Opinião

Sustentabilidade e agronegócio: uma parceria promissora

Autor

  • Bárbara Cristina Kruse

    é doutora em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Mestre em Gestão do Território pela UEPG especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná (Emap-PR) advogada acadêmica do mestrado profissional em Direito pela UEPG e integrante da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário/Agronegócio da subseção de Ponta Grossa (OAB-PR).

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13 de setembro de 2022, 13h17

A marca determinante na histórica brasileira é a monocultura baseada na produção latifundiária, em conjunto com a utilização da mão-de-obra de pessoas escravizadas. Na verdade, a colonização portuguesa baseou-se em uma "realidade econômica e social se articulará num complexo político, que governa as praias e atravessa os sertões, por meio do financiamento aos meios de produção, sobretudo do escravo, e dos vínculos aos compradores europeus" (FAORO, 2012, p. 135). Além disso, o Brasil foi traçado pelo regime de capitanias hereditárias via sesmarias, em que privilégios foram outorgados aos comerciantes ligados a metrópole. Neste contexto:

Pavlo Vakhrushev
Pavlo Vakhrushev

"O pontapé inicial da configuração do patronato brasileiro se dá com tal conjuntura, enquanto esse regime de terras só veio a ser abolido em 1822, com a independência brasileira. Não se tratou, portanto, de um lapso temporal pequeno de distribuição de terras, mas sim, de um processo histórico que perdurou por quase três séculos. Ao capitão e donatário, estava legitimada a configuração do poder local, na medida o poder era controlado e submetido por sua influência, confundindo-se assim, a figura do Estado" (KRUSE, 2021, p. 44).

Caminhando na linha do tempo, portanto, o patrimonialismo faz parte das relações de poder que se sobrepuseram a atuação pura do espírito do capitalismo, como defendeu Max Weber (2013). Inclusive, para Raimundo Faoro, o capitalismo dirigido pelo Estado, tal qual no Brasil, impediu o desenvolvimento de uma ótica empresarial, anulando assim "a esfera das liberdades públicas, fundadas sobre as liberdades econômicas, de livre contrato, livre concorrência, livre profissão, opostas, todas, aos monopólios e concessões reais" (FAORO, 2012, p. 35). O patrimonialismo, por consequência, faz parte da nossa história e é totalmente diferente dos traços pretéritos europeus.

A configuração econômica do Brasil atualmente, neste panorama, é reflexo dos seus desdobramentos coloniais, diga-se de passagem, enquanto colônia de exploração. A agricultura e a pecuária estão em nossas veias enquanto formação de Estado-nação, de forma que, não é possível dissociar o setor primário-exportador e a sua considerável fatia do PIB alavancada. O agronegócio, neste sentido, com sua grande variedade na pauta, é grande protagonista da exportação nacional. Deste modo, militar em desfavor de algo que fazemos secularmente e que nos garante uma posição econômica favorável, é no mínimo, contrassenso. Não há como negar que a agropecuária brasileira é importante no contexto global.

Quanto às questões agrárias, surgem as demandas ecológicas, as quais, desde sempre, intentam impor um modelo a ser seguido. Essa preocupação disseminada nos encontros internacionais desde 1972, na Conferência de Estocolmo, já foi alvo de muitas polêmicas e rivalidades entre os países do Norte face aos do Sul. Inclusive, intelectuais brasileiros, como Celso Furtado (1974) e Josué de Castro (1973) se posicionaram contra aos métodos científicos que demandam ser estabelecido um protótipo no Sul Global. A crítica, por isso, fundava-se no posicionamento de que ecologia, ainda que legítima a preocupação, não deveria seguir um padrão moldado pelo Norte.

Outros encontros científicos foram realizados e a consciência de que mudar é necessário, vem sendo cada vez mais disseminado no panorama mundial. Metas são lançadas e "acordo de cavalheiros", pois não coercitivos, são assinados. Porém, a corrida do século XXI, ainda que antagônica aos interesses ecológicos, faz-se na inovação e tecnologia, na utilização de recursos naturais não renováveis e no abastecimento das demandas produtivas e mercadológicas. O Brasil, neste sentido, não consegue despontar nesse mercado da inteligência artificial e equipamentos que envolvem técnicas e instrumentos digitais. A ideia que se passa é que estamos sempre um passo atrás diante dos produtos internacionais e o valor agregado do que é nacional sofre desvalorização.

Ocorre que, projeções científicas contemporâneas vêm instigando medidas urgentes em prol da ecologia como valor a ser sustentado. Urgente se tornou a sustentabilidade. A pegada ecológica do mundo não comporta mais a cultura do descarte. É preciso mudar. Algo precisa ser feito. Onde está o Brasil em todo esse alvoroço? A verdade é que o Brasil tem todo o potencial para estabelecer liderança mundial no segmento ecológico. É possível, sim, o Brasil fazer nova frente hegemônica no mundo, dada sua imensidão e riquezas naturais. O potencial brasileiro ainda não é explorado e precisamos agir, o quanto antes.

Nossa marca histórica, enquanto setor primário, nos favorece e nos coloca à frente da questão ambiental. Talvez, o maior empecilho seja convencer o produtor de substituir o que hoje é mais barato para o amanhã colher os frutos da sustentabilidade. O agronegócio pode ser sustentável. O Brasil pode ser o país mais sustentável do mundo, com muito pouco. Mas, e se o leitor se indagar, qual a vantagem disso? Ora, além de melhorar a qualidade de vida, o respeito à biodiversidade e à natureza, a compensação ambiental é um aliado, na medida que podemos, por conseguinte, ter mais crédito de carbono que qualquer outro país no globo. Aliás, coaduna com uma reparação histórica, enquanto ex-colônia de exploração, em um futuro não muito distante, em prol da ecologia e da sustentabilidade. A verdade é que os países do Norte nos devem e é a desuniformidade dos hemisférios que refreia à pegada ecológica mundial.

O agronegócio sustentável é o futuro do Brasil, e nos garante enquanto posição estratégica no mundo. Para tanto, precisamos de políticos que circundem a ecologia, acima de qualquer divergência ideológica. Incentivos, financiamentos e até mesmo isenções para o agricultor, para práticas agrícolas menos agressivas e com mais produtividade. Não é preciso desmatar para aumentar a produção, por isso a importância de subsídios tecnológicos (limpos) também. Aliás, injeção de capital em recuperação de áreas degradadas e financiamento para projetos que reduzam os gases de efeito estufa.

É preciso, portanto, incentivo e financiamento para evitar o desmatamento e estimular a conservação das florestas, por meio do sequestro de carbono e outras formas de estocagem. O Brasil, potencialmente, será um líder no mercado de crédito de carbono, eis que o mínimo de 20% de reserva legal ao longo do país ocorre na área rural, ao passo que na cidade e países predominantemente urbanos, tal possibilidade é exígua. É consentâneo, à vista disso, considerar os fatos conjunturalmente e analisar a superioridade ambiental do nosso país. Ou seja, o agronegócio e a sustentabilidade têm mais coadjuvação do que superficialmente aparentam, necessitando, assim, de políticas e incentivos governamentais. A urgência é agora!

Referências
CASTRO, Josué de. Subdesenvolvimento: Causa Primeira da Poluição.
Geographia, Niterói, v. 4, nº 8, p.1-4, 1º jan. 2002. Disponível em: <http://periodicos.uff.br/geographia/article/view/13437>. Acesso em: 10 jul. 2022.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 5ª Ed. São Paulo: Globo, 2012.

FURTADO, C., 1974. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

KRUSE, Bárbara Cristina. Direito à Cultura no século XXI: percalços e desafios interdisciplinares. Maringá: Sinergia, 2021.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Marin Claret, 2013.

Autores

  • é advogada, pesquisadora da área ambiental e cultural, doutora em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (Uepg), mestre em Gestão do Território (Uepg), especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná núcleo de Ponta Grossa (Emap-PR), integrante da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário da subseção de Ponta Grossa (OAB-PR) e sócia fundadora da Associação de Preservação do Patrimônio Cultural e Natural (Appac).

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