Opinião

O erro de tipo em Direito Penal

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29 de setembro de 2022, 11h06

O intuito deste artigo é trazer, de forma atualizada, os conceitos e consequências jurídicas das categorias do erro de tipo. Instituto essencial na dogmática penal, porém pouco valorizado pelos acadêmicos e aplicadores do Direito Penal brasileiro.

Pois bem, direto aos trabalhos.

O erro, de forma abrangente no Direito Penal, ocorre quando a pessoa não sabe o que está fazendo, ou entende que, ao praticar uma conduta, estaria protegida pelo ordenamento jurídico.

Aqui, a situação apenas existe na mente do sujeito. Objetivamente o cenário é outro. Atua-se como se o agente estivesse preso dentro de uma bolha, que representa uma realidade aplicável apenas a este.

E como conceituamos o erro em Direito Penal?

Criamos categorias específicas, que se diferenciam conforme o objeto sobre o qual o erro incide. Com isso, as consequências são, da mesma forma, diferentes para cada caso, para cada espécie de equívoco cometido pelo sujeito.

De forma geral, porém com precisão, Wessels afirma que ocorre o erro de tipo quando alguém, ao cometer o fato, desconhece uma circunstância que pertence ao tipo legal [1]. Percebemos que o autor engloba no erro de tipo, não apenas os elementos do tipo fundamental, como também as qualificadoras e majorantes.

Entendemos da mesma forma. Não há justificativa razoável para afastar o limite de poder contido no instituto do erro de tipo em relação às modalidades complexas dos tipos penais incriminadores.

Para ficar claro, o erro de tipo ocorre quando o agente não sabe que pratica um crime, por entender que não estão presentes os elementos que constituem um delito. O pratica sem querer.

Dessa forma, fica essencialmente afetado o elemento subjetivo do delito, aquele que revela a vontade contida na conduta humana relevante para o direito penal.

A partir dessa constatação podemos compreender as consequências dadas pelo legislador ao erro de tipo e suas espécies. Trata-se de situação que afeta diretamente a intenção do agente, e por esse motivo, a reprovabilidade de sua conduta é abrandada.

Conforme ensina Muñoz Conde, o agente, no momento da prática do fato, deve ter o conhecimento sobre os elementos do tipo, caso contrário, o dolo em relação a estes é afastado [2]. Por outro lado, se o desconhecimento se deu apenas em função de uma conduta culposa, o agente poderá ser punido por essa modalidade, caso haja previsão legal.

É o caso em que o agente, por sua atitude negligente, imprudente ou imperita, não toma conhecimento ou o faz de forma equivocada acerca da situação, e por isso pratica conduta típica, que será punida a título de culpa.

A questão realmente gira em torno do elemento subjetivo do delito.

Quais são, então, as espécies do erro de tipo e suas consequências?

Comecemos pelo erro de tipo essencial, que constitui o erro de tipo por excelência. Esse equívoco, ou ignorância do agente, recai sobre as elementares, circunstâncias ou quaisquer dados que constituam o tipo penal [3].

Por exemplo, determinada mulher sai às pressas da sala de aula e, por engano, leva a bolsa de sua colega, muito parecida com a sua. Ou ainda. "A" se dirige ao estacionamento de shopping e pressiona o botão do alarme de seu carro, ouve o som do alarme se desativando, entra no veículo e vai para casa. Chegando lá, percebe que aquele carro não era o seu.

Em ambos os casos, o erro se deu sobre a elementar coisa "alheia". O alheamento existia, porém, o agente não tinha consciência disso. Não sabia que sua conduta se amoldava, naquele momento, ao tipo penal descrito no artigo 155, caput, do Código Penal (furto simples).

As consequências dependerão da forma como entendemos aquele erro. O equívoco foi justificável, escusável? Se sim, afastamos o dolo e a culpa. O fato será atípico e a pessoa não será punida pela via do direito penal.

E se entendermos que o erro foi causado pela atitude negligente, imprudente ou imperita do agente. A pessoa não tomou os cuidados necessários, objetivamente considerados e por isso incidiu na prática do fato?

Nessa situação, o erro será considerado inescusável, ou ainda, injustificável. O agente poderá ser punido pela modalidade culposa do delito, caso haja previsão legal.

Muito bem. Ocorre que, para além do erro de tipo essencial, possuímos na doutrina e legislação a previsão de espécies de erro de tipo acidental.

Ora, e por qual motivo o chamamos de acidental? O fazemos, pois o engano ocorre sobre elementos acidentais do delito. Sobre as "coisas" que não estão previstas no próprio tipo penal como estruturantes da conduta proibida. Mas que, pelas vicissitudes da vida, podem estar presentes no fato.

Conforme Rogério Sanches Cunha, nessa categoria teremos o erro na execução do delito, onde o agente lesiona pessoa diversa da pretendida [4]. Essa é a categoria conhecida por aberratio ictus. O erro é na mecânica da execução criminosa, uma falha operacional. O sujeito é "ruim de mira".

Visa lesionar determinada pessoa, mas por seu erro de execução atinge outra (relação pessoa x pessoa). Como consequência jurídica responderá como se tivesse atingido a pessoa que desejava. Vale dizer, responderá como se houvesse alcançado seu desejo delituoso, atuando a Teoria da Equivalência, não sendo excluído dolo nem a culpa.

Na sequência temos outra espécie de erro na execução, o chamado: aberratio criminis, ou resultado diverso do pretendido.

Ocorre quando o agente, também por erro na execução, atinge bem jurídico diverso do que pretendia lesar. Há uma relação pessoa x coisa. O erro é operacional, assim como na aberratio ictus. No entanto, o agente visava atingir coisa e, por seu erro, atingiu pessoa. E vice-versa.

Neste caso, o agente responde pelo resultado diverso, a título de culpa, se houver previsão legal para tanto.

Breve recapitulação: a forma culposa é excepcional, deve haver previsão legal expressa. Caso não exista, o fato será, em regra, atípico.

Continuemos. O erro também poderá ocorrer sobre a pessoa que o agente queria atingir, numa situação em que não há erro na execução, mas sim sobre a identificação da vítima.

Essa é a categoria conhecida por error in persona. Por exemplo, o autor do crime desejava matar seu algoz, "Marcinho" e aguarda este na porta de sua casa. Ocorre que chega uma pessoa muito parecida com seu alvo, e o agente atira contra esta pessoa, matando-a.

Posteriormente, verifica que não se tratava de Marcinho, mas sim de Francisco. Confundiu uma pessoa por outra.

Neste caso não se exclui o dolo nem a culpa. Também não haverá isenção de pena. O agente responde como se houvesse acertado a pessoa pretendida.

O erro de tipo acidental também poderá ocorrer sobre o objeto. Será o caso em que o agente erra sobre o objeto material que sua conduta criminosa visava atingir. A título de exemplo, citamos a hipótese em que o sujeito imagina furtar um relógio de ouro, valiosíssimo. Mas por erro, furta uma réplica barata.

Não se exclui dolo nem culpa. Contudo, o agente deverá responder pelo furto do objeto que realmente subtraiu.

Por fim, sobre as espécies de erro de tipo acidental, temos o erro sobre o nexo causal. Aqui, o subdividimos em duas espécies:

a) Erro sobre o nexo causal em sentido estrito. Ocorrerá quando o agente, mediante um único ato, atingir o resultado pretendido [5]. Porém, a causa do resultado é diversa da que pretendia. Por exemplo, "C" desejava matar seu inimigo afogado, empurrando-o de um penhasco. Durante a queda, a vítima bate a cabeça contra uma rocha, sendo este o fato que causou sua morte, e não o afogamento visado pelo agente.

b) Dolo geral ou aberratio causae. Ficará caracterizado quando o sujeito ativo, mediante pluralidade de atos, provocar o resultado desejado, porém, com nexo causal diferente do que imaginava ter ocorrido.

Ilustramos com o exemplo: Enzo atira em Arthur e, entendendo que Arthur está morto, arremessa seu corpo no rio, vindo este a falecer em razão de afogamento, e não pelos tiros recebidos.

O agente será punido por crime único. Aquele que desejava alcançar desde o início, na mesma modalidade. Será considerado o nexo de causalidade que realmente se passou. Neste último ponto a doutrina diverge.

Cleber Masson e Paulo José da Costa Júnior entendem que o agente realmente deverá responder pelo nexo que de fato ocorreu, mesmo que essa circunstância lhe seja prejudicial na dosimetria da pena [6].

Cunha discorda, e com ele, concordamos. Afirma que, na dúvida, devemos considerar o nexo causal mais favorável ao réu. Deve ser levado em conta o que ele desejou ou o que ocorreu, prevalecendo o mais benéfico [7].

Ressaltamos que esse posicionamento é o que melhor se coaduna com o princípio constitucional da presunção de inocência e o in dubio pro reo.

O assunto pode ir muito além do que tratamos aqui. O estudo das situações de erro no direito penal é extenso e complexo, repleto de controvérsia. Mas o objetivo deste artigo foi alcançado: reavivar as reflexões sobre o tema. Suas consequências, possíveis defeitos e seu importante papel como instituto limitador do poder estatal.


[1] WESSELS, Johannes. Derecho penal — Parte general. Buenos Aires: De Palma, 1980, p. 129.

[2] MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción al derecho penal. Barcelona: Bosch, 1975, p. 62.

[3] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. 8ªed., Salvador: Juspodivm, 2020, p. 274.

[4] CUNHA, ibid., p. 278.

[5] CUNHA, ibid., p. 282,

[6] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado — Parte Geral. 2ª ed. São Paulo: Método, 2009, p. 287

[7] CUNHA, ibid., p. 283

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