Liberdade de Expressão

Costa Rica é condenada pela Corte IDH por condenação civil de jornalistas

Autor

6 de setembro de 2022, 20h42

O Estado não pode utilizar o sistema judicial para reprimir a atividade jornalística com a alegação de estar reparando crimes contra a honra, especialmente quando se trata da difusão de assuntos de interesse público. Com esse fundamento, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou a Costa Rica por perseguir dois jornalistas por meio do sistema judiciário, violando diversos direitos reconhecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Divulgação Corte IDH
Costa Rica foi condenada por perseguir judicialmente dois jornalistas 
Divulgação Corte IDH

Os jornalistas Ronald Moya Chacón e Freddy Parrales Chaves publicaram em 2005 um texto que denunciava chefes de polícia por facilitarem o tráfico de bebidas alcoólicas na fronteira entre a Costa Rica e o Panamá.

"Havia três ou quatro oficiais de polícia envolvidos no tráfico de bebidas alcoólicas. Não é que eles estavam fazendo eles mesmos, mas estavam permitindo, em troca de dinheiro, a passagem sem controle de furgões carregados", explicou Moya durante uma audiência.

De acordo com a legislação da Costa Rica, "insultos pela imprensa" são crimes tipificados nos artigos 145 do Código Penal e 7 da Lei de Imprensa, em virtude dos princípios da estrita legalidade penal, do direito à liberdade de expressão, da ausência de parâmetros para prever condutas proibidas e suas consequências, entre outros.

Os jornalistas foram absolvidos no processo criminal por calúnia e difamação, mas condenados em processo civil, devendo indenizar o delegado José Cruz Trejos Rodríguez. Segundo ele, os jornalistas utilizaram como fonte para a reportagem o então Ministro da Segurança, Rogelio Ramos Méndez, e não a assessoria de imprensa do Ministério Público. O valor da indenização foi de 5 milhões de colones (moeda da Costa Rica), o equivalente a cerca de R$ 39,7 mil.

De acordo com Ronald Moya Chacón, a condenação provocou um grande abalo financeiro e também psicológico, já que prejudicou a sua credibilidade profissional. "Isso colocou em risco meu patrimônio pessoal. Eu tinha minha família, tinha filhos, tinha netos", lamentou ele. "O principal é terem me condenado civilmente, porque é uma marca como jornalista. Te condenaram como um mentiroso, te condenaram porque você não disse a verdade. Isso afeta o pessoal e o profissional, porque todo mundo passa a ter medo de tratar assuntos contigo. Essa segue sendo uma ferida que não sarou, uma profunda ferida, não somente contra Ronald Moya, mas contra a imprensa costarriquenha."

Para a defesa dos jornalistas, tanto o Código Civil quanto a Lei de Imprensa da Costa Rica são incompatíveis com o princípio da estrita legalidade penal e o direito à liberdade de expressão, por não estabelecerem parâmetros claros que permitam prever a conduta proibida (insulto pela imprensa).

"No caso presente, existiam outras medidas alternativas, menos graves, que poderiam ser utilizadas como continuação de um debate democrático público, livre e aberto, sobre as ações da força pública. Em um assunto como o presente, a forma idônea de reparação de honra e reputação de uma autoridade pública, quando procedente, deve ser mediante o direito de retificação ou resposta", argumentou Carlos Tiffer, um dos advogados dos jornalistas.

Ao analisar o caso, a Corte IDH constatou que, de fato, a reportagem tratava de assunto de interesse público, e que, embora seja verdade que Moya e Parrales publicaram informações que acabaram se revelando imprecisas em relação a um dos mencionados, não ficou provado que os jornalistas tiveram qualquer intenção de infligir algum dano contra as pessoas afetadas.

A sentença também ressaltou que a informação publicada na notícia vinha de fonte segura, no caso, o Ministro da Segurança. Assim, não era necessário obrigar os jornalistas a realizar verificações adicionais. Desse modo, a Corte IDH observou que a sentença do Tribunal de Primeira Instância censurou os jornalistas por não terem ido à assessoria de imprensa do Poder Judiciário.

"O que precede significar a sugestão de fonte preferencial, segundo o julgamento do juiz, resultou em exigência desproporcional de liberdade de expressão, extremamente restritiva da liberdade de imprensa, pois tal imposição significaria estabelecer um mecanismo de intervenção prévio à forma como os jornalistas exercem a sua atividade, que, por sua vez, pode traduzir-se num ato de censura", diz trecho da sentença.

Assim, a Corte Interamericana decidiu por unanimidade que a pena civil imposta a Moya Chacón e a Parrales Chaves não era necessária, nem proporcional ao objetivo legítimo perseguido e, portanto, violou os artigos 13.1 e 13.2 da Convenção Americana.

A Corte IDH, também por unanimidade, decidiu que a sentença é por si só uma forma de reparação; que o Estado deve anular a condenação dos dois jornalistas, que deve fazer várias publicações ordenadas na sentença; e que deve pagar indenização a ambos os profissionais por danos não patrimoniais, além de reembolsar custos e despesas.

Em razão da resolução 123 do CNJ, a decisão proferida pela Corte IDH pode ser aplicada no Brasil.

Voto brasileiro
Rodrigo Mudrovitsch, único juiz brasileiro da Corte IDH, afirmou em seu voto que os atos legislativos ou judiciais domésticos, no que se refere à liberdade de imprensa, merecem deferência "até o delicado ponto em que passem, lenientemente, a permitir a disseminação de um generalizado cenário intimidador à circulação livre de informações de interesse público, totalmente refratário aos fins e ao espírito da tutela das liberdades discursivas proclamadas ostensivamente pela Convenção (Americana sobre Direitos Humanos)".

"No limite, com exceção de uns poucos tipos de conteúdo particularmente ofensivos aos direitos fundamentais, o que o tratado busca, para as liberdades discursivas em geral, é uma espécie de versão interamericana de um free marketplace of ideas, em que a verdade é produzida pelo debate livre de opiniões, e não por razões de Estado, na feliz e imortalizada expressão atribuída ao jurista Oliver Wendell Holmes Jr.", continuou Mudrovitsch, que é colunista da ConJur.

Clique aqui para ler a sentença da Corte IDH
Clique aqui para ler o voto de Rodrigo Mudrovitsch
 

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!