Opinião

Ação penal trancada por falta de justa causa quando instruída só por delação

Autor

  • Fernanda Pereira da Silva Machado

    é advogada professora universitária mestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo IDP pós-graduada em Inteligência Aplicada e Investigação Criminal e em Direito Penal Econômico e Criminalidade Complexa membro da Comissão de Investigação Defensiva e da Comissão de Enfrentamento contra a Violência a Advogados da OAB-RJ e do Instituto de Prerrogativas e Garantias Individuais (IPGI).

8 de setembro de 2022, 9h12

A colaboração premiada não é confissão strictu sensu, é um meio de prova, que se traduz numa declaração voluntária por quem seja suspeito ou acusado de um delito, a respeito de fato pessoal e próprio consistente na prática de fato criminoso para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados.

Esse instrumento serve como norte às investigações, pois são meios de obtenção de prova, onde as informações do colaborador devem ser sucedidas de investigação Policial ou do Ministério Público quanto à sua veracidade, para evidenciar a justa causa para iniciar ação penal.

A própria lei que regulamenta a colaboração premiada já destaca que nenhuma medida cautelar real ou pessoal será decretada, denúncia ou queixa-crime recebida, bem como sentença condenatória ser proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador.

Ocorre que muitas medidas cautelares foram deferidas e, consequentemente, denúncias recebidas, tão somente com a palavra de colaborador, sem que houvessem investigações  sobre os elementos de corroboração, em algumas denúncias, os elementos utilizados são depoimentos de outros colaboradores, mas sem provas, ou sem investigação das pseudo provas entregues pelo colaborador.

Todavia, os depoimentos do colaborador, sem outras provas idôneas de corroboração, não se revestem de densidade suficiente para lastrear um juízo positivo de admissibilidade da acusação, o qual exige a presença do fumus commissi delicti. O fumus commissi delicti se funda em um juízo de probabilidade de condenação, traduz-se, em nosso ordenamento, na prova da existência do crime e na presença de indícios suficientes de autoria.

Dito isso, o oferecimento de uma denúncia deve encontrar lastro probatório mínimo que permita a formulação de um juízo de probabilidade sobre a ocorrência de um fato punível. Trata-se da denominada justa causa em sentido estrito.

O conjunto probatório destina-se ao convencimento do órgão judiciário, composto por inúmeros fatores e elementos, individualmente considerados como prova. Considera-se valoração da prova a "atividade de percepção do juiz, dos resultados das atividades investigativa e probatória que se realiza em um processo".

A justa causa é condição para o prosseguimento da ação penal, que encontra previsão no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal e pode ser definida com um lastro probatório mínimo para que seja oferecida a denúncia e iniciada a ação penal, ou seja, devem existir previamente indícios mínimos de autoria e materialidade, o que, no atual momento, não se verifica em relação ao presente caso.

Já há precedente do Supremo Tribunal Federal (Inquérito 4074/DF) de que as provas reunidas, quando não possuem o condão de confirmar a versão do colaborador, impedem a instauração da ação penal, pois não se vislumbra plausibilidade jurídica da acusação.

Logo, se nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador (artigo 4º, §16, da Lei nº 12.850/13), é lícito concluir que essas declarações, por si sós, não autorizam a formulação de um juízo de probabilidade de condenação e, por via de consequência, não permitem um juízo positivo de admissibilidade da acusação.

Autores

  • é advogada, professora universitária, mestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo IDP, pós-graduada em Inteligência Aplicada e Investigação Criminal pela Femperj-MP e em Criminalidade Complexa e Direito Penal Econômico pelo Ibmec e membro da CEVA (Comissão de Enfrentamento contra a Violência a Advogados) da OAB-RJ, da Comissão Prerrogativas da OAB-RJ e do IPGI (Instituto de Prerrogativas e Garantias Individuais).

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