Opinião

Pela preservação do efeito interruptivo dos embargos de declaração opostos a tempo

Autor

  • Luiz Roberto Hijo Sampietro

    é doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP) especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD) bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT) advogado professor de Processo Civil no Núcleo de Direito à saúde da ESA/OAB-SP e em cursos de pós-graduação lato sensu.

14 de setembro de 2022, 20h27

Por expressa determinação constitucional (inciso XXXV do artigo 5º), o Poder Judiciário tem a incumbência de prestar tutela preventiva, impedindo que ameaças a direitos se concretizem, e de também atuar eficazmente contra lesões já consumadas. Para atingir esses objetivos, as decisões judiciais devem ser claras, precisas e completas: a prestação jurisdicional somente terá a eficácia que o legislador constituinte deseja se os órgãos julgadores proferirem decisões que contenham os mencionados atributos [1]. Daí a importância de haver espécie recursal no CPC que tenha o objetivo de declarar/integrar o julgado para que esse último esteja livre de contradição, omissão e erro material.

Os embargos de declaração compõem modalidade recursal de tradição no processo civil brasileiro, pois estiveram presentes no CPC/39 e no CPC/73. Apesar de os embargos de declaração não possuírem o objetivo imediato de eliminar sucumbência [2] ou prejuízo [3], o legislador do CPC/15 manteve a espécie e aprimorou a disciplina dela, nos termos dos artigos 1.022 a 1.026. Dentre os inúmeros avanços, esses dispositivos preveem que (1) os embargos de declaração servem para corrigir erro material (inciso III do artigo 1.022), (2) o adverso do embargante tenha a possibilidade de exercer contraditório se houver possibilidade de modificação da decisão pelo acolhimento dos embargos (§ 2º do artigo 1.023), (3) os embargos de declaração podem ser conhecidos como agravo interno (§ 3º do artigo 1.024), (4) existe uma espécie de pré-questionamento ficto, na hipótese do artigo 1.025, (5) os embargos de declaração não suspendem automaticamente a eficácia da decisão embargada ("efeito suspensivo") (caput e § 1º do artigo 1.026), (6) a oposição manifestamente protelatória de embargos de declaração rende multa ao embargante (artigo 1.026, §§ 2º e 3º) e (7) impede a admissão de novos embargos se os 2 anteriores tiverem sido considerados protelatórios (artigo 1.026, § 4º).

Ainda, o caput do artigo 1.026 do Código de Processo Civil dispõe que os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso contra a decisão embargada. No entanto, essa interrupção pressupõe a superação do juízo de admissibilidade dos embargos. Ainda que os embargos não sejam providos — decisão sobre o mérito, consistente em saber se o pronunciamento era contraditório, omisso, obscuro ou inquinado por erro material —, o sucumbente (em sentido material) terá o prazo integralmente restituído para a interposição do recurso cabível contra a decisão.

Esse "efeito interruptivo" dos embargos de declaração é manancial de controvérsias, de dúvidas e de interpretações equivocadas no dia a dia do foro, capazes de resultar em prejuízo ao jurisdicionado. Para ilustrar a controvérsia sobre o efeito interruptivo dos embargos de declaração, o STJ, corretamente, salientou a impossibilidade de os embargos interromperem o prazo para o oferecimento de contestação [4]. Em tal hipótese, o embargante deveria ter postulado a concessão de efeito suspensivo aos embargos, nos termos do artigo 1.026, § 1º, do CPC. Por outro lado, o STF e o STJ, ao se manifestar sobre a recorribilidade da decisão unipessoal que não admite o processamento do recurso especial e/ou do recurso extraordinário, vêm tratando o juízo de mérito dos embargos de declaração como se fosse juízo de admissibilidade.

Expliquemos: mesmo que a decisão monocrática proferida pelo presidente ou pelo vice-presidente do tribunal recorrido possua os vícios previstos no artigo 1.022 do Código de Processo Civil, o STF e o STJ consideram os embargos de declaração incabíveis para saneá-la. Para as referidas Cortes[5] [6], os embargos não devem ser conhecidos porque o recurso cabível contra a decisão de inadmissibilidade de RE/REsp é o agravo interno (CPC, artigo 1.021, caput). Se os embargos de declaração não são conhecidos, não se opera o efeito interruptivo para a interposição do recurso cabível contra a decisão, o que fatalmente provocará a perda do prazo e a consumação da preclusão e da coisa julgada em desfavor do sucumbente.

A interpretação sufragada pelo STJ e pelo STF confunde os juízos de admissibilidade e de mérito dos embargos de declaração. O juízo de admissibilidade diz respeito ao cabimento do recurso, ao passo que o juízo de mérito dos embargos de declaração consiste em perquirir se os vícios afirmados pelo embargante realmente existem na decisão. Sobre o assunto, Cassio Scarpinella Bueno [7] pondera que "[é] importante, por isso mesmo, distinguir, com a maior nitidez possível, o juízo de admissibilidade do juízo de mérito dos embargos de declaração, lembrando que se trata de recurso de fundamentação vinculada. Para a superação do juízo de admissibilidade dos declaratórios no que diz respeito ao ponto aqui examinado, basta a afirmação do embargante de que, na decisão questionada, há contradição, obscuridade, omissão e/ou erro material. Entender que a decisão não padece de quaisquer daqueles vícios é proferir juízo de mérito desfavorável ao embargante, é negar provimento ao recurso, o que pressupõe, por definição, juízo de admissibilidade positivo".

Com efeito, o juízo de admissibilidade positivo dos embargos de declaração pressupõe (1) as asserções do embargante de que o pronunciamento judicial está impregnado de um ou mais de um dos vícios listados no artigo 1.022 do CPC e (2) a interposição no prazo de cinco dias, segundo o artigo 1.023 do CPC. Assim, é louvável o julgado do próprio STJ que registrou não ser "(…) o conteúdo dos embargos de declaração que regula a sua tempestividade ou a aplicação do efeito interruptivo do prazo recursal" [8]. O que de fato provoca a incidência do efeito interruptivo dos embargos de declaração é a oposição tempestiva dessa modalidade recursal. Saber se a decisão embargada é omissa, contraditória ou possuidora de vício material diz respeito ao mérito do recurso, não podendo ser invocada como fundamentação adequada para recusar trânsito aos embargos interpostos contra as decisões que não admitem o recurso especial e/ou o recurso extraordinário.


[1] Nesse sentido, veja-se AURELLI, Arlete Inês. Comentários ao código de processo civil, volume 4. Coord. Cassio Scarpinella Bueno. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 473.

[2] Rodrigo Mazzei afirma que a sucumbência que autoriza a oposição dos embargos de declaração por qualquer das partes litigantes não é a material, em que há um vencedor e um perdedor na demanda. Para Mazzei, tal sucumbência é a formal, isto é, aquela em "(…) que a decisão esteja acometida de algum dos vícios traçados no art. 1.022 do NCPC (…)". (Comentários ao código de processo civil, volume 4. Coord. Teresa Arruda Alvim et. al.. São Paulo: RT, 2015, p. 2.267)

[3] BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Comentários ao código de processo civil, volume XX. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 160.

[4] REsp n. 1.542.510/MS, rel. min. Nancy Andrighi, 3ª T., j. 27/9/2016. Esclarecedor o seguinte trecho da ementa do julgado: "A contestação possui natureza jurídica de defesa. O recurso, por sua vez, é uma continuação do exercício do direito de ação, representando remédio voluntário idôneo a ensejar a reanálise de decisões judiciais proferidas dentro de um mesmo processo. Denota-se, portanto, que a contestação e o recurso possuem naturezas jurídicas distintas. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes, nos termos do art. 538 do CPC/73 [art. 1.026 do CPC/15]. Tendo em vista a natureza jurídica diversa da contestação e do recurso, não se aplica a interrupção do prazo para oferecimento da contestação, estando configurada a revelia".

[5] No âmbito do STF, confira-se a ementa do seguinte julgado: "Embargos de declaração no recurso extraordinário com agravo. Conversão dos embargos declaratórios em agravo regimental. Intempestividade. Embargos declaratórios incabíveis. Não suspensão ou interrupção do prazo recursal. Precedentes. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. 2. Os embargos de declaração opostos contra decisão em que o Presidente do Tribunal de origem não admite o recurso extraordinário, por serem incabíveis, não suspendem ou interrompem o prazo para a interposição do agravo. 3. Agravo regimental não provido". (ARE 685.997 ED, rel. min. Dias Toffoli, 1ª T., j. 28/11/2017)

[6] No âmbito do STJ, veja-se trecho de ementa de contundente agravo proferido no AgRg no AREsp nº 1.526.234/SP, rel. min. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 3/12/2019: "Segundo o entendimento desta Corte Superior, o único recurso cabível da decisão de inadmissão do recurso especial é o agravo em recurso especial previsto no artigo 1.042 do Código de Processo Civil, sendo que a oposição de embargos de declaração dessa decisão é considerado erro grosseiro, o que impossibilita a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, bem como não tem o condão de interromper o prazo para a interposição do recurso cabível".

[7] Curso sistematizado de direito processual civil, volume 2. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 652.

[8] AgRg no REsp nº 816.537/PR, rel. min. Humberto Gomes de Barros, 3ª T., j. 25/9/2007.

Autores

  • é doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD), bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT), advogado e professor de Processo Civil em cursos de pós-graduação lato sensu.

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