Emboscada contra Paes

Delegados forjavam investigações e prisões para fins pessoais, afirma MP-RJ

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12 de setembro de 2022, 20h49

O delegado Maurício Demétrio tentou, por duas vezes, forjar acusações  contra o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD). Em um das ocasiões, durante as eleições de 2020, ele forjou uma "entrega de dinheiro" a Paes, que era candidato à Prefeitura do Rio, com o objetivo de prendê-lo em flagrante. Na outra, a ação foi discutida com Allan Turnowski, ex-secretário de Polícia Civil do estado.

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Allan Turnowski é acusado de corrupção
e exploração do jogo do bicho
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É isso o que diz denúncia do Ministério Público do Rio contra os dois delegados. De acordo com a acusação, eles fraudavam investigações e prisões para atacar inimigos e fazer valer seus interesses — a exploração ilegal de jogos de azar e esquema de corrupção, em conjunto com o bicheiro Fernando Iggnácio, morto em 2020. Além disso, avisavam aliados do cumprimento de mandados de busca e apreensão.

A 1ª Vara Criminal Especializada do Rio de Janeiro aceitou a denúncia e decretou, na última quinta-feira (8/9), a prisão preventiva de Turnowski. Ele deixou o governo Cláudio Castro (PL) em março para se candidatar a deputado federal pelo mesmo partido. Já Demétrio está preso desde o ano passado.

Mensagens obtidas pelo MP-RJ apontam que, em novembro de 2020, quando Paes disputava o segundo turno das eleições para prefeito do Rio contra Marcelo Crivella (Republicanos), Demétrio tentou armar um flagrante de entrega de dinheiro ao candidato, usando um aliado para acionar a Polícia Federal

Para convencer delegados federais a montar uma operação contra Paes, um preposto de Demétrio, identificado na denúncia como o advogado Thalles Wildhagen Camargo, encaminhou uma foto do dinheiro à PF. A foto foi feita na casa de Demétrio, de acordo com as investigações.

Victor Cesar Carvalho dos Santos, um dos delegados da PF acionados à época, disse ao MP-RJ que a polícia cogitou fazer uma operação contra Eduardo Paes, mas o caso não avançou porque as provas eram insuficientes. Posteriormente, ao descobrir que Demétrio estava na origem da denúncia, desistiu de vez de apurar o caso, devido à falta de credibilidade do delegado estadual.

Demétrio chegou a mobilizar policiais civis para vigiar Eduardo Paes e sua comitiva, com o objetivo de obter imagens do veículo utilizado por ele naquela data, diz o MP-RJ. O delegado, na ocasião, enviou uma mensagem para Camargo pelo WhatsApp, que revelou a imagem de dinheiro. Era um saco contendo as cédulas que planejava apreender com o então candidato a prefeito. O plano não foi adiante, e Paes foi eleito.

Em março de 2021, o delegado articulou nova investida contra o prefeito, que, à época, estava cotado para disputar o governo do Rio contra Castro, que busca a reeleição. Conforme a denúncia do MP-RJ, Demétrio sugeriu, em conversa com Turnowski, então secretário de Polícia Civil, atingir Paes com um inquérito que já estava em andamento. Turnowski respondeu que eles deveriam esperar a investigação avançar, mas que iria "olhar". Demétrio, então, sugeriu o uso da Delegacia do Consumidor, unidade especializada para a qual fora designado no mesmo período.

Vazamento de investigação
A denúncia do MP-RJ também aponta que Allan Turnowski e Maurício Demétrio tentaram beneficiar amigos investigados por desvios de verbas em contratos do município do Rio.

Em 2018, dirigentes, ex-dirigentes e funcionários da Fundação Bio-Rio e do Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) foram alvos de mandados de busca e apreensão.

De acordo com o MP-RJ, mensagens trocadas entre Turnowski e Demétrio indicam que a ação havia sido vazada para os amigos deles, que já estavam preparados para receber os policiais.

Segundo o MP-RJ, Demétrio pediu a Turnowski que a imprensa não pudesse acompanhar o cumprimento dos mandados no Novo Leblon, condomínio na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Isso porque os empresários já estariam esperando os agentes com advogados, o que evidenciaria o vazamento.

Presidente do conselho de administração do Iabas até agosto de 2017, mas já tendo deixado o cargo à época da investigação, Luiz Eduardo da Cruz morava no condomínio e é amigo de Demétrio, conforme sustenta o MP-RJ, com base nas mensagens e em foto dos dois em um barco.

A defesa de Cruz afirmou à ConJur que o MP "não mencionou que ele foi absolvido sumariamente, e o processo envolvendo a Fundação Bio-Rio, extinto". 

Além disso, os advogados apontaram que a alegação de vazamento da busca e apreensão não foi confirmada e não é verdadeira. Eles ressaltam que o TJ-RJ revogou a prisão preventiva de Cruz por considerá-la abusiva e desnecessária.

A defesa também destacou que Cruz não tem relação com os fatos relacionados ao Iabas apurados na investigação, uma vez que deixou a entidade em agosto de 2017, e as buscas foram feitas em 2018.

"Os diversos equívocos do Ministério Público, lamentavelmente, indicam pouco empenho em averiguar informações já esclarecidas em documentos públicos e decisões do próprio tribunal", disseram os advogados.

Operações forjadas
O MP-RJ também destaca outras investigações e prisões forjadas por Maurício Demétrio para atacar inimigos e fazer valer seus interesses.

Conforme a promotoria, Demétrio preparou flagrante que gerou a prisão ilegal do delegado Marcelo Machado, que havia atuado em investigação contra o grupo dele.

"A operação forjada foi planejada para ter ampla cobertura jornalística, permitindo que Maurício Demétrio, após ludibriar o Parquet e o Judiciário, tivesse espaço nos veículos de comunicação para caluniar e desacreditar vários daqueles que se colocaram como empecilho para a atuação da súcia, sejam colegas de Polícia Civil, sejam particulares que testemunharam contra a organização", ressalta o MP-RJ.

Além disso, a promotoria afirma que Demétrio produziu dossiê contra a família do desembargador Luiz Zveiter, do Tribunal de Justiça do Rio. O documento narra, sem comprovação, crimes supostamente praticados pelo magistrado e seus parentes.

Na denúncia, o MP afirma que, desde o início de 2016, Turnowski e Demétrio, com o bicheiro Fernando Iggnácio e outros ainda não identificados, associaram-se para praticar crimes como exploração ilícita de jogos de azar, corrupção ativa e passiva, violação de sigilo funcional e homicídio qualificado.

Os delegados tinham a função, segundo a promotoria, de usar os recursos e a estrutura da Polícia Civil para ajudar na disputa de Iggnácio com Rogério de Andrade pelo legado do bicheiro Castor de Andrade.

Demétrio é acusado de vazar informações sobre investigações sigilosas, intermediar o pagamento de propina a servidores públicos e cooptar colegas da Polícia Civil. Por sua vez, diz o MP-RJ, Turnowski seria um "agente duplo", atuando de forma "velada e dissimulada" para obter detalhes com aliados de Rogério de Andrade, como o policial militar reformado Ronnie Lessa, que responde pelo homicídio da vereadora Marielle Franco (Psol), e os repassar para o bando de Fernando Iggnácio.

A defesa de Turnowski impetrou pedido de Habeas Corpus, sustentando que a prisão dele é baseada "em diálogos de terceiros, incompletos, fora de contexto e gravados em 2016, época em que Allan Turnowski sequer exercia cargos na Polícia Civil, pois estava cedido à Cedae".

Contudo, o HC foi negado pelo desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto. O magistrado entendeu que não há flagrante ilegalidade a justificar a revogação da detenção. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-RJ.

Processo 0225588-51.2022.8.19.0001

*Texto atualizado às 11h20 do dia 13/09/2022 para acréscimo e correção de informações.

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