Opinião

MP nº 1.116/2022: o futuro da aprendizagem no Brasil

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5 de setembro de 2022, 20h33

Existem vários enfoques possíveis a serem dados ao tema da aprendizagem no Brasil, dependendo do emissor desta análise, que pode ser do CIEE (Centro de Integração Empresa Escola), das indústrias, do Poder Judiciário, do Ministério da Economia, do Ministério Público do Trabalho e dos próprios aprendizes, entre outros.

Pode-se afirmar como sendo ponto comum desses enfoques, a visão de que a aprendizagem é uma política pública indispensável para a inclusão de jovens no mercado de trabalho e a continuidade dos estudos, especialmente porque o jovem deve manter-se matriculado até concluir o ensino médio para se inserir no programa. Além disso, é uma política indispensável de combate ao trabalho infantil.

Mas, agora, passo a fazer uma rápida análise de algumas questões que envolvem a aprendizagem, levando em conta a MP 1.116/2022 de 4 de maio de 2022, prorrogada até 30/8/2022.

A primeira delas refere-se à constitucionalidade da MP 1.116/2022. Difícil afastar a inconstitucionalidade da Medida Provisória 1.116/2022, isto porque, à luz do artigo 62 da Constituição Federal, somente em casos de relevância e urgência é que o presidente da República pode editar medidas provisórias. O tema referente à aprendizagem não se reveste do caráter de urgência, muito embora relevantíssimo.

Para corroborar a afirmação, cabe lembrar que tramita junto à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6.461/2019 que busca instituir o Estatuto do Aprendiz. A maioria das previsões da MP 1.116/2022 foram retiradas do PL 6.461/2019, mas como projeto de lei, é necessário que ele seja submetido ao regular processo legislativo, com amplo debate e as reflexões que o tema de tamanha envergadura merece. Não vale atropelar o processo legislativo regular para tomar de assalto um PL por meio de Medida Provisória. Portanto, falta à MP em comento o requisito da urgência previsto pelo artigo 62 da Constituição.

Assim, é possível que a MP 1.116/2022 não seja convertida em lei, porque eivada de vício quanto ao seu nascedouro, por melhores que sejam suas intenções.

Nada obstante, a MP 1.116/2022 traz muitas questões importantes sobre o futuro da aprendizagem no Brasil no tempo de sua vigência. Trarei apenas algumas.

A primeira é acerca das faixas etárias para a contratação de aprendizes.

A Lei 10.097/2000 e o seu Decreto Regulamentador, 5.598/2005, deram prioridade para a aprendizagem dos jovens entre 14 a 18 anos.

Posteriormente, a Lei 11.180/2005 ampliou esta faixa etária para 14 a 24 anos, limite de idade máxima não aplicável às pessoas com deficiência.

A MP 1.116/2022, no seu artigo 28, amplia o limite da idade para os aprendizes sem deficiência para até 29 anos. Este é um ponto nevrálgico. Trata-se de um limite muito extensivo, devendo continuar sendo privilegiada a faixa etária dos 14 até os 24 anos, por ser a mais prejudicada para a empregabilidade.

Poder-se-ia argumentar que o aumento do limite de idade leva em conta os índices atuais de desemprego que não atingem apenas os jovens de até 24 anos. Sem prejuízo das abordagens econômica e social, a jurídica advém do artigo 227 da Constituição que assegura como dever do Estado e da sociedade, garantir a educação e profissionalização aos adolescentes e jovens, sendo que neste espectro estariam os jovens de até 24 anos. Além disto, o mesmo dispositivo, além de outros direitos, garante a proteção à criança e ao adolescente, sendo que a aprendizagem seria uma forma de proteção porque combate o trabalho infantil. Ou seja, o comando constitucional é no sentido de priorizar a criança, o adolescente e o jovem, não se encontrando nesta última categoria as pessoas com mais de 24 anos, exceto se portadoras de deficiência.

Outro ponto refere-se aos benefícios concedidos pela MP 1.116/2022 às empresas que aderiram ao Projeto Nacional de Incentivo à Contratação de Aprendizes. Em conformidade com o artigo 26 da MP, os benefícios vão desde prazos especiais para regularização da cota de aprendizagem, nos termos do instrumento de adesão; impossibilidade de autuação durante o período do instrumento; possibilidade de cumprir a cota de aprendizagem em quaisquer estabelecimentos da empresa, mesmo que em outra unidade da Federação; suspensão do processo administrativo de imposição de multa pelo descumprimento da cota; até a redução de 50% do valor da multa decorrente de auto de infração lavrado anteriormente à adesão ao Projeto. Tantas benesses às empresas poderão fomentar a aprendizagem? Este questionamento é importante se confrontado com o artigo 28, § 9º, da MP 1.116/2022, que elasteceu de dois para até quatro anos a possibilidade de prazo no contrato de aprendizagem, o que implica dizer que se antes da MP, em quatro anos, dois jovens teriam a chance da aprendizagem, agora apenas um poderá será beneficiado.

Além disso, o mesmo artigo 28, § 5º, da MP, estabelece a contagem em dobro da cota de aprendizagem quanto à contratação de jovens e adolescentes egressos do sistema socioeducativo ou que estejam em cumprimento de medida socioeducativas; estejam em cumprimento de pena no sistema prisional; integrem famílias que recebam benefícios financeiros da Lei nº 14.284/2021; estejam em regime de acolhimento institucional; sejam protegidos no âmbito do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, instituído pelo artigo 109 do Decreto no 9.579/2018; sejam egressos do trabalho infantil; sejam pessoas com deficiência.

Nota-se que houve uma quebra de isonomia em relação aos aprendizes, porque os mais vulneráveis passaram a contar como dois aprendizes. Há que se refletir, ainda, acerca do estigma que esses jovens passarão a carregar porque em dados da empresa informações tão sensíveis precisam ser armazenadas a fim de justificar e comprovar que a contagem daquele adolescente ou jovem, para fins da cota da aprendizagem, é em dobro.

Questão que também preocupa é a prevista no artigo 28, § 4º, na medida em que o aprendiz que for efetivado pela empresa continuará a ser contabilizado para efeito do preenchimento da cota de aprendizes pela empresa, pelo prazo de um ano. Ou seja, por um ano a empresa não precisa contratar outro aprendiz porque efetivou o anterior.

Finalmente, outra grande preocupação foi a trazida pelo artigo 28, § 6º, "c", que ao se referir sobre as instituições educacionais que oferecem a educação profissional e tecnológica, incluiu também os "cursos de educação profissional tecnológica de graduação", de maneira que há um fundado receio de que a empresas optem por aprendizes mais escolarizados, com a graduação em cursos de tecnologia, em detrimento daqueles com escolarização do ensino médio.

Portanto, com todo o respeito, não houve prestígio à aprendizagem com a MP 1.116/2022, para fomentá-la, mas sim uma precarização do instituto, evidenciando a sua edição o intuito de ampliar o leque de possibilidade das empresas na contratação de aprendizes, seja pela ampliação da idade, com a contagem em dobro em várias situações para fins de cota e inclusão dos cursos técnicos de graduação.

A livre iniciativa, o trabalho e a dignidade da pessoa humana são princípios que devem estar em equilíbrio para a construção de uma sociedade justa e solidária e são objetivos fundamentais da Constituição, equilíbrio que não se vê na MP 1.116/2022.

Assim sendo, volto ao título deste artigo em forma de pergunta — qual é o futuro da aprendizagem no Brasil? Ouso responder: — um futuro nada promissor a depender da MP 1.116/2022.

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