Preventiva obrigatória

México debate constitucionalidade de expansão da preventiva obrigatória

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8 de setembro de 2022, 10h45

Os ministros da Suprema Corte de Justicia de la Nación, o supremo tribunal do México, começaram a debater a possível inconstitucionalidade de um artigo da Constituição do país, que expandiu a prisão preventiva obrigatória — sem direito à fiança ou à prisão domiciliar — para 16 tipos de crimes, incluindo delitos não violentos.

Suprema Corte de Justicia de la Nación
A lista de crimes sujeitos à prisão preventiva obrigatória, ampliada em 2019 pelo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, com a ajuda do Congresso, passou a incluir delitos como abuso de autoridade, corrupção, crime eleitoral, violação de domicílio, roubo de carga e de combustível, entre outros. E sacramentou a medida na Constituição.

Desde então, o número de encarceramentos no país cresceu 30%. Cerca de 92 mil pessoas aguardam julgamento nas cadeias do México, muitas delas há mais de dois anos (teoricamente, o limite máximo para prisões preventivas), segundo a Intersecta, uma organização de direitos humanos que protocolou um amicus brief na Suprema Corte em agosto, pedindo a anulação da medida.

A Suprema Corte do México vai julgar se tem autoridade para anular esse artigo constitucional, com base no argumento de que ela viola direitos humanos, como definidos em tratados internacionais, dos quais o México é signatário. Na ação movida pela Comissão Nacional de Direitos Humanos e por vários senadores, os peticionários também alegam que a prisão preventiva obrigatória viola a Constituição do México.

A questão fundamental, perante a Suprema Corte, é o que pesa mais: o artigo constitucional ou os tratados internacionais? Nos primeiros debates, realizados no início da semana, os ministros se mostraram divididos. A ministra Loretta Ortiz Ahlf expressou a intenção de votar contra a inconstitucionalidade do artigo, apesar de ele ser inconstitucional.

"A prisão preventiva obrigatória viola o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Mas o ônus de cumprir os tratados internacionais é do Congresso. Espero que o Legislativo faça isso", ela disse, segundo a Courthouse News Services, o Washington Post e a AP News.

Em 2011, a Suprema Corte decidiu um caso em que colocou os tratados internacionais no mesmo nível da Constituição, esclarecendo que "no evento de a harmonização entre os dois se mostrar impossível, os juízes devem aplicar o critério que seja mais favorável à proteção dos direitos humanos das pessoas".

Mas a decisão também esclareceu que "quando houver na Constituição uma restrição expressa ao exercício de direitos humanos, o que o texto constitucional estabelecer é o que vale". No final das contas, a Suprema Corte tem amplos poderes para interpretar a Constituição e o que ela decidir é o que vai valer.

Para considerar uma lei ou regulamento inconstitucional, será necessária uma "supermaioria" — isto é, oito dos 11 ministros da corte terão de votar a favor da inconstitucionalidade do artigo. No momento, não há indicações de que isso vá acontecer.

O presidente do México, López Obrador, está colocando uma enorme pressão nos ministros da corte, para deixar o artigo constitucional do jeito que está. Ele argumenta que essa é uma decisão que só pode ser tomada pelo Legislativo e ameaça: "Que o Judiciário não ouse anular esse artigo, pois isso seria uma invasão dos poderes do Legislativo e uma violação do equilíbrio e separação dos poderes. E é uma violação completa da Constituição".

Mas, nem todos concordam. O ministro Luis Maria Aguilar, por exemplo, declarou que a prisão preventiva obrigatória equivale a uma "sentença aplicada antes da condenação". Acrescentou que, pelo fato de a prisão preventiva obrigatória não ter tempo predeterminado, muitas pessoas acusadas de delitos que preveem penas de apenas alguns meses irão passar mais tempo na cadeia, à espera de um julgamento.

Isso criou uma situação inusitada no México: muitos suspeitos estão optando por um acordo de confissão de culpa, mesmo que inocentes, porque há certeza de que ficarão presos só pelo tempo da sentença. Como a justiça criminal no país é excessivamente lenta, algumas pessoas podem passar mais de 15 anos aguardando julgamento.

No México, apenas dois em cada 10 réus acusados de crime são considerados culpados nos julgamentos. Isso significa que, de cerca de 92 mil suspeitos presos preventivamente, cerca de 75 mil serão absolvidos, depois de dividir celas, por muitos anos, com criminosos perigosos, nas cadeias superlotadas do país.

De acordo com organizações que se opõem à lei, no México muitos suspeitos vão para a cadeia apenas porque a polícia os considerava suspeitos. O senador Emilio Álvarez Icasa declarou: "Aqui, muitas vezes a polícia prende primeiro, investiga depois".

O mexicano Luís Alejandro Chávez passou dois anos na cadeia, aguardando julgamento, por ser suspeito de um homicídio que ele não cometeu. A polícia concluiu que ele era o autor do crime porque tinha o apelido de "El Potro" — o mesmo apelido de outro mexicano que morava em um estado vizinho, ele disse em um documentário produzido pela organização "Renace", que assumiu sua defesa e o libertou.

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