Opinião

Classificação ontológica das constituições e a eficácia das normas constitucionais

Autor

  • José Levi Mello do Amaral Júnior

    é professor associado de Direito Constitucional da USP professor do mestrado e do doutorado em Direito do Ceub livre-docente doutor e mestre em Direito do Estado procurador da Fazenda Nacional cedido ao TSE e secretário-geral da Presidência do TSE.

13 de setembro de 2022, 10h01

Este artigo revisita a doutrina clássica americana, italiana e brasileira sobre a eficácia das normas constitucionais, estudando, em particular, os aportes de Thomas Cooley, Rui Barbosa, Pontes de Miranda, Vezio Crisafulli, Meirelles Teixeira e José Afonso da Silva.

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Em seguida, o artigo destaca a diferença entre implementação e aplicação da Constituição, segundo exposta por Massimo Luciani a partir de uma antiga decisão da Corte Constitucional italiana: a primeira (implementação) realiza a Constituição segundo as cadências e prioridades da política e cabe ao Legislador, enquanto a segunda (aplicação) faz valer a supremacia das normas constitucionais e cabe ao Juiz Constitucional.

Por fim, o artigo sugere uma classificação — que pretende ser simples, objetiva e empírica — das normas constitucionais, inspirada na célebre classificação ontológica das Constituições, de Karl Loewenstein: normas constitucionais já executadas ou em execução e normas constitucionais ainda não executadas.

Introdução
A Constituição de 1988 traz "uma regra que é novidade no direito pátrio", qual seja, aquela constante do seu parágrafo 1º do artigo 5º: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".

Como compreender esta norma?

Manoel Gonçalves Ferreira Filho explica: "A intenção que a ditou é compreensível e louvável: evitar que essas normas fiquem letra morta por falta de regulamentação". Porém, aponta que "o constituinte não se apercebeu que as normas têm aplicabilidade imediata quando são completas na sua hipótese e no seu dispositivo". Portanto, "ou a norma definidora de direito ou garantia fundamental é completa, (…) ou não o é, caso em que não poderá ser aplicada". Anota, no mesmo sentido, Virgílio Afonso da Silva: "o conceito de eficácia plena não é baseado no artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição, nem esse garante a realização daquela".

Veja-se exemplo eloquente extraído do próprio artigo 5º da Constituição, cujo inciso XXXII dispõe: "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". Esse dispositivo, em si mesmo, carece de regulamentação, não teria aplicabilidade imediata, nem sequer por força do § 1º do artigo 5º, por sua própria e evidente incompletude: prevê a defesa do consumidor, mas não dispõe em que termos, o que só veio a acontecer com a respectiva regulamentação, a Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, que "Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências".

Uma norma é aplicável — aplica-se — a uma dada situação da vida conforme essa venha a se subsumir à hipótese normativa daquela, dando ensejo à consequência jurídica prevista na norma. Se houver hipótese e consequência definidas em nível normativo, eventual situação que venha a configurar a hipótese implicará, ou melhor, deverá implicar a respectiva consequência jurídica.

A "Aplicabilidade das normas constitucionais" é precisamente o objeto de obra clássica de José Afonso da Silva, "obra sem precedentes na doutrina pátria". Busca distinguir eficácia e aplicabilidade:

"Uma norma só é aplicável na medida em que é eficaz. Por conseguinte, eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais constituem fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encarados por prismas diferentes: aquela como potencialidade; esta como realizabilidade, praticidade.

Se a norma não dispõe de todos os requisitos para sua aplicação aos casos concretos, falta-lhe eficácia, não dispõe de aplicabilidade. Esta se revela, assim, como possibilidade de aplicação. Para que haja essa possibilidade, a norma há que ser capaz de produzir efeitos jurídicos."

Por sua vez, Virgílio Afonso da Silva explica que, não obstante o título, "o conceito mais importante de seu trabalho [refere-se ao livro de José Afonso da Silva] é a eficácia das normas constitucionais". Então, distingue eficácia e aplicabilidade: "aplicabilidade é uma questão relativa à conexão entre a norma jurídica, de um lado, e fatos, atos e posições jurídicas, de outro". Em suma, seria a configuração, na realidade, no mundo do ser, da hipótese da norma, tornando-se aplicável — ou seja, passível de aplicação — à situação que se tem.

Por outro lado, Virgílio Afonso da Silva, em um primeiro momento, refere-se à eficácia "como a capacidade de produzir efeitos". A seguir, citando Tércio Sampaio Ferraz Junior, discute como eficaz "a norma (a) que tem condições fáticas de atuar, por ser adequada em relação à realidade e (b) que tem condições técnicas de atuar, por estarem presentes os elementos normativos para adequá-la à produção de efeitos concretos".

Explica que a primeira destas compreensões "corresponde àquilo que, no âmbito do debate constitucional sobre o tema, se convencionou chamar de efetividade". Citando Luís Roberto Barroso, define a efetividade como "a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social". Lembra o exemplo que o próprio Barroso menciona no ponto: a reforma agrária envolveria "norma juridicamente eficaz, mas com baixa efetividade". Para ele, ainda citando Barroso, isso implicaria a aproximação entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.

Já a eficácia remeteria ao segundo sentido, ou seja, "presença das condições normativas para a produção de efeitos", ao menos a teor da interpretação que Virgílio Afonso da Silva faz acerca da compreensão de José Afonso da Silva. No entanto, Virgílio Afonso da Silva recusa examinar a questão apenas sob o viés jurídico: "a capacidade para produção de efeitos depende sempre de outras variáveis que não somente o dispositivo constitucional ou legal". A seguir, completa: "Esses elementos normativos que possibilitam a produção dos efeitos de uma disposição constitucional podem ser de várias ordens (…) desde a simples elaboração de legislação infraconstitucional até a estruturação de órgãos e instituições".

O objeto da exposição que segue é a eficácia das normas constitucionais. Parte da compreensão americana clássica, passa pela doutrina brasileira que veio a refletir a lição americana, bem assim a abordagem alternativa ofertada pela literatura italiana que veio a animar desdobramentos na doutrina brasileira. A conclusão é uma reflexão acerca de eventual variante inspirada na tipologia ontológica das Constituições.

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