Direito Civil Atual

Indexar anúncio à marca alheia é concorrência desleal?

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12 de setembro de 2022, 12h01

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça), no recente julgamento do REsp 1.937.989 (relator ministro Luis Felipe Salomão) [1], manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ0SP) e decidiu que "configura concorrência desleal a prática de usar a marca de um concorrente como palavra-chave em link patrocinado para obter posição privilegiada em resultados de sites de busca, visando a direcionar os usuários para sua própria página", conforme recentemente noticiado pela ConJur.

ConJur
Na origem, o tribunal paulista havia se debruçado sobre os seguintes fatos [2]: a Agência B, do segmento de viagens e turismo, era a titular da marca nominativa B. Segundo o que ficou provado nos autos, a Agência V, também atuante nesse nicho, adquiriu os serviços do Google Ads para que a busca pelas expressões "B Ingressos" e "B Turismo" — ambas alusivas à marca titularizada por B, seguida de termos usuais no segmento — exibisse, como primeiro resultado, o anúncio patrocinado pela agência V, prática conhecida como keyword advertising ("compra" de palavras-chave). Assim, "quando um usuário pesquisava no Google usando o [nome da Agência B] como palavra-chave, o buscador mostrava como primeiro resultado a página de outra empresa prestadora do mesmo tipo de serviço" [3];

Nada obstante a ausência de expressa vedação em lei, a prática foi reputada ilícita pela Corte sob o prisma da concorrência desleal, considerando-se materializadas as condutas descritas nos incisos III e V do artigo 195 da Lei 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial), respectivamente: emprego de meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem e uso indevido do nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios.

Seguindo esse entendimento, o fato de uma empresa indexar um anúncio patrocinado à marca de um concorrente, por si só, configuraria ilícito, posição que encontra guarida em parte da doutrina [4] e que, no TJ-SP, tem sido adotada de forma majoritária [5].

Com efeito, anos atrás, ao julgar o REsp 1.606.781 (relator para o acórdão ministro Ricardo Villas Bôas Cueva) [6], a 3ª Turma do STJ também se deparou com a questão dos links patrocinados no bojo de discussão mais ampla, concernente ao uso parasitário do termo "Urbano" pela Hurb (antigo Hotel Urbano), agência de viagens online, em desfavor do Peixe Urbano, site pioneiro de compras coletivas no Brasil.

O Hotel Urbano havia contratado um anúncio pago para exibir seu nome todas as vezes em que alguém pesquisasse o termo "Peixe Urbano" no Google. Embora a prática também tenha sido reputada ilícita sob a ótica da concorrência desleal, o entendimento parece divergir daquele veiculado, recentemente, pela 4ª Turma no julgamento do REsp 1.937.989.

Isso porque a utilização da marca alheia como keyword foi um dos elementos sopesados na configuração da prática de concorrência desleal, mas não o único, significando que a conduta — desacompanhada do contexto — não necessariamente viria a materializar o ilícito.

A propósito, passagem do acórdão: "a constatação da prática de concorrência desleal não está amparada no simples uso da expressão 'URBANO', mas na conjugação desse fato com a utilização de cores e layout que apresentam enorme semelhança com os padrões adotados pela autora, com a declaração dos próprios idealizadores do site de que se valeram desse artifício para serem reconhecidos e com a contratação de links patrocinados adotando como palavra-chave a expressão 'PEIXE URBANO' e suas variações".

Nessa linha de raciocínio, demonstrando uma visão mais estrita se comparada àquela propagada no REsp 1.937.989, a indexação de um anúncio publicitário à marca de um concorrente pode vir a ensejar um ilícito sob o prisma da concorrência desleal desde que — contextualmente — outros elementos induzam confusão entre o link patrocinado e a marca do concorrente, com prejuízo para o titular da marca e para o mercado consumidor. Seriam exemplos de elementos relevantes a se considerar nessa análise: o leiaute do site das empresas concorrentes, tal qual mencionado pelo STJ no REsp 1.606.781; a indicação de que se trata de um anúncio; a apropriação do nome da marca da concorrente no texto do conteúdo patrocinado, com intuito de causar confusão.

Essa última orientação aproxima-se, também, do entendimento professado pela 3ª Turma ao julgar o REsp 1.668.550 [7], que considerou lícita — regra geral — a chamada publicidade comparativa. A prática consiste na identificação, explícita ou implícita, de um concorrente ou dos bens ou serviços oferecidos por um concorrente para fins publicitários.

No direito brasileiro, embora inexista disposição expressa, em lei, sobre o tema, o STJ decidiu — à luz do direito do consumidor, do direito macário e das regras sobre concorrência desleal —, que referida prática é legítima, conquanto não se preste para fins difamatórios (divulgação de informações inverídicas e desacreditação dos produtos e serviços da concorrência), e que observe o regime jurídico aplicável à publicidade, notadamente aquele estatuído pelo CDC.

Perceba-se que entre a indexação de marca alheia em link patrocinado e a publicidade comparativa há considerável similaridade: nos dois casos, uma empresa se vale da marca alheia, de sua concorrente, para fins comerciais, visando a elevar suas vendas. Mas, com base nos recentes entendimentos, a primeira prática foi considerada ilícita em vista da Lei 9.279/1996, e a segunda, admitida.

Diante desse contexto, considerando que não houve ainda o trânsito em julgado da decisão no REsp 1.937.989, a questão deve voltar a ser decidida pelo Superior Tribunal de Justiça em eventuais embargos de divergência (artigo 1.043, do CPC).

A questão de fundo demonstra, de todo modo, tal qual já tratado em colunas anteriores, as interessantes conexões existentes entre direito privado e concorrência [8], seja esta em sua vertente individual (proteção dos concorrentes  normas de concorrência desleal) ou institucional (defesa da concorrência  Lei 12.529/2011) [9].

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II—Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

 


[1] STJ, REsp 1937989/SP, relator ministro Luis Felipe Salomão, 4ª T., j. 23/08/2022.

[2] Apesar de o litígio não envolver dados pessoais, julgou-se prudente evitar a menção aos nomes das partes envolvidas, motivo pelo qual se adotou os termos: Agência B, marca B e Agência V.

[4] RODRIGUES JR., Edson Beas. Reprimindo a concorrência desleal no comércio eletrônico: links patrocinados, estratégias desleais de marketing, motores de busca na internet e violação aos direitos de marca. Revista dos Tribunais, v. 961, nº 35, nov. 2015; SOUZA, Daniel Adenshohn et al. A jurisprudência sobre o uso de links patrocinados como instrumento de concorrência desleal. Revista da ABPI, n. 144, set.-out. 2016

[5] ZIMMERMANN, Amanda de M. Uso da marca alheia nos links patrocinados: entendimento jurisprudencial brasileiro sobre marcas, concorrência desleal e anúncios na internet. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.

[6] STJ, REsp 1606781/RJ, relator ministro Moura Ribeiro, relator para acórdão ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., j. 13/09/2016, DJe 10/10/2016.

[7] STJ, REsp 1688550/RJ, relator ministro Nancy Andrighi, 3ª T., j. 23/05/2017, DJe 26/05/2017.

[8] RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Direito civil contemporâneo: estatuto epistemológico, Constituição e direitos fundamentais. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2019. p. 79-80.

[9] SOUSA, Simone Letícia Severo e. Das práticas concorrenciais ilícitas: as diferenças entre concorrência desleal e infração à ordem econômica. Revista de Direito Brasileira, v. 14, nº 6, p. 215-230, mai.-ago. 2016.

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