Opinião

6 anos de avanços da resolução adequada de disputas na Justiça do Trabalho

Autor

  • Rogerio Neiva Pinheiro

    é juiz do Trabalho da 10ª Região foi juiz auxiliar da Vice-Presidência do TST nas gestões 2016/2018 e 2018/2020 e juiz auxiliar da Presidência do CSJT na gestão 2020/2022. Autor do livro “Técnicas e Estratégias de Negociação Trabalhista" mestre e doutor em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília.

23 de setembro de 2022, 6h02

No próximo dia 30 de setembro completam seis anos da Resolução 174/2016 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que trata da política judiciária da Resolução Adequada de Disputas no âmbito da Justiça do Trabalho. A data merece comemoração não apenas pelo que o referido ato representa, inclusive considerando a superação das dificuldades que marcaram a sua edição, mas principalmente pelos resultados alcançados em favor do jurisdicionado, da sociedade e da cultura da paz.

Spacca
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A Resolução Adequada de Disputas, em termos epistemológicos, pode ser considerada uma área de conhecimento interdisciplinar, contando com a contribuição de diversas outras áreas como a psicologia, ciência política, relações internacionais, economia, administração, sociologia, antropologia e mesmo a matemática aplicada por meio da Teoria dos Jogos, tendo como um dos marcos de origem o emblemático evento denominado "Conferência Pound", ocorrido em 1976 nos Estados Unidos. Uma das principais portas de entrada da referida área no Brasil foi a Resolução 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça, que teve importante influência nos mecanismos e institutos sobre o tema incorporados ao atual Código de Processo Civil.

Um dos aspectos mais relevantes da Resolução CNJ 125/2010 foi imprimir à Resolução Adequada de Disputas a dimensão de política pública judiciária, o que impôs ao Sistema de Justiça o papel de gestor de políticas públicas sobre a matéria.

Especificamente quanto à Justiça do Trabalho, a redação original da Resolução CNJ 125/2010 estabeleceu restrição que contava com diretriz implícita. Tratava-se da ausência de previsão da criação dos Centros de Conciliação (Cejusc) na Justiça do Trabalho, tendo como recado implícito a necessidade de limitações e cautelas para aplicação da Resolução Adequada de Disputas aos conflitos laborais.

Em março de 2016 foi editada a Emenda 02 à Resolução CNJ 125/2010, que excluiu a incidência da referida norma dos conflitos da competência da Justiça do Trabalho. E naquele momento surgiu a dúvida: de onde viria a norma própria e específica da Justiça do Trabalho? Do Conselho Nacional de Justiça, produtor da Resolução 125/2010, ou do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, responsável pela disciplina de temas específicos do presente segmento?

Mesmo diante de iniciativa concreta para a regulamentação no âmbito do CNJ, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho procurou exercer sua competência originária, seguindo precedentes do próprio Conselho Nacional de Justiça, no sentido de que a competência para tratar de matérias específicas da Justiça do Trabalho seria do CSJT.

E assim, no dia 30 de setembro de 2016, foi publicada a Resolução 174/2016 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, inaugurando um novo marco sobre o tema da Resolução Adequada de Disputas para o tratamento dos conflitos trabalhistas. Dificilmente isso teria ocorrido se não fosse a proposição apresentada pelo então vice-presidente do TST/CSJT, ministro Emmanoel Pereira, abraçada e levada adiante pelo então presidente, ministro Ives Gandra Martins Filho.

Não se pode negar que o movimento estabelecido no âmbito do Conselho Nacional de Justiça para tratar do tema teve a sua importância. Principalmente no sentido influenciar a preocupação de que a Resolução 174/2016 contasse com cautelas e mecanismos de adaptação às particularidades dos conflitos laborais. Podem ser considerados exemplos desses mecanismos a limitação da quantidade de audiências supervisionadas por um mesmo magistrado nos Cejuscs, bem como a necessidade da sua presença física e disponível às partes e advogados, juntamente com a limitação de que os conciliadores/mediadores sejam servidores da Justiça do Trabalho.

Dentre as diversas contribuições da Resolução 174/2016, uma primeira a ser destacada consiste na criação dos Cejuscs na Justiça do Trabalho, respeitadas as referidas cautelas e particularidades. Atualmente existem 103 Cejuscs-JT em pleno funcionamento, sendo que coube ao vice-presidente do TST/CSJT que assumiu a gestão nacional da presente política pública judiciária em 2018, ministro Renato Paiva, desbravar o país promovendo a criação de Cejuscs. Saímos de zero no final de 2016 para próximo de cem Cejuscs existentes atualmente, lembrando que ao longo desses seis anos ao menos dois foram comprometidos pela pandemia.

Outra contribuição relevante da Resolução 174/2016 consistiu no estabelecimento de estrutura da gestão da presente política judiciária em torno da Comissão Nacional de Promoção à Conciliação (Conaproc), coordenada pelo vice-presidente do TST/CSJT, e dos Núcleos de Conciliação dos Tribunais Regionais do Trabalho. Ou seja, a Justiça do Trabalho conta com um órgão central de gestão da política pública, bom como com órgãos locais, os quais atuam de forma totalmente cooperativa e articulada.

Inclusive como prova da evolução do tema, em 2021 foi editada a Resolução 288/2021 por parte do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, a qual promoveu avanços estruturais importantes, fruto da iniciativa do vice-presidente do TST/CSJT à época, ministro Vieira de Melo Filho.

Além disso, foi exatamente essa mesma estrutura de gestão a responsável pela retomada do trabalho presencial de fomento à solução consensual de conflitos no pós-pandemia, o que foi coordenado e impulsionado pela atual vice-presidente do TST/CSJT, ministra Dora Maria da Costa. Exemplo emblemático dessa iniciativa foi a organização da Semana Nacional da Conciliação Trabalhista em 2022, que teve como slogan "Conciliar para Recomeçar!", ocasião na qual foi lançada a "Cartilha da Conciliação", que consiste em guia prático voltado a esclarecer e orientar os jurisdicionados.

Também merece ser destacada como inovação da Resolução 174/2016 a criação da mediação pré-processual de conflitos. Tal mecanismo, que pode ser tido como inserido na proposta do Fórum Multiportas, concebida pelo professor Frank Sander, uma das grandes referências da área de Resolução Adequada de Disputas, permite que o Poder Judiciário atue na busca da solução de consenso, sem que isso decorra do exercício do tradicional direito de ação. Ou seja, dispensa a apresentação de uma petição inicial em sentido formal, o que por vezes contribui com a escalada do conflito.

Na redação original da Resolução CSJT 174/2016 foi prevista a mediação pré-processual apenas para conflitos coletivos, que na prática foi inaugurada no âmbito do TST, com êxito na solução de diversas disputas entre entidades sindicais laborais e patronais de caráter nacional, posteriormente se expandindo para os TRTs. E a partir dessa experiência exitosa, a Resolução CSJT 288/2021 estabeleceu a possibilidade de adoção do referido mecanismo para os conflitos individuais.

Nestes seis anos de existência da Resolução 174/2016 há muito o que comemorar. Trata-se de uma obra construída também com a valorosa participação dos magistrados e servidores que atuam e atuaram nos Núcleos e Centros de Conciliação dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho. E como toda obra, exige permanente manutenção e evolução, a qual ficará a partir dos próximos dias sob a responsabilidade da nova gestão da Vice-Presidência do TST/CSJT, tendo à frente o ministro Aloysio Correa da Veiga.

Existem alguns desafios que devem ser enfrentados, como o tema da desjudicialização de conflitos, com as particularidades e cuidados quanto aos conflitos trabalhistas; a influência e o uso da tecnologia na resolução das disputas; a necessidade de se adotar medidas inclusivas e de respeito à diversidade; a verificação da possibilidade de incorporação das abordagens sistêmicas, com todas as cautelas necessárias; e mesmo a compreensão e consideração dos conflitos geracionais.

Mas a superação dos desafios e avanços da Resolução Adequada de Disputas na Justiça do Trabalho deve sempre ter como referência a busca do bem maior almejado, que é a pacificação social, especificamente quanto aos sensíveis e delicados conflitos que decorrem das diversas relações entre capital e trabalho.

Autores

  • é juiz do Trabalho, autor do livro “Técnicas e Estratégias de Negociação Trabalhista” (4ª edição), Mestre e Doutor em Ciências do Comportamento (UnB), foi juiz auxiliar da Vice-Presidência do TST, integrou a Comissão Nacional de Promoção à Conciliação do CSJT e o Comitê Gestor da Conciliação do Conselho Nacional de Justiça.

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