Opinião

Nova regra do artigo 513, §5º, do CPC: aplicação ou não no processo do trabalho

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25 de setembro de 2022, 7h05

Apreciando o Tema 1.232 STF o Plenário virtual da Suprema Corte, por folgada maioria de 9 votos a favor e 2 contra, decidiu pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria. Com isso, o tema deve ser distribuído e levado a julgamento de mérito pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

No julgado, com acórdão proferido no processo STF RE 1.387.795-MG, publicado em 13/9/2022, sob a relatoria do ministro Luiz Fux, a ementa ficou assim lançada:

"Recurso Extraordinário. Representativo da controvérsia. Direito Processual Civil e Trabalhista. Execução. Inclusão de empresa integrante do mesmo grupo econômico no polo passivo. Responsabilidade solidária. Empresa que não participou da fase de conhecimento. Procedimento previsto no artigo 513, § 5º, do Código de Processo Civil. Alegada ofensa à Súmula Vinculante 10 e aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Multiplicidade de Recursos Extraordinários. Papel uniformizador do Supremo Tribunal Federal. Relevância da questão constitucional. Manifestação pela existência de Repercussão Geral."

Tal decisão abre caminho para um profundo debate pelo Plenário da Suprema Corte sobre importante questão jurídica de decisiva importância para o processo trabalhista, tendo em vista a inovação trazida pelo Código de Processo Civil de 2016.

Relevante registrar que já existe corrente de ministros do Tribunal Superior do Trabalho que seguem na linha de aplicação da regra processual, como se colhe de recente julgado daquela Eg. Corte, assim ementado:

"RECURSO DE REVISTA DA EXECUTADA PAQUETÁ CALÇADOS S.A. INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 — EXECUÇÃO — GRUPO ECONÔMICO — INCLUSÃO DA RECORRENTE APENAS NA FASE DE EXECUÇÃO — VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA — INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 513, § 5º, DO CPC/15 — TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA E POLÍTICA 1. O Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu novas balizas para a plena garantia dos princípios do contraditório e da ampla defesa no cumprimento de sentença, limitando — o apenas aos fiadores, coobrigados e corresponsáveis que tenham participado também da fase de conhecimento do processo. Inteligência do artigo 513, § 5º, do CPC/15. 2. Como já decidido por esta C. 4ª Turma, reconhecida a responsabilidade solidária da ora Executada (Recorrente) ante a existência de grupo econômico, a sua inclusão apenas na fase de execução, na condição de coobrigada, viola os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, inscritos nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição da República, ferindo o artigo 513, § 5º, do CPC/15. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido" (RR-35-71.2010.5.05.0251, 4ª Turma, relatora ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 16/9/2022).

A regra processual em discussão, presente no Código de Processo Civil 2016, assevera em seu Título II — Do Cumprimento da Sentença, Capítulo I — Disposições Gerais, em seu artigo 513, in verbis:

"Art. 513.
O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.
………
§ 5º. O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento."

A questão em discussão está centrada no caput do artigo, assim como no parágrafo 5º do dispositivo. Visa examinar a possibilidade de aplicação ou não do disposto no processo do trabalho. A primeira questão que se coloca está em verificar se existe na legislação processual trabalhista regra similar à mesma, à luz da aplicação subsidiária do processo civil garantida pelo artigo 769, CLT. A resposta é negativa, pois do exame da CLT não se verifica norma que conflite com aquela ora em exame, nem outra que regule as limitações ou ampliações da coisa julgada no aspecto passivo do título judicial, como aquela do novo diploma processual civil.

Com isso, havendo lacuna legal na CLT a regra subsidiária do processo civil comum aplica-se ao processo do trabalho. De se registrar que o Tribunal Superior do Trabalho, ao interpretar as novas normas do novo CPC, para aplicação ou rejeição das mesmas no âmbito do processo do trabalho, admitindo várias regras e negando outras, através da Resolução nº 203, de 2016, por seu plenário, silenciou por completo no posicionamento em relação à regra legal ora em estudo.

Superado o primeiro óbice é preciso examinar os conceitos de coobrigação e corresponsabilidade, já que aquele da fiança é conhecido e não se discute no processo do trabalho. Coobrigado ou corresponsável são aqueles que por contrato ou imposição de lei estão vinculados ao devedor de uma obrigação, sendo junto com este corresponsável por seu cumprimento. Veja-se que o conceito não retira a responsabilidade do Coobrigado ou Corresponsável pelo cumprimento da obrigação a qual o devedor não cumpriu, mas a norma processual inovou e criou instituto que protege os mesmos, assegurando-lhes o devido processo legal, ampla defesa e contraditório, assegurados pelos incisos XXXV, LIV e LV, do artigo 5º, da Carta Magna, ainda na fase de conhecimento, não se lhes podendo imputar e executar título judicial onde não figuram como devedores.

A norma processual veio assegurar àquelas pessoas físicas e jurídicas o direito de produzir defesa e provas na fase de conhecimento, não podendo ser os mesmos abruptamente atraídos somente na fase de execução. Registre-se que todas essas pessoas físicas e jurídicas podem estar no polo passivo da ação, mas devem compor esse polo também na fase de conhecimento e não somente na fase de execução. Importante lembrar que a Justiça do Trabalho, antes do advento do novo CPC, sempre enfrentou o tema, já que o mesmo demandava construção jurisprudencial. Até novembro de 2003 o que existia no processo do trabalho era uma súmula do TST, nº 205, que assim entendia: "O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução". Como se pode ver, até 2003 o TST possuía regra jurisprudencial que coincidia com a atual regra do NCPC, surgida em 2015.

Ocorre que em novembro de 2003 referida súmula foi cancelada pelo TST e a partir daí os juízes do trabalho são amplamente livres para dirigirem os títulos executivos judiciais contra qualquer coobrigado ou corresponsável junto ao devedor estampado no título; nesse rol estão incluídos integrantes do mesmo grupo econômico, pessoas físicas proprietárias de empresas, gestores ou qualquer administrador da empresa devedora, sem que estes personagens tenham produzido qualquer defesa ou provas na fase de conhecimento. Sustenta a jurisprudência atual que se o devedor principal produziu defesa e provas na fase de conhecimento, já o fez para todas as pessoas físicas e jurídicas acima indicadas.

O entendimento parece violar os princípios e garantias individuais presentes nos incisos XXXV, LIV e LV, do artigo 5º, CF, já referidos. Ou seja, o Excelso STF, no exame da questão, frente a edição do novo CPC, jogas novas luzes sobre o debate. Ora, o credor aciona apenas um devedor, embora existam vários coobrigados e corresponsáveis, litiga apenas com uma defesa; uma produção de provas e, depois de formado o título aciona outras tantas pessoas jurídicas e físicas que poderiam ter produzido outro tipo de defesa, outras provas, ou seja, retira de todas essas pessoas o sagrado direito à ampla defesa, contraditório e devido processo legal na fase de conhecimento, o que viola referidas garantias individuais. E nem se diga que se pode fazer essa defesa e produção de provas na fase de execução, pois todos sabemos que nessa fase processual a amplitude do debate sofre enormes limitações, girando apenas em torno do próprio título executivo, pelo que efetivamente o entendimento recebe críticas.

No caso dos grupos econômicos o Eg. TST, ao sustentar que a defesa na fase de conhecimento feita por uma empresa do grupo aproveita as demais, baseia-se na regra do artigo 2º, §2º, da CLT, que assim dispõe, in verbis:

"Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 2º – Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas."

Não é preciso, à luz do novo diploma processual, adentrar no amplo conceito que a jurisprudência trabalhista empresta ao dispositivo para ver que merece novo debate a questão, à luz da nova ordem processual para o processo trabalhista brasileiro. Isso porque o conceito de coobrigação e corresponsabilidade vai muito além do conceito de grupo econômico, ou seja, aqueles são muito mais abrangentes do que este; com isso a mensagem do legislador foi clara e taxativa, ou seja, nenhuma pessoa jurídica ou física que não esteja no título executivo judicial pode ser atraída diretamente na fase de execução.

Assim, tendo em vista a entrada em vigor do novo CPC, em março de 2016, tem plena aplicação ao processo do trabalho a regra do artigo 513, §5º, do referido diploma, na forma do artigo 769, CLT, pelo que o debate merece amplo debate no Supremo Tribunal Federal e na Justiça do Trabalho.

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