Opinião

Questões práticas sobre o reajuste nos contratos administrativos

Autor

  • Gabriela Lira Borges

    é mestre em Governança e Planejamento Público pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) especialista em Direito Constitucional pela Universidade do sul de Santa Catarina (Unisul) e em Direito Tributário pela Uniderp/Anhanguera ex-procuradora do Estado do Acre ex-consultora jurídica da Consultoria Zênite ex-analista de Licitações do Sesc-Paraná assessora jurídica do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-Paraná) autora de diversos artigos jurídicos versando especialmente sobre licitações e contratos regime de pessoal dos servidores públicos e Sistema S e consultora jurídica na área de licitações contratos e regime jurídico de servidores públicos.

28 de setembro de 2022, 15h06

Ao determinar a prévia licitação como regra para as contratações públicas, a Constituição estipulou também que deve ser preservado o equilíbrio econômico-financeiro entre os encargos assumidos pelas partes, nos seguintes termos:

"Artigo 37 omissis
(…)
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (grifos acrescidos)".

Marçal Justen Filho, de forma bastante elucidativa, conceitua equilíbrio econômico-financeiro:

"O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo significa a relação (de fato) existente entre o conjunto dos encargos impostos ao particular e a remuneração correspondente". (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 18 ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. p. 1286).

O equilíbrio econômico-financeiro é inerente à relação que se estabelece entre as partes, no início do contrato, e aponta para a necessidade de que haja equilíbrio entre o encargo assumido por uma parte e a remuneração paga pela outra, evitando que um dos integrantes da relação contratual suporte ônus excessivo.

Para preservar esta relação de equivalência estabelecida na origem do contrato, o ordenamento jurídico prevê instrumentos a serem manejados pelas partes. Fala-se aqui das figuras do reajuste, repactuação e revisão contratual.

No presente texto, opta-se por tratar do reajuste ou, nos termos da Lei 14.133/2021, sobre o reajustamento em sentido estrito, assim definido pelo artigo 6º, inciso LVIII da Nova Lei como "forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contrato consistente na aplicação do índice de correção monetária previsto no contrato, que deve retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais;".

A opção pelo tema tem em vista que, entre os instrumentos de preservação do equilíbrio econômico-financeiro, o reajuste é o mais frequente nas rotinas administrativas, uma vez que aplicável à generalidade dos contratos administrativos, independente da natureza do objeto.

Coerente com a escolha do tema, foram selecionados quatro tópicos de igual relevância prática, a saber: a) periodicidade e termo inicial do reajuste; b) previsão obrigatória em todos os contratos; c) reajuste inferior a inflação e d) formalização do reajuste.

a) Periodicidade e termo inicial do reajuste
No que se refere à periodicidade do reajuste nos contratos em que a Administração Pública é parte, incide a regra prevista pela lei federal nº 10.192/01 que, em seu artigo 3º, estabelece o seguinte:

"Artigo 3º Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.
§1º A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir."

Do dispositivo em comento, extrai-se que os contratos administrativos devem ser reajustados anualmente contados da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir.

Se quanto à periodicidade mínima não cabe costuma haver discussão adotando-se que deve ocorrer após 12 meses (no mínimo), a questão do termo inicial para cômputo do prazo de reajuste suscita controvérsias.

À luz da Lei 8.666/93, o entendimento que se formou no âmbito do Tribunal de Contas da União é de que o marco inicial para cômputo do prazo para reajuste poderia ser ou a data limite para apresentação das propostas (conforme a Lei 10.192/01) ou a data do orçamento estimado das propostas, cabendo à Administração esta definição quando da elaboração do edital e do contrato.

Neste sentido, é o que se infere da jurisprudência selecionada da Corte de Contas:

O reajuste de preços contratuais é devido após transcorrido um ano, contado a partir de dois possíveis termos iniciais mutuamente excludentes: a data-limite para apresentação da proposta ou a data do orçamento estimativo a que a proposta se referir (artigo 40, inciso XI, da Lei 8.666/1993; artigo 3º, §1º, da Lei 10.192/2001; e artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal). (Acórdão 83/2020-Plenário, Relator: Bruno Dantas)

Interessante registrar uma tendência presente no TCU no sentido de considerar a data do orçamento estimado da licitação como um critério mais adequado, conforme evidencia o precedente a seguir:

"Embora a Administração possa adotar, discricionariamente, dois marcos iniciais distintos para efeito de reajustamento dos contratos de obras públicas, 1) a data limite para apresentação das propostas ou 2) a data do orçamento estimativo da licitação (artigo 40, inciso XI, da Lei 8.666/1993 e artigo 3º, §1º, da Lei 10.192/2001), o segundo critério é o mais adequado, pois reduz os problemas advindos de orçamentos desatualizados em virtude do transcurso de vários meses entre a data-base da estimativa de custos e a data de abertura das propostas". (Acórdão 2265/2020-Plenário, relator: Benjamin Zymler).

Aparentemente adotando este entendimento do Tribunal de Contas, a Lei 14.133/2021, a nova Lei de Licitações, em seu artigo 25, §7º, disciplinou o prazo para reajuste nos seguintes termos:

"Artigo 25. omissis
(…)
§7º Independentemente do prazo de duração do contrato, será obrigatória a previsão no edital de índice de reajustamento de preço, com data-base vinculada à data do orçamento estimado e com a possibilidade de ser estabelecido mais de um índice específico ou setorial, em conformidade com a realidade de mercado dos respectivos insumos."

Conforme se observa, a nova Lei de Licitações optou pelo orçamento estimado como termo inicial para o reajuste. Tal regra, então, por ser posterior e especial em relação à prevista pela Lei 10.192/2001, parece indicar para um único termo inicial para o reajuste, qual seja, a data do orçamento estimado.

b) Previsão obrigatória em todos os contratos
Conforme visto, ao disciplinar o reajuste, o artigo 3º da Lei nº 10.192/2001 estabeleceu que os contratos administrativos "serão reajustados" o que evidencia a obrigatoriedade do reajuste desde que decorrido o lapso temporal mínimo previsto em lei.

Em consonância com este regramento, a Lei 8.666/93 já estabelecia o reajuste como uma cláusula necessária em todo contrato, nos seguintes termos:

"Artigo 55.  São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:
I – o objeto e seus elementos característicos;
II – o regime de execução ou a forma de fornecimento;
III – o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;."

Ainda à luz da Lei 8.666/93, formou-se no âmbito do TCU entendimento de seguinte teor:

"O estabelecimento do critério de reajuste de preços, tanto no edital quanto no contrato, não constitui discricionariedade conferida ao gestor, mas sim verdadeira imposição, ante o disposto nos artigos 40, inciso XI, e 55, inciso III, da Lei 8.666/1993, ainda que a vigência contratual prevista não supere doze meses. Entretanto, eventual ausência de cláusula de reajuste de preços não constitui impedimento ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, sob pena de ofensa à garantia inserta no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, bem como de enriquecimento ilícito do erário e consequente violação ao princípio da boa-fé objetiva." (Acórdão 7184/2018-Segunda Câmara | relator: Augusto Nardes).

Consoante se observa, de acordo com o TCU, mesmo contratos cuja vigência não exceda doze meses, devem prever cláusula de reajuste.

A orientação justifica-se porque, há casos, em que as perspectivas quanto ao tempo de execução do contrato não se concretizam e sua prorrogação é de interesse da própria Administração para preservação do interesse público, cabendo o reajuste para preservar a equação econômico-financeira inicialmente constituída.

Novamente em aparente acolhida à jurisprudência do TCU, a Lei 14.133/2021, em seu artigo em seu artigo 25, §7º, supracitado, estabeleceu que "Independentemente do prazo de duração do contrato, será obrigatória a previsão no edital de índice de reajustamento de preço (…)".

Por derradeiro, adotada a premissa de que o reajuste é cláusula contratual obrigatória visando à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, questiona-se se seria viável concedê-lo independente de previsão contratual, com amparo diretamente na Constituição Federal.

A resposta mais coerente com o princípio da legalidade é de que a omissão editalícia e em contrato inviabiliza a concessão do reajustamento estrito senso uma vez que sequer haveria parâmetros para sua aplicação.

c) Índice de reajuste inferior à inflação
Interessante discussão em matéria de reajuste diz respeito a situações em que o preço reajustado do contrato não corresponde ao preço real de mercado. Em tais casos, é comum que o contratado pleiteie o reequilíbrio econômico-financeiro como forma de corrigir tal incompatibilidade.

A jurisprudência do TCU, entretanto, não parece albergar tal pretensão exceto se "sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual", ou seja, se atendidos os requisitos autorizativos da revisão contratual:

"A mera variação de preços de mercado, decorrente, por exemplo, de variações cambiais, não é suficiente para determinar a realização de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, sendo essencial a presença de uma das hipóteses previstas no artigo 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/1993. Diferença entre os preços contratuais reajustados e os de mercado é situação previsível, já que dificilmente os índices contratuais refletem perfeitamente a evolução do mercado. (Acórdão 18379/2021-Segunda Câmara | relator: Augusto Nardes).

O mero descolamento do índice de reajuste contratual dos preços efetivamente praticados no mercado não é suficiente, por si só, para a concessão de reequilíbrio econômico-financeiro fundado no artigo 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/1993, devendo estar presentes a imprevisibilidade ou a previsibilidade de efeitos incalculáveis e o impacto acentuado na relação contratual (teoria da imprevisão)". Acórdão 4072/2020-Plenário | relator: Bruno Dantas).

Assim, o fato de a inflação mostrar-se superior aos índices de reajuste previstos em contrato não inviabiliza sua aplicação ou autoriza reequilíbrio econômico-financeiro do contrato com base apenas neste argumento, cabendo ao contratado demonstrar a ocorrência de outra hipótese legal que dê ensejo ao reequilíbrio.

d) Formalização por apostila do reajuste
Ao disciplinar a alteração dos contratos, a Lei 8.666/93 já estabelecia que o reajustamento poderia ser formalizado por simples apostila dispensada a emissão de aditivo. Neste sentido, é o artigo 65, §8º:

"Artigo 65 omissis
(…)
§8º A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento."

A Lei 14.133/2021 na mesma linha previu que a variação do valor contratual para fazer face ao reajuste previsto em contrato não caracteriza alteração contratual e pode ser formalizada por simples apostila (artigo 136, I).

Neste contexto, a regra para a formalização de reajustes contratuais continua sendo o mero apostilamento.

Autores

  • é mestre em Governança e Planejamento Público pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), especialista em Direito Constitucional pela Universidade do sul de Santa Catarina (Unisul) e em Direito Tributário pela Uniderp/Anhanguera, ex-procuradora do Estado do Acre, ex-consultora jurídica da Consultoria Zênite, ex-analista de Licitações do Sesc-Paraná, assessora jurídica do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-Paraná), autora de diversos artigos jurídicos, versando especialmente sobre licitações e contratos, regime de pessoal dos servidores públicos e Sistema S e consultora jurídica na área de licitações, contratos e regime jurídico de servidores públicos.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!