global em continuar incentivando a inovação tecnológica para usos lícitos e de interesse da coletividade, por um lado, e em preservar o elemento central da propriedade intelectual, por outro. Não custa lembrar que a proteção jurídica sobre a propriedade intelectual existe historicamente como retribuição à energia e ao tempo investidos por pesquisadores, inventores e autores para criar algo. Mas em tempos de IA geradora quem são os pesquisadores, os inventores e os autores?

Há, contudo, uma questão anterior e mais importante à colocada sobre autoria: a inteligência artificial geradora é fruto de um processo de aprendizado de máquina que minera as bases de textos e dados existentes na web para criar conteúdo. Deve haver crédito aos repositórios pesquisados pelo programa de IA empregado?

Em diversos países, discute-se a legalidade desse tipo de mineração, se deve haver uma licença prévia do titular ou se seria o caso de criar uma exceção/limitação ao direito autoral com relação ao uso desse conteúdo. Se for o caso de criar uma exceção, deveria ser limitada a usos para fins de pesquisa ou educativos? Poderia ser uma exceção aos direitos autorais com opt-out (opção de retirada)?

A propriedade intelectual está no âmago dessa controvérsia. O afrouxamento desses direitos a partir da Web 3 pode, numa perspectiva otimista, desencorajar humanos a criar e, numa ótica pessimista, tornar o desenvolvimento da IA em determinada direção irreversível e o futuro, incontrolável.

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